Uma poeta afegã
“Uma mulher afegã geme e canta, geme e canta: Assim o farei!” (Nadia Anjuman)
Sopra uma brisa nova sobre a estação do meu fim Nadia Anjuman (Herat ,1980-2005)
Aos 16 anos, a afegã Nadia Anjuman quis estudar literatura. O esplendor da poesia persa deslumbrava-a, as palavras vinham ter com ela trazendo músicas que o seu ouvido acolhia e amava e era por essas palavras que ela queria fazer durar a sua vida.
Proibidos que estavam pelos talibãs quaisquer estudos superiores para as mulheres, Nadia e as suas amigas inscreveram-se num curso de costura, esse sim considerado próprio para o seu sexo. Mas este pretenso curso de costura (com o nome pomposo de “Agulha Dourada”) era na realidade a cobertura para um curso clandestino de literatura, que três vezes por semana era ministrado pelos professores da universidade de Herat. As jovens levavam os seus irmãos mais novos, que ficavam a brincar fora, prontos para dar o alerta se alguém se aproximasse – nesse caso, escondiam-se os livros e mostravam-se agulhas e linhas.
Durante cinco anos, Nadia continuou a estudar a poesia persa e começou a escrever os seus próprios poemas, orientada por aqueles professores, que corriam risco de morte com as suas lições. É assim que as palavras da poesia e as tarefas do conhecimento perduram, no meio da barbárie e do horror. Com a coragem de um grupo de professores e alunas lendo às escondidas os poemas clássicos de Hafiz e os modernos de Forough Farrokhzad, o melhor do que é humano conseguia sobreviver ao terror.
Em 2001, com a queda do regime talibã, Nadia, agora com 21 anos, foi autorizada a inscrever-se oficialmente na universidade e terminou o curso logo um ano depois, com toda a formação que adquirira na clandestinidade. Publicou o seu primeiro livro de poemas (Flor Escurecida), casou-se com um colega de faculdade e teve um filho.
Mas as coisas não corriam tão bem como pareciam: de acordo com as informações de que dispomos, o marido, licenciado em Literatura e bibliotecário da faculdade, considerava a obra poética da mulher inconveniente e prejudicial para a sua reputação. Não obstante, Nadia, contrariando a pressão familiar, continuava a escrever e a publicar poesia, pois as palavras e a sua música continuavam a levá-la longe e ela não as podia trair.
O seu segundo livro é publicado em 2006, já depois da sua morte. É uma poesia de um desespero manso, de uma desilusão que não grita para não estilhaçar as possibilidades de beleza que o mundo recusa, mas que nos interpela com mais força, pela violência do silêncio.
De acordo com o testemunho do marido, em 4 de novembro de 2005, o casal teve uma discussão violenta, por se recusar o marido a deixar Nadia sair para visitar amigos e família, por ocasião da festa do Id. Depois de sofrer violentas agressões, Nadia teria ingerido veneno, de sua livre vontade, segundo o marido agressor. Não acreditando nesta versão, as autoridades prenderam o marido e a sogra de Nadia e acusaram-nos de homicídio. Foram posteriormente condenados no tribunal de primeira instância.
A continuação do processo judicial veio a culminar, porém, numa sentença favorável ao bibliotecário da universidade de Herat: um tribunal superior considerou provado o suicídio de Nadia (embora tenha sido impedida a autópsia...) e mandou libertar o marido agressor, que pôde assim continuar a cuidar dos livros da biblioteca universitária e a educar o filho nos bons preceitos morais da sua família, até aos dias de hoje.
A fonte desta narrativa é o livro Load Poems like Guns:Women’s Poetry from Herat, Afghanistan (Holy Cow Press, Minnesota, 2015) e a história de Nadia teve ampla cobertura na imprensa da época. Uma mulher afegã geme e canta, geme e canta:
Assim o farei!
(Nadia Anjuman)