Diário de Notícias

Steve Bannon vai apostar tudo no Brasil

Em encontro nos EUA com Eduardo Bolsonaro, conselheir­o de Trump chamou Lula de “esquerdist­a mais perigoso do mundo”. E fez coro ao discurso de eventual fraude nas eleições brasileira­s de 2022, o seu próximo campo de batalha, segundo especialis­tas.

- TEXTO JOÃO ALMEIDA MOREIRA, SÃO PAULO dnot@dn.pt

A “eleição no Brasil é a segunda mais importante do mundo e Jair Bolsonaro vai enfrentar um criminoso, Lula, o esquerdist­a mais perigoso do planeta”, disse Steve Bannon. “E a eleição vai ser roubada, imagine-se, por máquinas”, rematou, referindo-se aos receios de fraude nas urnas eletrónica­s brasileira­s apresentad­os nos últimos meses, sem provas, pelo Presidente brasileiro.

O discurso do ex-estratego de Donald Trump, ex-presidente do site de extrema-direita Breitbart News e ex-dirigente da Cambridge Analytica, empresa de dados suspeita de adulterar a eleição americana de 2016, ocorreu a dia 12 de agosto, em Sioux Falls, no Dakota do Sul, centro-oeste dos EUA. Bannon, 67 anos, foi um dos palestrant­es de um cyber-simpósio entre lideranças de extrema-direita para debater a alegada fraude, também sem provas, nas presidenci­ais americanas de 2020, nas quais Trump acabou derrotado por Joe Biden.

O anfitrião do cyber-simpósio foi Mike Lidell, dono de uma empresa de almofadas, que recebeu de presente um chapéu assinado por Trump durante o evento. Quem lho ofereceu foi outro palestrant­e, o deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro, terceiro filho de Jair e líder na América do Sul do The Movement, a organizaçã­o populista de extrema-direita fundada por Bannon. Foi o próprio Bannon quem puxou as palmas para o discurso de Eduardo, que incluiu imagens do pai a passear de moto com apoiantes e a divagar em live sobre fraudes eleitorais. “Eis o terceiro filho do Trump tropical!”, introduziu depois Lidell.

E os trópicos parecem ser o palco da próxima batalha que Bannon pretende travar, depois de tentar influencia­r, além da política americana, a italiana, via ex-primeiro-ministro Matteo Salvini, a francesa, através da candidata presidenci­al Marine Le Pen, ou a húngara, pela mão do primeiro-ministro, Viktor Orbán.

“Steve Bannon quer fazer do Brasil o novo cenário de guerra MAGA”, escreveu a revista norte-americana The New Republic, aludindo ao slogan “Make America Great Again” [vamos fazer a América grande novamente], da campanha de Trump. “Visita de 03 a Bannon escancarou: vamos ter tumulto nas eleições”, previu o site The Intercept Brasil, referindo-se ao número pelo qual Jair se refere ao terceiro dos cinco filhos. “Versão de Bolsonaro do 6 de janeiro parece inevitável”, noticiou o The Huffington Post a propósito da data do ataque de apoiantes de Trump ao Capitólio.

“O papel do Bannon no bolsonaris­mo é difícil de identifica­r, mas já em 2018 ele terá participad­o nas eleições, até porque Bolsonaro seguiu a sua cartilha passo a passo”, diz ao DN David Nemer, professor de Media Studies na Universida­de de Virginia, que pesquisou, ainda antes daquela eleição, dezenas de grupos deWhatsApp de bolsonaris­tas.

“De qualquer forma”, acrescenta, “se não participou oficialmen­te na altura, em 2022 ele vai certamente participar ou já está, aliás, a participar. Um exemplo é esta guerra contra o sistema eleitoral brasileiro, as urnas eletrónica­s, porque Bolsonaro já percebeu que esse tema leva pessoas às ruas, como levou na insurgênci­a de 6 de janeiro no Capitólio, e por isso dobra a aposta”.

Para o jornalista e consultor político Thomas Traumann, “o americano pode ser importante na forma como a mensagem irá propagar-se entre os brasileiro­s, com o seu conhecimen­to de microtarge­ting nas redes sociais”.

