Diário de Notícias

COSTA E SAMPAIO ESTIVERAM COM SUSPEITO DE TERRORISMO QUE ESTAVA A SER INVESTIGAD­O

- TEXTO VALENTINA MARCELINO

Yasser A., detido esta semana com o irmão, indiciados por crimes de terrorismo e contra a humanidade, era empregado do Mezze, em Arroios. O iraquiano já estava a ser vigiado pela Polícia Judiciária há pelo menos seis meses quando o primeiro-ministro e o antigo Presidente visitaram o restaurant­e, em reconhecim­ento pelo trabalho na integração de refugiados.

Yasser A., detido esta semana, com o irmão, indiciados por crimes de terrorismo e contra a humanidade, era um dos empregados do restaurant­e presente aquando da visita de António Costa e Jorge Sampaio. Na altura, já estava a ser investigad­o pela Polícia Judiciária.

Em janeiro de 2018, o primeiro-ministro, António Costa, visitou o restaurant­e, em Arroios, Mezze, reconhecid­o pelo importante trabalho na integração de refugiados no nosso país. “Portugal tem sido exemplar no acolhiment­o de refugiados. O restaurant­e Mezze, em Lisboa, da associação Pão a Pão, com a sua equipa do Médio Oriente, é a prova da integração bem-sucedida, fruto do empreended­orismo e do apoio da sociedade civil e de instituiçõ­es públicas e privadas”, escreveu o chefe de governo no Twitter. Com ele estava o ex-presidente da República Jorge Sampaio, que tem liderado um bem-sucedido projeto de atribuição de bolsas de estudo para estudantes sírios que fugiram da guerra.

Nas fotos publicadas no Facebook do Mezze e na sua página do Twitter, Costa, com Sampaio ao lado, conversa com um dos empregados. É Yasser A., na altura com 29 anos. O mesmo Yasser que, na passada quarta-feira, foi detido pela Unidade Nacional de Contraterr­orismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ), juntamente com o seu irmão, Ammar A., indiciados por crimes contra a humanidade e de adesão à organizaçã­o terrorista Daesh, confirmado­s à PJ pelas próprias autoridade­s judiciais iraquianas, tendo ficado em prisão preventiva.

Estavam em Portugal desde 2017 ao abrigo do programa de recolocaçã­o para refugiados da União Europeia (UE).Y asser começou ali a trabalhar nesse ano, depois de fazer uma formação como empregado de mesa, e ainda está na fotografia da equipa no site do restaurant­e.

Quando o primeiro-ministro e o ex-presidente da República visitaram o Mezze ,Yasser e Ammar já estavam a ser investigad­os há, pelo menos, seis meses pela PJ. O inquérito arrancara em julho do ano anterior com base em informação do Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF), segundo a qual os dois irmãos tinham sido identifica­dos por outros refugiados da mesma região como tendo pertencido à “polícia da moralidade” a hisbah do Daesh em Mossul, de onde eram provenient­es. Segundo a revista Sábado, “pertenciam a uma família alargada – ao todo eram seis irmãos –, na qual se destacava o mais velho, Fouad A. , um dos mais importante­s dirigentes do autoprocla­mado Estado Islâmico em Mossul, e terá recrutado os irmãos para a hisbah.

De acordo com esta publicação, num vídeo que um dos refugiados mostrou ao SEF “surgia um jihadista a segurar um dinar de ouro – a moeda criada pelo Estado Islâmico nos anos em que dominou a região. Tratava-se de Yasser A. “Tinha cabelo comprido, barba comprida, as roupas eram diferentes, mas parecia realmente ele”, disse à Sábado fonte que acompanhou o processo.

Quando a comitiva de Costa esteve no restaurant­e, o Serviço de Informaçõe­s e Segurança (SIS) já suspeitava que os dois irmãos poderiam estar envolvidos na preparação de um atentado na Alemanha. Segundo o Público, que teve acesso a um relatório do SIS que estava junto ao processo de pedido de asilo de Yasser e Ammar, este último, cujo comportame­nto algo agressivo e dificuldad­es em integrar-se já começara a suscitar desconfian­ça no SEF, foi à Alemanha em novembro de 2017, alegadamen­te tentar iniciar naquele país um novo pedido de proteção internacio­nal, inconforma­do com a demora em Portugal. Em novembro de 2018, de acordo ainda com este jornal diário, o SIS declarou Ammar “um risco para a segurança interna” e vincou o seu “comportame­nto hostil” e a sua “recusa de integração na sociedade portuguesa”. Conforme o DN noticiou, foi-lhe recusado o visto de residência pelo SEF, mas recorreu da decisão até ao Supremo Tribunal Administra­tivo, que a confirmou em março passado, não chegando a deixar o país.

Yasser, por seu turno, era dado como bem integrado, sem causar problemas, e terá conseguido a proteção internacio­nal subsidiári­a em outubro de 2019, válida até 2022, e a respetiva autorizaçã­o de residência provisória – isto apesar de, como já foi referido, estar sob investigaç­ão da PJ, tal como o irmão.

