Iniciativa Liberal insiste em levar Lei de Bases da Proteção Civil ao Constitucional
Partido contesta decisão da Provedoria de Justiça, que decidiu não enviar para o Tribunal Constitucional as limitações à circulação decretadas pelo governo fora do estado de emergência.
AIniciativa Liberal diz-se “estupefacta” com a decisão da Provedoria de Justiça de não enviar para apreciação do Tribunal Constitucional (TC) as limitações à circulação decretadas pelo governo fora do estado de emergência. E acusa quer a provedoria quer o Presidente da República e o próprio TC de se terem demitido da sua função de fiscalizadores.
Depois de ter visto negado o envio para o Constitucional da resolução do Conselho de Ministros que impôs a proibição de entrada e saída na Área Metropolitana de Lisboa, bem como o recolher obrigatório entre as 23h00 e as 05h00, o partido insiste e volta a pedir à procuradora de Justiça que envie a Lei de Bases da Proteção Civil – que deu enquadramento legal àquelas restrições – para análise dos juízes do Palácio Ratton.
Numa nota em reação à decisão do organismo liderado por Maria Lúcia Amaral, a IL contesta o principal argumento invocado pela Provedoria de Justiça para não pedir a fiscalização sucessiva daquelas medidas – o facto de elas já não estarem em vigor e de o Tribunal Constitucional ser “muito avesso a pronunciar-se após a respetiva revogação”. Para a IL este é um argumento inaceitável, que deixa “a porta escancarada para que um governo possa estar acima do Estado de direito”. Se o TC “se recusasse sempre a apreciar medidas já revogadas, então, no limite, bastaria as restrições constarem sempre de diplomas vigentes de poucos dias, não possuindo assim carácter permanente”, para que fugissem a qualquer escrutínio constitucional, argumenta a IL. “Se tal prática se tornar comum, passaremos a ter um poder político em Portugal completamente acima da Constituição”, acrescenta a nota, subscrita pelo fundador e candidato do partido a Lisboa, Bruno Horta Soares.
O exemplo do TC espanhol
Em favor de que a questão temporal não pode ser um argumento válido para que as medidas não sejam sujeitas ao escrutínio do TC, a Iniciativa Liberal avança com o exemplo do Tribunal Constitucional espanhol que, tendo sido chamado a apreciar medidas já revogadas, não só se pronunciou sobre elas, como abordou diretamente esta questão: “Não constitui obstáculo ao pronunciamento deste tribunal o facto de as medidas objeto de recurso já não estarem em vigor.” “É doutrina deste tribunal que o recurso de inconstitucionalidade interposto contra regras de vigência temporal limitada não perde a sua finalidade pela circunstância de já ter decorrido o seu período de vigência”, escrevem os juízes do TC espanhol, concluindo que a solução contrária “implicaria abrir um inadmissível espaço de imunidade do poder face à Constituição”.
Fiscalizadores “demitiram-se” dessa função
“Há um princípio de responsabilização da atuação dos órgãos políticos que deve sempre ser assegurado”, defende a IL, sustentando que isso não tem acontecido em Portugal. O partido liderado por João Cotrim Figueiredo acusa o governo de ter violado as liberdades e os direitos dos portugueses, uma situação “ainda mais grave pelo facto de o senhor Presidente da República, pelo menos num certo período, e, agora, a Provedoria da Justiça, bem como o TC, se terem demitido de parte das suas funções de fiscalizadores, seja por ineficiência ou conveniência política”.
Face a este cenário, a IL pediu ontem, novamente, à provedoria que suscite a fiscalização da Lei de Bases da Proteção Civil, o diploma que tem dado enquadramento legal às restrições tomadas após o fim do estado de emergência.
O partido já tinha feito o mesmo pedido na queixa que apresentou no início de julho à Provedoria de Justiça , mas a resposta dada por esta entidade, assinada pela provedora adjunta, Teresa Anjinho, é omissa quanto a esta questão só se referindo expressamente à limitação de circulação imposta na Área Metropolitana de Lisboa. Além da questão de a medida já não estar em vigor, a procuradoria argumenta que os tribunais já tiveram “ocasião de se pronunciar” em sede de “procedimentos cautelares, não dirigindo qualquer censura a estas medidas, seja por razões orgânico-formais seja por razões substantivas”. A “favor da sua não desproporcionalidade fala, em especial, o grande número de exceções admitidas”, bem como a possibilidade de circulação mediante a apresentação de um teste negativo ou certificado digital de vacinação, refere ainda a resposta da provedoria. Uma referência a um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que se pronunciou sobre as restrições às entradas e saídas na área da Grande Lisboa, concluindo que a medida configura “uma restrição e não uma suspensão de direitos, liberdades e garantias fundamentais”.
Uma argumentação que o governo viria a repetir, para implementar a proibição de circulação na via pública entre as 23h00 e as 05h00, medida que muitos constitucionalistas apontaram como contrária à Lei Fundamental. Na queixa feita em julho, a IL pediu também a fiscalização sucessiva desta medida, um ponto que a missiva da provedoria deixa sem resposta concreta, o que deixa claro que também esta questão não seguirá para o TC.
Quanto à Lei de Bases da Proteção Civil, Bruno Horta e Costa diz lamentar que a provedoria tenha “preferido ignorar uma queixa legítima”. E insiste que “embora a Lei de Bases da Proteção Civil já esteja em vigor há anos, tal não se deve confundir com uma presunção substantiva da constitucionalidade da mesma”.
IL invoca exemplo do TC espanhol, que sustentou que o facto de as medidas já não estarem em vigor não pode ser um obstáculo à sua apreciação.