Chefe dos talibãs sai da sombra para fazer governo
O coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados defende respostas diferentes para quem vem do Afeganistão. Têm mais competências e são menos vulneráveis.
Líder da plataforma de apoio aos refugiados alerta: “Forma de ajudar os afegãos não deve prejudicar quem espera há anos”
Qual é o envolvimento do Plataforma de Apoio aos Refugiados [PAR] na ajuda aos afegãos?
Em articulação com o Alto-Comissariado, estamos a avaliar as disponibilidades de meios materiais e humanos para fazer o acolhimento. Há sempre um grau de imprevisibilidade e de urgência humanitária nestas situações, tal como acontece, por exemplo, com os barcos humanitários, e é nesse enquadramento que também estamos a lidar com a questão do Afeganistão. Como é que se processa?
Há uma fase de transição e que é feita em alojamentos de transição, em centros de acolhimento ou habitação familiar. Depois, deve haver um acompanhamento no sentido de dotar as pessoas de um conjunto de ferramentas e competências tendo em vista a sua autonomização. E é sempre realizado um diagnóstico, da saúde e saúde mental; competências e perfil profissional. Não será muito diferente do que fazemos com os refugiados vindos da Síria, através dos países de trânsito, Egito, Turquia ou Grécia. Calculamos que o perfil das pessoas do Afeganistão, pelo facto de estarem a trabalhar com as instâncias internacionais, seja de algum nível de formação e de educação, ainda sabemos pouco de quem vamos acolher.
Numa primeira fase, serão 166, colaboradores com as forças da NATO, UE e portuguesas, e as suas famílias. Essa formação poderá facilitar a integração no país? Tinham competências para prestar serviço nas zonas internacionais do Afeganistão, à partida, terão melhor preparação, desde logo competências linguísticas que facilitam muito o processo de integração. E vontade de permanecer no país.
Quem são as pessoas que Portugal tem recebido?
No Programa de Reinstalação, são pessoas que estão em campos de refugiados na Turquia e no Egito. Têm um perfil de vulnerabilidade muito mais grave e profundo e, muitas vezes, necessitam de um acompanhamento intenso, nomeadamente na área da saúde mental. Depois, há que ter em conta as suas expectativas em relação aos países de acolhimento que, por vezes, são pouco alinhadas com o que a realidade portuguesa pode oferecer. As pessoas que vêm nos barcos humanitários são profundamente focadas na sua integração. Estes dois grupos mais facilmente ficam em Portugal. Os que vieram da Grécia, no âmbito do Programa de Recolocação, em 2015, 2016, têm taxas de abandono do país na ordem dos 60%. Os que vieram da Reinstalação e dos barcos humanitários têm taxas muitíssimo baixas, na ordem dos 10%. Os perfis são diferentes e as estratégias de apoio têm de ser diferentes.
Estes afegãos irão usufruir dos mecanismos habituais de acolhimento?
Ainda não está definido. O que está definido são os apoios para as pessoas e instituições que acompanham as pessoas vindas através da Reinstalação e da Recolocação, ou equiparado (barcos humanitários).
Qual é o modelo de acolhimento que defende neste caso?
As respostas tradicionais já não eram suficientes. Continuamos a ter de dar resposta às pessoas dos barcos humanitários e os da Reinstalação, que estão há muitos anos em lista de espera. Nesta nova urgência, devem encontrar-se soluções adequadas. Se estas pessoas têm mais possibilidades de se autonomizarem, deve haver modalidades de apoio que não prejudiquem aquelas outras, para que não fiquem ainda mais tempo à espera. Compreendo que é responsabilidade do Estado português garantir a sua proteção, no entanto, não se pode substituir ao compromisso para acolher as outras pessoas.
Quantas pessoas são dos barcos humanitários?
Ainda nesta semana foram resgatadas 500 pessoas ao largo de Lampedusa e isso acontece todas as semanas no verão. Portugal tem, também, um acordo de acolhimento de menores não acompanhados que estão em campos na Grécia e para ex-menores não acompanhados, há tanto tempo à espera que atingiram a maioridade.
Neste momento, a PAR apoia quantos refugiados?
Estamos a acolher 127 pessoas, 111 já terminaram o programa de acolhimento [18 meses] mas continuam a ser acompanhadas.
Um estudo sobre o acolhimento de menores não acompanhados aponta a dificuldade de interação com a população portuguesa.
Temos de perceber que os refugiados por definição não têm um país de acolhimento e fizeram um processo de transição demasiado longo, não têm aqui laços sociais. No âmbito da PAR e do Serviço Jesuíta aos Refugiados [é o diretor-geral], tentamos promover essa interação, o que à partida não é garantido. As pessoas não dominam a língua, têm práticas culturais e religiosas diferentes da população, mas quando colocadas em momentos de interação não se fecham, antes pelo contrário. É normal que procurem primeiro as pessoas da sua rede de contactos, da sua língua e religião, também aconteceu com os emigrantes. A nossa experiência mostra que algum tempo depois ativam a rede de contactos.
Qual é a principal dificuldade para a integração?
A língua é uma barreira fortíssima. A aprendizagem do português tem múltiplos efeitos. As pessoas conseguem exprimir-se melhor, o que significa poderem ter melhores serviços e articularem-se mais facilmente com a sociedade em geral.
E a nível de reconhecimento das habilitações, melhorou?
Não, penso até que houve um recuo. O reconhecimento de habilitações é difícil, moroso e não há uma estratégia do Estado que o promova. Fizemos um levantamento dos médicos venezuelanos e luso-venezuelanos e constatámos que, quer do lado das universidades quer da Ordem do Médicos, em vez de agilizarem o processo, criaram maiores dificuldades. Temos muitos médicos formados na Venezuela que optam por ir para Espanha para reconhecimento do seu grau profissional, o que é um mau sintoma. E não há uma prática das empresas de empregar as pessoas de acordo com as competências que têm no país de origem. É verdade que vem de contextos laborais menos exigentes do que na Europa, mas há que encaminhá-las de acordo com as suas competências e as necessidades do mercado de trabalho em Portugal.
“O reconhecimento de habilitações é difícil, moroso e não há estratégia do Estado que o promova. Muitos médicos vindos da Venezuela vão para Espanha onde lhes reconhecem o grau profissional.”