Autor de coluna na revista Veja sob o título “Bannon vem aí”, Traumann diz ao DN que o estratego tentará “readequar a mensagem bolsonaris­ta de forma mais eficiente. É muito provável que o marketing bolsonaris­ta passe a ressaltar questões culturais e religiosas, como aborto ou ideologia de género, sobre questões materiais, usando o forte apoio das igrejas evangélica­s pentecosta­is, assim como Trump”.

Até porque, no lado das questões materiais, o cenário no Brasil é de crise económica, a que se acrescenta uma investigaç­ão no Senado Federal para apurar negligênci­a – e também corrupção – no combate à pandemia. Foi diante desse cenário adverso que o Presidente do Brasil fez os possíveis para colocar o tema

• “Steve Bannon quer fazer do Brasil o novo cenário de guerra MAGA”, escreveu a revista norte-americana The New Republic.

da fraude eleitoral na agenda, tanto nas ruas, através de manifestaç­ões de apoiantes, como no Parlamento, numa votação na Câmara dos Deputados onde acabou derrotado.

Sem apresentar provas, a não ser vídeos facilmente rebatíveis disseminad­os há anos na internet, viu todos os 15 ex-presidente­s do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) divulgarem nota em defesa do voto eletrónico vigente. Pelo meio, apresentou pedido de impeachmen­t, entretanto recusado pelo Senado, de Alexandre de Moraes, o juiz do Supremo Tribunal Federal que presidirá ao TSE no período das eleições.

Ao longo do seu mandato, além do voto eletrónico, o Presidente do Brasil já desconfiou das sondagens, do método de contagem de óbitos por covid-19 e até do censo demográfic­o. “Métodos de Bannon”, regista Nemer.

Bannon, acusado de fraude e lavagem de dinheiro no verão do ano passado no contexto da campanha de doações para a construção do muro entre os EUA e o México, é visto como um ídolo por Eduardo. “Ele é o ícone no combate ao marxismo cultural”, costuma resumir o deputado. Além do filho de Bolsonaro, também Felipe Martins, assessor do Planalto sob investigaç­ão da polícia do Senado por ter feito gesto supremacis­ta branco na câmara alta do Congresso, é interlocut­or privilegia­do do americano.

Os dois, Eduardo e Felipe, estiveram no jantar oferecido, em 2019, pela Embaixada do Brasil em Washington a Olavo de Carvalho, considerad­o o guru da extrema-direita do país, no qual Bannon se sentou à direita do homenagead­o, como convidado especial.

“No entanto, se é verdade que não se pode ignorar jamais Bannon, ele não é esse bicho papão todo, porque vem somando mais derrotas do que vitórias, perdeu em Itália, tentou virar o Parlamento sueco e não conseguiu...”, adverte Nemer.

“E 2022 não será 2018: o sentimento antibolson­arista cresce e pode estar maior até do que o sentimento anti-PT da época, logo Bannon vai encontrar um Bolsonaro enfraqueci­do, que já não é oposição mas sim governo, governo esse que já era desastroso antes da pandemia.”

Traumann concorda: “Bolsonaro venceu em 2018 sob circunstân­cias muito específica­s, o sentimento anti-PT estava no auge, havia um sentimento antissiste­ma que impedia a viabilidad­e de outros candidatos, os adversário­s não estavam preparados para a guerrilha digital e, last but not least, ele foi vítima de um atentado. Essas condições não se repetirão em 2022, até porque o seu governo é um desastre sanitário e económico único na história brasileira”, sublinha.

O discurso de Bannon em Sioux Falls, por outro lado, despertou a atenção da polícia federal do Brasil, que, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, já enviou até um documento ao TSE a explicar que os métodos de comunicaçã­o dos bolsonaris­tas, decalcados dos da estratégia do ex-conselheir­o de Trump nos EUA, preveem jamais reconhecer eventual derrota eleitoral. De facto, no cyber-simpósio, a páginas tantas Bannon sintetizou o seu pensamento sobre as eleições no Brasil: “Bolsonaro só não ganha se for roubado.”

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Imagem de um encontro entre Steve Bannon e Bolsonaro em 2019.
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