Patrões divididos sobre vacinação obrigatória para novos empregos
Testagem nos locais de trabalho reúne consenso de especialistas em direito laboral quando está em causa a saúde pública. Sindicatos recusam alargamento das regras.
Mais de 70% da população portuguesa já está vacinada contra a covid-19 e o teletrabalho deixou de ser obrigatório. Mas quem não foi vacinado ou não tem teste negativo deve aceder ao posto no emprego? Patrões e sindicatos estão divididos; os advogados concordam que o impasse laboral só pode ser resolvido pelo governo, com aprovação da Assembleia da República.
Portugal não impôs, para já, a vacinação obrigatória. Pelo contrário, só na Europa, França, Grécia, Itália e Reino Unido foram alguns dos países que já decretaram a imunização para os trabalhadores da área da saúde.
Do lado dos patrões, todos reconhecem que não se pode impor a vacinação para os funcionários atualmente nas empresas, porque “não é obrigatória mas apenas recomendada”, lembra Francisco Calheiros.
“Com a legislação em vigor, as empresas não podem impedir o regresso ao escritório dos trabalhadores que não se queiram vacinar ou que ainda não tenham a vacinação completa, nem tão-pouco tais circunstâncias podem limitar as admissões para novos postos de trabalho”, completa o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP).
O líder da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, nota que a imunização “tende a reduzir o desenvolvimento de doença grave”, com “implicações positivas numa potencial redução do absentismo laboral”, que penaliza empresas e o Estado.
A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) entende: “Tendo em conta o já elevado nível de vacinação da população portuguesa e o facto de haver relativamente poucas situações de contágio em meio laboral, consideramos que não será necessário, pelo menos para já, adotar processos de vacinação obrigatória.”
A CCP, contudo, admite que, “eventualmente, poderá considerar-se a vacinação obrigatória como alternativa à imposição de horários desfasados e teletrabalho obrigatório em contextos em que a situação pandémica o exija”.
Para Luís Miguel Ribeiro seria “razoável admitir” a possibilidade de limitar a admissão de novos postos de trabalho a quem tiver a vacinação completa. “Corresponderia a estabelecer um dever cívico em contexto laboral.”
Sindicatos contestam
As confederações sindicais, pelo contrário, não querem ouvir falar de obrigações de inoculação e de vacinação.
“Não existe qualquer fundamento legal para que as entidades empregadoras restrinjam o acesso aos locais de trabalho apenas aos trabalhadores com a vacinação completa, sem prejuízo de entendermos que é positivo que as empresas desenvolvam, no âmbito dos seus serviços de segurança e saúde no trabalho, campanhas de informação aconselhando os trabalhadores a optarem pela vacinação”, defende fonte oficial da CGTP.
“Não é admissível uma discriminação à população. Apenas partilhamos que deve haver uma maior sensibilização para a vacinação”, considera Dina Carvalho, secretária-geral adjunta da UGT.
Sobre a testagem obrigatória, a CGTP escuda-se na legislação atual, que define a realização de testes de diagnóstico para profissionais de saúde, centros educativos, estabelecimentos profissionais e escolas e universidades. A responsável da UGT entende que a empresa deve pagar pela realização de testes de diagnóstico, em contexto de medicina do trabalho.
O que diz a lei?
A indefinição sobre vacinação e testagem das empresas tem “potencial de gerar litigância legal a partir de setembro”, entende Pedro da Quitéria Faria. “A vacinação obrigatória para acesso ao local de trabalho tem de passar pela Assembleia da República, sob proposta de lei do governo, entende o especialista em direito laboral e sócio da Antas da Cunha Ecija.
Nuno Cerejeira Namora defende que “numa situação de grave risco para a saúde pública” será “possível impor a vacinação obrigatória dos profissionais de saúde, de lares e de estabelecimentos de apoio a idosos ou atividades conexas”.
Sobre os testes, Quitéria Faria recorda o artigo 19.º do Código do Trabalho: “Quando há particulares exigências na atividade, desde que fundamentadas, pode haver a possibilidade de testes impostos às empresas”, com o tratamento da informação “no contexto da medicina do trabalho”.
Cerejeira Namora nota que “poderá ser imposta a realização de testes à covid-19”, considerando “existir um circunstancialismo pandémico de exceção”. Aqui, os testes “teriam como desiderato a proteção do trabalho e dos colegas e terceiros”.
A nível partidário, o PCP entende como “inaceitáveis disposições que restrinjam direitos e, especialmente, o direito ao emprego em função de critérios de certificação de vacinação”.
Tal exigência, diz o partido, seria “contraditória” num quadro em que o aumento da população vacinada “assegura um nível de proteção que em momentos anteriores não existia e em que tal não foi exigido”.
O DN/Dinheiro Vivo ficou sem resposta dos restantes grupos parlamentares e da Confederação Empresarial de Portugal. O Ministério da Saúde também não respondeu.