Polónia dá golpe no pluralismo em lei que ataca canal norte-americano
Projeto de lei levou à demissão de vice-primeiro-ministro e a raras críticas de Washington. Coligação de direita alega que a legislação protege da influência de países como a Rússia ou a China.
Deputados da oposição a chamarem os outros de “vigaristas”, milhares de pessoas à porta do parlamento em protesto, e um inesperado apoio de um partido de um ex-artista punk contribuíram para pintar de cores garridas a noite de quarta-feira em Varsóvia aquando da aprovação de duas controversas leis, uma sobre os proprietários de órgãos de comunicação social, e outra sobre o direito à propriedade de familiares de sobreviventes do Holocausto. Bruxelas e Washington criticaram o governo, que horas antes ficou sem o apoio de um pequeno partido.
Que o partido chamado Acordo tenha entrado em desacordo com o Lei e Justiça (PiS), a formação conservadora e nacionalista no poder desde 2015, seria só mais um pormenor, não se desse o caso de o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki ter demitido o líder do Acordo, Jaroslaw Gowin, do cargo de vice-primeiro-ministro na véspera das votações. “O meu despedimento é uma rutura de facto da coligação governamental”, comentou na terça-feira Gowin, cujo partido tem 10 deputados, necessários para a maioria parlamentar da coligação Direita Unida.
Na quarta-feira, depois de a coligação ter perdido quatro votações no Sejm (a câmara baixa do parlamento), uma delas para adiar a decisão sobre a lei dos media, a presidente do Sejm, Elzbieta Witek, do PiS, ordenou que se procedesse a nova votação para tornar improcedente o adiamento. Aos gritos de “vigaristas”, a coligação obteve luz verde para avançar e aprovar a lei, contando com o apoio de uma personagem improvável que, minutos antes, havia votado contra. Pawel Kukiz, de 58 anos, um antigo artista punk e agora líder do partido conservador mas contra o establishment Kukiz 15, justificou a rápida evolução na sua posição como um “engano” na votação em que defendera o adiamento. Alguns deputados não perderam tempo a perguntar-lhe qual seria o ministério que havia aceitado. O Kukiz 15, que concorreu pela primeira vez em 2015, tendo elegido então 42 deputados, está agora reduzido a quatro representantes. “A maioria parlamentar, colada à lama da corrupção e da chantagem, está a desmoronar-se diante dos nossos olhos”, comentou Donald Tusk, de regresso à liderança da Plataforma Cívica, principal partido da oposição.
A causa da indignação deve-se aos contornos da nova lei sobre a propriedade das empresas de comunicação. Se até agora proibia empresas de fora da União Europeia de deter a maioria do capital, agora passou a impedir filiadas de empresas externas à UE. Os deputados da Direita Unida alegam que esta medida visa impedir a influência de potências como a Rússia ou a China, mas a oposição – e o partido Acordo – dizem que esta legislação é feita à medida para acabar com a principal voz crítica do governo, a TVN, através da TVN24. Esta estação pertence ao grupo norte-americano Discovery através da sua filial nos Países Baixos.
A “lei TVN”, que segue agora para a câmara alta e depois para o presidente Andresz Duda, segue-se à aquisição, por parte do grupo petrolífero estatal, de um grupo de comunicação regional, Polska Press, o que leva a inevitáveis comparações da Polónia comandada na sombra por Jaroslaw Kaczynski com o caminho tomado pela Hungria de Viktor Orbán. O secretário de Estado norte-americano Antony Blinken disse que os EUA estão “profundamente preocupados” com a referida lei, numa rara crítica de Washington a Varsóvia. “As democracias fortes acolhem o pluralismo dos media e a diversidade de opiniões, não os combatem. O projeto de lei polaco sobre a radiodifusão envia um sinal negativo”, tuitou por sua vez a vice-presidente da Comissão Europeia Vera Jourova. Em abril, Bruxelas avançou com uma ação contra o governo polaco no Tribunal de Justiça da UE devido à lei sobre o poder judicial.