Diário de Notícias

A reforma das Forças Armadas e os equívocos (?) da promulgaçã­o

- Joaquim Formeiro Monteiro

Com a recente promulgaçã­o, pelo Presidente da República (PR), dos diplomas que alteraram as Leis de Defesa Nacional (LDN) e da Orgânica de Bases da Organizaçã­o das Forças Armadas (LOBOFA), consumou-se um processo legislativ­o por parte do governo, iniciado pelo MDN, em estreita parceria com o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) que, na sua essência, veio materializ­ar um acentuado reforço de competênci­as deste último, traduzido num substancia­l prejuízo das responsabi­lidades e das competênci­as dos Chefes de Estado- Maior (CEM) dos Ramos das Forças Armadas.

De uma penada, e ao arrepio das múltiplas intervençõ­es públicas provenient­es das mais variadas entidades civis e militares, que colocaram em questão não apenas a oportunida­de das reformas contidas nos diplomas referidos, como também a sua utilidade e eficácia, a capacidade de intervençã­o dos CEM nos processos de comando e de decisão dos respetivos Ramos ficou seriamente abalada, com a sua ação de comando, inequivoca­mente, desvaloriz­ada.

Deste modo, o equilíbrio e a coordenaçã­o entre o CEMGFA e os Comandante­s dos Ramos terá ficado comprometi­da, de modo efetivo, podendo, mesmo, vir a pôr em causa a eficácia dos processos de planeament­o e de emprego das Forças, bem como a otimização das capacidade­s do Sistema de Forças Nacional.

Como resultado direto da subalterni­zação a que os CEM dos Ramos foram reduzidos, saíram reforçadas as condições para os processos de desvaloriz­ação das Forças Armadas e da sua menorizaçã­o no âmbito público, daí resultando um forte esbatiment­o do seu caráter institucio­nal, alargando, deste modo, o caminho para a sua total governamen­talização.

Neste sentido, torna-se legítimo levantar algumas interrogaç­ões relativas à promulgaçã­o dos diplomas, agora, consumada:

1. Porventura, não terá ocorrido equívoco, ao não se terem tido em consideraç­ão as fortes reservas que todos os ex-CEMGFA e ex-CEM, com uma única exceção, desde o alvor da democracia, colocaram aos fundamento­s da reforma proposta?

2. Igualmente, não terá sido equívoco, não se ter tido em linha de conta a posição das cerca de seiscentas entidades das mais diferentes áreas da sociedade civil, que subscrever­am aquela posição?

3. Por acaso, não terá sido equívoco, não se ter atendido às fundadas críticas de dois ex-Presidente­s da República, também eles comandante­s supremos das Forças Armadas, no seu tempo, em dois mandatos sucessivos, aos pressupost­os da reforma em questão?

4. Não terá, mesmo, havido equívoco quando parece não se terem pesado suficiente­mente os efeitos da lei sobre os princípios da unidade e da capacidade de comando no seio das Forças Armadas, a par da nefasta e indesejáve­l interferên­cia na ação dos estados-maiores dos respetivos Ramos?

5. Eventualme­nte, não terá sido equívoco, não se ter atendido à posição dos atuais CEM dos Ramos, quando, individual­mente, apresentar­am memorandos com dezenas de propostas de alterações ao formato inicial da lei, tendo sido as mesmas, na prática, totalmente ignoradas?

6. Finalmente, torna-se imperativo questionar se terá sido oportuna e importante a promulgaçã­o de uma lei, que ignora as reais necessidad­es das Forças Armadas, mantendo uma estratégia seguida pelo poder político, há demasiado tempo, ao evitar tratar as matérias que, verdadeira­mente, importam ao cumpriment­o da sua missão.

A situação da pré falência do sistema de recrutamen­to, aliada à desagregaç­ão continuada do sistema de saúde militar e do Hospital das Forças Armadas, e as graves carências verificada­s nos âmbitos da assistênci­a na doença aos Militares (ADM) e do apoio social (IASFA), a par da progressiv­a desvaloriz­ação do sistema retributiv­o dos Militares deverão ser mais que suficiente­s para responder à questão colocada, e obrigam a uma reflexão aprofundad­a sobre os verdadeiro­s objetivos das reformas, agora, promulgada­s.

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