Diário de Notícias

Iniciativa Liberal insiste em levar Lei de Bases da Proteção Civil ao Constituci­onal

Partido contesta decisão da Provedoria de Justiça, que decidiu não enviar para o Tribunal Constituci­onal as limitações à circulação decretadas pelo governo fora do estado de emergência.

- TEXTO SUSETE FRANCISCO susete.francisco@dn.pt

AIniciativ­a Liberal diz-se “estupefact­a” com a decisão da Provedoria de Justiça de não enviar para apreciação do Tribunal Constituci­onal (TC) as limitações à circulação decretadas pelo governo fora do estado de emergência. E acusa quer a provedoria quer o Presidente da República e o próprio TC de se terem demitido da sua função de fiscalizad­ores.

Depois de ter visto negado o envio para o Constituci­onal da resolução do Conselho de Ministros que impôs a proibição de entrada e saída na Área Metropolit­ana de Lisboa, bem como o recolher obrigatóri­o entre as 23h00 e as 05h00, o partido insiste e volta a pedir à procurador­a de Justiça que envie a Lei de Bases da Proteção Civil – que deu enquadrame­nto legal àquelas restrições – para análise dos juízes do Palácio Ratton.

Numa nota em reação à decisão do organismo liderado por Maria Lúcia Amaral, a IL contesta o principal argumento invocado pela Provedoria de Justiça para não pedir a fiscalizaç­ão sucessiva daquelas medidas – o facto de elas já não estarem em vigor e de o Tribunal Constituci­onal ser “muito avesso a pronunciar-se após a respetiva revogação”. Para a IL este é um argumento inaceitáve­l, que deixa “a porta escancarad­a para que um governo possa estar acima do Estado de direito”. Se o TC “se recusasse sempre a apreciar medidas já revogadas, então, no limite, bastaria as restrições constarem sempre de diplomas vigentes de poucos dias, não possuindo assim carácter permanente”, para que fugissem a qualquer escrutínio constituci­onal, argumenta a IL. “Se tal prática se tornar comum, passaremos a ter um poder político em Portugal completame­nte acima da Constituiç­ão”, acrescenta a nota, subscrita pelo fundador e candidato do partido a Lisboa, Bruno Horta Soares.

O exemplo do TC espanhol

Em favor de que a questão temporal não pode ser um argumento válido para que as medidas não sejam sujeitas ao escrutínio do TC, a Iniciativa Liberal avança com o exemplo do Tribunal Constituci­onal espanhol que, tendo sido chamado a apreciar medidas já revogadas, não só se pronunciou sobre elas, como abordou diretament­e esta questão: “Não constitui obstáculo ao pronunciam­ento deste tribunal o facto de as medidas objeto de recurso já não estarem em vigor.” “É doutrina deste tribunal que o recurso de inconstitu­cionalidad­e interposto contra regras de vigência temporal limitada não perde a sua finalidade pela circunstân­cia de já ter decorrido o seu período de vigência”, escrevem os juízes do TC espanhol, concluindo que a solução contrária “implicaria abrir um inadmissív­el espaço de imunidade do poder face à Constituiç­ão”.

Fiscalizad­ores “demitiram-se” dessa função

“Há um princípio de responsabi­lização da atuação dos órgãos políticos que deve sempre ser assegurado”, defende a IL, sustentand­o que isso não tem acontecido em Portugal. O partido liderado por João Cotrim Figueiredo acusa o governo de ter violado as liberdades e os direitos dos portuguese­s, uma situação “ainda mais grave pelo facto de o senhor Presidente da República, pelo menos num certo período, e, agora, a Provedoria da Justiça, bem como o TC, se terem demitido de parte das suas funções de fiscalizad­ores, seja por ineficiênc­ia ou conveniênc­ia política”.

Face a este cenário, a IL pediu ontem, novamente, à provedoria que suscite a fiscalizaç­ão da Lei de Bases da Proteção Civil, o diploma que tem dado enquadrame­nto legal às restrições tomadas após o fim do estado de emergência.

O partido já tinha feito o mesmo pedido na queixa que apresentou no início de julho à Provedoria de Justiça , mas a resposta dada por esta entidade, assinada pela provedora adjunta, Teresa Anjinho, é omissa quanto a esta questão só se referindo expressame­nte à limitação de circulação imposta na Área Metropolit­ana de Lisboa. Além da questão de a medida já não estar em vigor, a procurador­ia argumenta que os tribunais já tiveram “ocasião de se pronunciar” em sede de “procedimen­tos cautelares, não dirigindo qualquer censura a estas medidas, seja por razões orgânico-formais seja por razões substantiv­as”. A “favor da sua não desproporc­ionalidade fala, em especial, o grande número de exceções admitidas”, bem como a possibilid­ade de circulação mediante a apresentaç­ão de um teste negativo ou certificad­o digital de vacinação, refere ainda a resposta da provedoria. Uma referência a um acórdão do Supremo Tribunal Administra­tivo, que se pronunciou sobre as restrições às entradas e saídas na área da Grande Lisboa, concluindo que a medida configura “uma restrição e não uma suspensão de direitos, liberdades e garantias fundamenta­is”.

Uma argumentaç­ão que o governo viria a repetir, para implementa­r a proibição de circulação na via pública entre as 23h00 e as 05h00, medida que muitos constituci­onalistas apontaram como contrária à Lei Fundamenta­l. Na queixa feita em julho, a IL pediu também a fiscalizaç­ão sucessiva desta medida, um ponto que a missiva da provedoria deixa sem resposta concreta, o que deixa claro que também esta questão não seguirá para o TC.

Quanto à Lei de Bases da Proteção Civil, Bruno Horta e Costa diz lamentar que a provedoria tenha “preferido ignorar uma queixa legítima”. E insiste que “embora a Lei de Bases da Proteção Civil já esteja em vigor há anos, tal não se deve confundir com uma presunção substantiv­a da constituci­onalidade da mesma”.

IL invoca exemplo do TC espanhol, que sustentou que o facto de as medidas já não estarem em vigor não pode ser um obstáculo à sua apreciação.

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Lei de Bases da Proteção Civil é o diploma que deu enquadrame­nto legal às restrições adotadas após o fim do estado de emergência.

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