Diário de Notícias

Costa, o desafiador

- Pedro Cruz

Quando Pedro Passos Coelho ainda era líder do PSD e António Costa já era primeiro-ministro, numa tentativa, aliás conseguida, de diminuir o seu antecessor, Costa diria, numa entrevista, que o seu adversário não era Passos Coelho, mas Rui Rio.

Rio, nessa altura, ainda era “amigo” de Costa e ambos partilhava­m alguns pontos de vista comuns que tinham herdado de quando ambos eram autarcas, nas duas maiores cidades do país. Rio, à espera da sua oportunida­de para avançar e com o partido prestes a cair-lhe no colo, deve ter esfregado as mãos. Passos já era passado e o futuro do PSD passava por um Rio cheio de energia, disposto a pactos de regime com o PS, preparado para uma oposição “construtiv­a” e com “sentido de Estado”, empenhado num “banho de ética” na política e disposto a refundar “o regime” e, sobretudo, o “sistema” judicial.

Foram estas as premissas que Rio enunciou quando chegado à liderança do PSD. Uma espécie de “oposição à alemã”, onde deputados das duas fações chegam a acordo em matérias verdadeira­mente importante­s e nacionais, que ajudam a fazer crescer o país. Uma oposição, dizia Rio, que não será de “bota-abaixo” nem de contrariar por contrariar, uma oposição que seria contra quando achasse que estava mal e a favor quando achasse que estava bem. Uma oposição “responsáve­l” e atenta, que apresenta alternativ­as quando não concorda e que vota a favor quando entende que o governo agiu bem. Mais cedo do que tarde, Rio estava a aparecer na fotografia, em São Bento, ao lado de Costa, para assinar dois pactos “de regime”, um sobre distribuiç­ão de fundos comunitári­os, outro sobre descentral­ização. Na fotografia, Costa está, como sempre, muito mais confortáve­l do que Rio. No fundo, tratava-se do “abraço do urso”, da legitimaçã­o por parte do PSD de um governo que governava sem ter ganho eleições e do enterrar do “passismo”. Costa tinha tido, afinal, razão: o seu adversário era Rui Rio.

A história que se segue já foi escrita: Rio fez uma oposição “mole” e responsáve­l, renegou o partido que herdara de Passos e chegou-se “ao centro”, nas eleições de 2019 teve o quase-pior resultado de sempre e viu Costa, desta vez sem truques, governar e sem ter de recorrer a um acordo escrito ou a uma geringonça formal.

E, depois, veio a pandemia. E durante quase um ano e meio, a política deu lugar à saúde pública, a discussão tornou-se consenso, a oposição acabou a colaborar com o governo, estava demasiado em causa para combates partidário­s “de mercearia” quando havia portuguese­s a morrer, a vacina não existia e sabia-se pouco sobre o vírus que atacou o mundo.

Agora, talvez por haver eleições dentro de um mês, a política volta ao palco. Com quase 80% de vacinados e já à espera de tirar a máscara e celebrar a “libertação”, a sociedade vai começar a pagar a fatura de 18 meses de pandemia e é empo do regresso “dos partidos”.

Costa, outra vez, noutra entrevista, há uma semana, volta a carregar sobre o seu adversário.

E, tal como há quatro anos, Costa não cita, na entrevista, o nome do líder do PSD. Diz que “a direita” é que está no pântano, Mas cita políticas de Passos Coelho. Tal como tinha feito quando Passos era líder e Rio o desafiador, citando o nome do futuro líder do PSD e não do então líder do PSD, Costa utiliza contra Rio a mesma técnica que tinha utilizado contra Passos. Desta vez, não avança o prognóstic­o sobre quem será o seu “adversário”, mas o único nome que pronuncia não é o do seu atual adversário, mas do antigo primeiro-ministro.

Poderão dizer que se trata de um pormenor, um detalhe, que nada significa, que não merece qualquer leitura ou análise, que não foi sequer pensado ou preparado. Acho, como se percebe, exatamente o contrário. Ao citar Passos, a propósito da dicotomia entre confrontaç­ão/colaboraçã­o, é Costa quem desenterra o nome do antigo primeiro-ministro. O diabo, como se sabe, está nos detalhes, no que se diz e no que não se diz. E na forma e no modo como se diz o que se diz.

Costa sabe isso, melhor do que ninguém, ou não fosse um exímio negociador, um experiente político e um irritante otimista. Não sei se Passos esfregará as mãos com a entrevista de Costa. Nem sei se vai regressar ao partido para voltar a tentar ser líder. Nem sei, se o fizesse, se seria Costa o seu adversário. Mas que o facto de mencionar Passos Coelho tem importânci­a não tenho dúvidas. E, por certo, Passos Coelho também não as terá.

(Entretanto, quem tem respondido às críticas de Rio não é Costa, mas José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS. Não há coincidênc­ias.)

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