A reforma das Forças Armadas e os equívocos (?) da promulgação
Com a recente promulgação, pelo Presidente da República (PR), dos diplomas que alteraram as Leis de Defesa Nacional (LDN) e da Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), consumou-se um processo legislativo por parte do governo, iniciado pelo MDN, em estreita parceria com o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) que, na sua essência, veio materializar um acentuado reforço de competências deste último, traduzido num substancial prejuízo das responsabilidades e das competências dos Chefes de Estado- Maior (CEM) dos Ramos das Forças Armadas.
De uma penada, e ao arrepio das múltiplas intervenções públicas provenientes das mais variadas entidades civis e militares, que colocaram em questão não apenas a oportunidade das reformas contidas nos diplomas referidos, como também a sua utilidade e eficácia, a capacidade de intervenção dos CEM nos processos de comando e de decisão dos respetivos Ramos ficou seriamente abalada, com a sua ação de comando, inequivocamente, desvalorizada.
Deste modo, o equilíbrio e a coordenação entre o CEMGFA e os Comandantes dos Ramos terá ficado comprometida, de modo efetivo, podendo, mesmo, vir a pôr em causa a eficácia dos processos de planeamento e de emprego das Forças, bem como a otimização das capacidades do Sistema de Forças Nacional.
Como resultado direto da subalternização a que os CEM dos Ramos foram reduzidos, saíram reforçadas as condições para os processos de desvalorização das Forças Armadas e da sua menorização no âmbito público, daí resultando um forte esbatimento do seu caráter institucional, alargando, deste modo, o caminho para a sua total governamentalização.
Neste sentido, torna-se legítimo levantar algumas interrogações relativas à promulgação dos diplomas, agora, consumada:
1. Porventura, não terá ocorrido equívoco, ao não se terem tido em consideração as fortes reservas que todos os ex-CEMGFA e ex-CEM, com uma única exceção, desde o alvor da democracia, colocaram aos fundamentos da reforma proposta?
2. Igualmente, não terá sido equívoco, não se ter tido em linha de conta a posição das cerca de seiscentas entidades das mais diferentes áreas da sociedade civil, que subscreveram aquela posição?
3. Por acaso, não terá sido equívoco, não se ter atendido às fundadas críticas de dois ex-Presidentes da República, também eles comandantes supremos das Forças Armadas, no seu tempo, em dois mandatos sucessivos, aos pressupostos da reforma em questão?
4. Não terá, mesmo, havido equívoco quando parece não se terem pesado suficientemente os efeitos da lei sobre os princípios da unidade e da capacidade de comando no seio das Forças Armadas, a par da nefasta e indesejável interferência na ação dos estados-maiores dos respetivos Ramos?
5. Eventualmente, não terá sido equívoco, não se ter atendido à posição dos atuais CEM dos Ramos, quando, individualmente, apresentaram memorandos com dezenas de propostas de alterações ao formato inicial da lei, tendo sido as mesmas, na prática, totalmente ignoradas?
6. Finalmente, torna-se imperativo questionar se terá sido oportuna e importante a promulgação de uma lei, que ignora as reais necessidades das Forças Armadas, mantendo uma estratégia seguida pelo poder político, há demasiado tempo, ao evitar tratar as matérias que, verdadeiramente, importam ao cumprimento da sua missão.
A situação da pré falência do sistema de recrutamento, aliada à desagregação continuada do sistema de saúde militar e do Hospital das Forças Armadas, e as graves carências verificadas nos âmbitos da assistência na doença aos Militares (ADM) e do apoio social (IASFA), a par da progressiva desvalorização do sistema retributivo dos Militares deverão ser mais que suficientes para responder à questão colocada, e obrigam a uma reflexão aprofundada sobre os verdadeiros objetivos das reformas, agora, promulgadas.