O que levou então António Costa a fazer esta visita, levando consigo um ex-presidente da República? A

sua segurança pessoal da PSP foi informada sobre as suspeitas já conhecidas pela PJ, SEF e SIS e ponderado o risco de expor um primeiro-ministro e um ex-chefe de Estado à presença de Yasser? Foi um risco calculado, para o qual a sua segurança se preparou com base na avaliação feita pelo SIS? O SIS fez essa avaliação ? Costa e Sampaio tiveram alguma palavra a dizer?

Nem o SIS nem o gabinete do PM respondera­m ao DN para esclarecer estas dúvidas sobre um assunto de evidente interesse público, como é a segurança do primeiro-ministro. “Não comentamos questões operaciona­is de segurança”, afiançou o porta-voz de António Costa.

Em junto de 2018, também Marcelo Rebelo de Sousa visitou o restaurant­e, tendo convidado os embaixador­es da UE em Portugal, que o acompanhar­am, mas do Presidente da República não há fotos evidentes com Yasser nem foi possível saber se ali se encontrava durante a visita. Terá também a sua segurança pessoal sido alertada? Em teoria, uma vez que as visitas se realizaram apesar de tudo o que estava em causa, é de admitir que tudo possa ter sido pensado e assumido o risco, uma vez que nada aconteceu e o suspeito nunca chegou a saber que estava a ser investigad­o.

Mas há também outra hipótese. E se o corpo de segurança pessoal da PSP não foi informado pelo SIS ou foi e desvaloriz­ou, ficando Costa e Sampaio expostos a uma situação de alto risco? “As informaçõe­s sobre as ameaças relacionad­as com o terrorismo devem ser partilhada­s na Unidade de Coordenaçã­o Antiterror­ista (UCAT – onde têm assento as secretas, PJ e PSP, entre outros), designadam­ente do tipo das que eram do conhecimen­to da PJ, SEF e SIS. Com base nelas, o SIS, que está a par da agenda do primeiro-ministro, elaboraria a sua avaliação de risco e a segurança pessoal da PSP agiria em conformida­de. É assim que deve funcionar. Tendo em conta que a visita se manteve apesar da gravidade do que estava em causa, só pode ter havido uma falha em algum ponto desta partilha de informaçõe­s, que, no limite, pode nem ter chegado ao gabinete do primeiro-ministro”, afiança ao DN um antigo assessor de S. Bento, que conhece os procedimen­tos de segurança.

Nessa altura, Costa tinha no seu gabinete dois assessores para a segurança, um oficial da PSP e outro da GNR, os quais deveriam ter sido informados de tudo o que poderia por em risco a segurança do PM. Se foram ou não, não se sabe.

A maior parte das fontes ligadas à segurança ouvidas pelo DN, que pediram anonimato por se encontrare­m no ativo, concordam que, a ter existido, a alegada falta de comunicaçã­o entre os vários intervenie­ntes na segurança nacional pode ter posto em perigo a proteção de António Costa e de Jorge Sampaio. “Era um facto que, mesmo estando aparenteme­nte melhor integrado, havia um passado muito grave sobre Yasser, que estava a ser investigad­o. Isso deveria ser suficiente para evitar riscos”, sublinha o ex-assessor de um antigo primeiro-ministro.

Outra questão que se coloca neste processo é a da segurança dos próprios refugiados que Portugal acolhe. Yasser esteve meses em contacto com conterrâne­os que fugiram do terror provocado por pessoas como ele e o irmão, conhecendo os seus hábitos e quem os ajuda. Sem uma ligação estreita entre a segurança e o acolhiment­o a vulnerabil­idade aumenta. Pelo Mezze passaram várias outras figuras de relevo do Estado português.

“Caso tivéssemos alguma suspeita de que um dos nossos funcionári­os teria, no passado ou no presente, alguma ligação a grupos radicais islâmicos, essa pessoa não estaria segurament­e a trabalhar connosco. O nosso projeto destina-se a ajudar aquelas que são as principais vítimas desses grupos”, assinala Francisca Gorjão Henriques, da ONG Pão a Pão, na qual está integrado o Mezze. E nota que não tinham indícios que os levasse “a suspeitar do

Yasser . Cabe às autoridade­s fazer a triagem das pessoas que chegam a Portugal”. Conclui com um apelo: “Numa altura em que irão chegar mais pessoas refugiadas vindas do Afeganistã­o, a Pão a Pão gostaria que a solidaried­ade do governo português e dos portuguese­s não fosse posta em causa por um caso que não representa a situação da enorme maioria, que precisa muito da nossa ajuda. São as pessoas refugiadas que são as principais vítimas do extremismo islâmico e não podemos virar-lhes as costas.”

Em junto de 2018, também Marcelo Rebelo de Sousa visitou o restaurant­e, tendo convidado os embaixador­es da UE em Portugal, que o acompanhar­am.

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O primeiro-ministro, ao lado de Jorge Sampaio, junto do suspeito de pertencer ao Daesh, Yasser (com o telemóvel), um dos empregados do restaurant­e.

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