Um congresso poucochinho
Com o país a aproximar-se do dia da libertação e com uma chuva de milhões anunciada para os próximos anos, seria de esperar que o congresso socialista deste fim de semana fosse vibrante, animado, positivo, a olhar para o futuro. Tanto mais que a oposição não tem demonstrado capacidade de derrotar o PS, o que permite a quem tem a responsabilidade de governar poupar energia, essencial para mobilizar o país para um combate em que não podemos voltar a falhar. Noutras circunstâncias, entender-se-ia o tempo perdido a fazer oposição à oposição, mas com o país a necessitar de uma liderança forte e empenhada, percebe-se mal uma reunião magna com um tabu que só se alimenta com a perspetiva de o poder usar a seu favor no tempo em que ele tiver de ser desfeito.
A António Costa terá fugido a boca para a verdade quando se dirigiu aos militantes pedindo-lhes que não desanimem – animado para fazer o que tem de ser feito é que o PS não se revelou neste congresso. Não foi por responsabilidade dos jornalistas que a história da sucessão esteve omnipresente nos relatos do primeiro dia de reunião. As vaidades que se passearam em Portimão, fingindo que o assunto não se colocava, contribuíram igualmente para fazer crescer a ideia de que António Costa, mais cedo do que tarde, terá de ser substituído. E se o congresso acabou mesmo por não discutir nada disso, mais incompreensível se torna que o tema tenha sido colocado na agenda.
Não é que este congresso tenha sido menos interessante do que todos os outros do PS ou dos outros partidos, mas ter sido mais do mesmo nas atuais circunstâncias, a um mês das autárquicas e com dois anos pela frente para governar e enfrentar de novo as urnas nas legislativas, confirma que os socialistas dão a vitória por adquirida e não se deixam motivar por uma hipótese de maioria absoluta que lhes parece impossível de alcançar. É essa falta de ambição partidária que joga contra os destinos do país, porque reduz o empenho em gerir com sabedoria a chuva de milhões que chegará da Europa. Com cheques chorudos, basta despejar dinheiro na economia para ganhar eleições, mas se nada de verdadeiramente estrutural for mudado, o país continuará a viver na corda bamba. Mais dia menos dia, teremos uma nova crise com as vítimas do costume.
Os socialistas saíram de Portimão com um comício final de António Costa carregado de novidades governativas, uma pequena bazuca de medidas sociais para seduzir a esquerda de quem continuam absolutamente necessitados para aprovar orçamentos. O PS deu uma demonstração de unidade conjuntural, expressa nas votações, que não constitui surpresa nenhuma, mas toda a gente sabe que a visão que os potenciais candidatos à sucessão têm para o futuro do partido difere como água para azeite – por exemplo, em relação ao diálogo com o Bloco. Dito de outra forma, aqueles quatro estiveram mais unidos quando foi preciso correr com António José Seguro da liderança do que estão agora.
Se o chefe máximo gasta parte da sua energia a pensar no que a vida lhe reserva, não pode pedir ao partido que se entusiasme com o que não lhe diz respeito. Todos lhe fazem juras de amor, mas os barões têm vida própria.
Com cheques chorudos, basta despejar dinheiro na economia para ganhar eleições, mas se nada de verdadeiramente estrutural for mudado, o país continuará a viver na corda bamba.