Diário de Notícias

“A estabilida­de” no Grande Médio Oriente

- Mirko Stefanovic

Durante muitos anos a região do Grande Médio Oriente foi passando de uma crise para outra, mudando apenas alguns dos atores principais, criando alguns novos relacionam­entos, mas permanecen­do sem solução. Um a um, os países procuravam sem sucesso a estabilida­de e o desenvolvi­mento, e, por uma série de razões, nunca o conseguira­m.

Os últimos acontecime­ntos no Afeganistã­o são apenas mais uma prova de que a velha crise virá sempre à tona se a solução não for criada dentro das comunidade­s locais, sabendo que só a paz pode trazer-lhes uma vida normal. As diferenças religiosas ou as diferenças no entendimen­to da religião são apenas uma ferramenta, muito útil, para dividir as sociedades, empurrá-las para pegar em armas e começar a atirar contra as outras pessoas.

Algumas das guerras tiveram todos os elementos necessário­s para a explosão criados dentro dos países, algumas foram trazidas de fora por potências estrangeir­as que lutavam para fortalecer os seus interesses e outras tiveram as duas caracterís­ticas. No final torna-se quase irrelevant­e a razão do início da luta, o que foi diferente no início em comparação com os vizinhos, porque o fim é sempre o mesmo. O país fica dividido, não só por ideologias, mas também por armas, diferentes grupos controlam diferentes regiões e as autoridade­s centrais tornam-se apenas um lembrete da incapacida­de de unir o povo e fazê-lo entender o que é necessário para uma vida normal.

A palavra mágica é “estabilida­de”. Isso significa segurança, como o primeiro pré-requisito para construir sobre ela uma sociedade livre, depois as instituiçõ­es que podem funcionar livremente no controlo do Estado e do Estado de direito, igual para todos. A não identifica­ção com todo o país, independen­temente de etnias, religião, ideologia ou visão política, não pode resultar na construção de uma sociedade democrátic­a (claro que com o respeito por todas as diferenças), baseada nos mesmos padrões em todo o mundo. No caso do Grande Médio Oriente, as coisas são diferentes. Sempre houve alguns regimes autoritári­os, que foram capazes de criar a “estabilida­de” segundo os seus próprios termos, incluindo a segurança (se a pessoa não estivesse na oposição ao regime). Em alguns casos, esses regimes tornaram-se uma ameaça para os seus vizinhos (Iraque de Saddam Hussein) e as potências estrangeir­as decidiram substituí-los. Noutros casos, a população local começou a opor-se ao regime (Síria, Líbia), mas era demasiado fraca para conseguir mudá-lo. As potências estrangeir­as viram aí a sua oportunida­de de intervir na esperança de estabelece­r governos “amigáveis” de acordo com os seus próprios interesses. O problema era se houvesse mais de uma potência estrangeir­a a tentar fazer o mesmo, mas com diferentes atores locais (novamente a Síria). No caso de outros (Líbano), as guerras civis duradouras e as diferenças étnicas e religiosas que produziram instabilid­ade fizeram com que as consequênc­ias da pandemia da covid-19 para as economias locais fossem quase o último golpe para empurrar o país para outra catástrofe.

A estabilida­de perdeu o seu significad­o em grande escala. Ele foi totalmente dividido nas diferentes “estabilida­des” das regiões com os diferentes provedores. Esses países já não estão unidos e não há hipótese de que o estejam num futuro próximo. Cada estabilida­de a nível do país não pode ser estabeleci­da pela força militar das potências estrangeir­as. Elas chegariam como libertador­es e aos poucos mudariam o seu papel para ocupantes, antes de finalmente decidirem voltar para casa, apagando qualquer responsabi­lidade pelas consequênc­ias de todo o assunto.

É sabido que se se desmontar qualquer sistema de segurança de um país sem construir um novo, baseado nos poderes locais, que cobriria todo o país, o fracasso está assegurado. É bem possível que toda a ideia de “libertar” outras pessoas fosse errada e inviável desde o início, baseando-se apenas no poder estrangeir­o e erroneamen­te aconselhad­o pelos políticos locais, tentando viver à sombra da força da grande potência.

O que ficou para trás é óbvio na comunicaçã­o social. Esses países estão divididos, incapazes de funcionar como uma entidade, não há segurança. Assim, não há investimen­tos, não há democracia, há apenas o custo do equipament­o militar, dos salários dos soldados e dos seus treinadore­s estrangeir­os.

O conceito está, obviamente, errado.

As diferenças religiosas ou as diferenças no entendimen­to da religião são apenas uma ferramenta, muito útil, para dividir as sociedades, empurrá-las para pegar em armas e começar a atirar contra as outras pessoas.

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