É urgente tirar a vacina do umbigo
Mais de 50% na América do Norte e na maioria da Europa, mais de 40% na América do Sul e na maior parte dos países da Ásia e da Oceânia, com mais de mil milhões de doses administradas só na China. São números que se juntam para chegar a um impressionante total de perto de 5 mil milhões de vacinas dadas no mundo inteiro, em pouco mais de oito meses, numa campanha sem precedentes pela proteção da população contra o novo coronavírus.
A rapidez da solução, a coordenação de esforços científicos para lá chegar e para assegurar a produção em massa de tal forma que chegámos a agosto com um quarto da população mundial totalmente imunizada e um terço já com pelo menos uma dose tomada são de louvar. Mas, aqui chegados, parece que já esquecemos o essencial: que é apenas trabalhando juntos que podemos acabar com as limitações que o novo coronavírus veio impor ao mundo inteiro.
A verdade é que, enquanto cantamos vitória no Ocidente, a realidade nos países menos desenvolvidos é bem diferente. Entre os mais pobres – incluindo um continente africano onde vivem mais de 1,2 mil milhões de pessoas –, a média dos que têm uma dose da vacina anticovid tomada não chega sequer a 1,5%.
Incrivelmente, nada que faça perder o sono a quem já pondera, discute ou avança mesmo para a decisão de aplicar uma terceira dose aos seus cidadãos, de forma a reforçar o seu nível de proteção antes do inverno.
Não é a primeira vez que estes momentos de fraqueza individualista nos atacam desde que a covid chegou – não passou assim tanto tempo desde que os então salvíficos ventiladores eram negados a quem deles precisava urgentemente pela simples possibilidade de os países que os tinham virem a ter de os usar. Não estão esquecidos os dias em que havia proibições sobre as exportações de máscaras. E quanto à vacina, a solidariedade para com os que só com ajuda conseguem a ela ter acesso só começou (e sem grande entusiasmo) depois de atingidos níveis descansativos de vacinados nos países mais ricos.
Se não pela solidariedade, ao menos pelo sentido prático podíamos chegar sozinhos à conclusão óbvia de que enquanto a covid puder andar sem barreiras em alguma parte do mundo, o vírus continuará a espalhar-se e a modificar-se, ameaçando a todos.
E que os mais pobres precisam de toda a ajuda possível.
É o que nos diz a história. Até a mais atual. Em 2019, foi reportado o maior número de casos de sarampo dos últimos 23 anos, com as mortes a aumentar em 50%. Foram mais de 207 mil vítimas mortais em todo o mundo num único ano, a esmagadora maioria crianças. A razão de tamanha mortandade com uma doença que Portugal conseguira erradicar em 2016? A taxa de cobertura vacinal total caiu nos últimos anos – entre as crises que tiraram gás às campanhas de imunização em África e nos países asiáticos mais pobres e um ressurgimento na Europa, fruto de movimentos antivacinação – para pouco mais de 70%. Longe dos 95% necessários para controlar o sarampo.