João Gomes Cravinho
Duas décadas no Afeganistão ao serviço da paz e segurança internacionais
As notícias e imagens, profundamente preocupantes e trágicas, que nos chegam do Afeganistão lembram-nos novamente de que nos tempos que vivemos nenhuma parte do globo se pode considerar imune às grandes dinâmicas internacionais. E muito menos um país como o nosso, participante ativo em missões de paz e contribuinte generoso para a promoção da ordem internacional.
Importa por isso, precisamente neste momento, recordar aquilo que foi a presença militar portuguesa no Afeganistão ao longo de quase duas décadas. Militares portugueses dos três ramos das Forças Armadas chegaram a Cabul em 2002, integrados na Força Internacional de Apoio à Segurança (ISAF), das Nações Unidas. Esta missão, constituída por uma coligação de mais de 30 países, visava apoiar a manutenção da segurança na capital afegã e nas áreas circundantes, de modo a permitir a atuação das organizações governamentais e não-governamentais empenhadas em tarefas de reconstrução e de apoio humanitário.
Nesse longínquo ano de 2002, Portugal participou com uma equipa sanitária, que, além de prestar apoio médico às forças da coligação na cidade de Cabul, trabalhava também nos centros de saúde da capital, e com o destacamento de um C-130, que, em conjunto com outras aeronaves de países aliados, assegurou a continuidade das operações em todo o país.
Até final de 2014, os nossos militares mantiveram-se empenhados na ISAF, desenvolvendo um variado leque de capacidades de missões e tarefas, onde se incluíram equipas de controladores de tráfego aéreo e de controladores aéreos táticos, equipas de bombeiros e de meteorologistas, destacamentos de C-130, várias forças de intervenção rápida de comandos e paraquedistas, mais de uma dezena de equipas de mentoria e ligação operacional, uma equipa médica, uma célula de informações militares, fuzileiros e polícias do Exército na proteção do aeroporto de Cabul, equipas de formadores/instrutores dos três ramos em diversas unidades afegãs, entre outras.
No início de 2015 nasce a Resolute Support Mission (RSM), uma missão da NATO para garantir o treino, aconselhamento e assistência às instituições nacionais afegãs na área da segurança e defesa.
Esta reorientação, com mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas, surge no seguimento de um acordo bilateral entre a NATO e a República Islâmica do Afeganistão e tinha essencialmente como objetivo a transferência da responsabilidade global pela segurança do país para as autoridades afegãs.
De 2015 até maio deste ano, Portugal participou ativamente na RSM, contribuindo com centenas de militares para diferentes tipologias de operações, das quais não posso deixar de destacar a força de reação rápida que nos últimos anos garantiu a segurança do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, na capital afegã.
Com esta presença diversificada e quase ininterrupta ao longo de duas décadas, as nossas forças ofereceram um valioso e decisivo contributo para a paz e estabilidade na região, assumindo-se como ativos fundamentais na proteção da população local, destacando-se pela elevada qualidade e profissionalismo. Não sou apenas eu que o digo. Veja-se, por exemplo, a autobiografia do general David Richards, antigo Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas britânicas, que considerou que os portugueses que operaram sob seu comando no Afeganistão foram “verdadeiros heróis, uma tropa excelente, corajosa e destemida, um exemplo a nível estratégico”.
Este momento é, sem dúvida, difícil, mas não nos devemos esquecer que a história dos militares portugueses no Afeganistão é uma história que merece o nosso orgulho e respeito. É uma história de compromisso, dedicação e sacrifício, e temos o dever de recordar que no Afeganistão perdemos dois dos nossos melhores, o primeiro-sargento de infantaria comando João Roma Pereira e o soldado paraquedista Sérgio Pedrosa. Vários outros regressaram feridos.
Ao todo, durante estas duas décadas, Portugal enviou para o Afeganistão mais de quatro mil militares, entre a missão das Nações Unidas (ISAF) e a da NATO (RSM). Com o regresso, em maio deste ano, da nossa sexta e última força nacional destacada no Afeganistão, encerrou-se um ciclo, mas o contributo português na luta contra o terrorismo continua e continuará em outras regiões deste conturbado mundo.
Não sabemos ao certo como serão os tempos mais próximos no Afeganistão, mas a anterior experiência dos talibãs no poder, um período em que o país serviu de base para a exportação do terrorismo e em que os direitos humanos, sobretudo de mulheres e raparigas, foram espezinhados, faz temer o pior. Por terrível que seja a perspetiva atual, importa não esquecer que Portugal contribuiu de forma valorosa para que houvesse durante duas décadas um país melhor, um país em que as raparigas tiveram acesso à escola e que não serviu de base de apoio para atentados terroristas no exterior.
Esses objetivos permanecem fundamentais, e a comunidade internacional, na qual Portugal participa ativamente, não poderá deixar de encontrar outras formas de os promover.
Por terrível que seja a perspetiva atual, importa não esquecer que Portugal contribuiu de forma valorosa para que houvesse durante duas décadas um Afeganistão melhor, um país em que as raparigas tiveram acesso à escola e que não serviu de base de apoio para atentados terroristas no exterior.