China limita videojogos ao fim de semana, contra “influência de culturas alheias”
VIDEOJOGOS O regime chinês passa a limitar ainda mais o tempo que cada menor pode passar à frente da consola de vídeo. Tudo para evitar homens corrompidos por culturas alheias.
No espaço de dias, as autoridades chinesas apresentaram legislação e novas regras relativas ao digital, à televisão e aos jogos de vídeo, numa nova frente da guerra cultural e da reafirmação de princípios do regime comunista em reação a abusos de empresas em mercados desregulados, mas também para voltar a ganhar controlo exclusivo dos dados dos cidadãos.
À primeira vista, muitos pais preocupados com a adição dos filhos ao mundo dos videojogos poderão ser tentados a concordar com a limitação drástica imposta pelo Partido Comunista Chinês aos menores: a partir de agora, os petizes só podem jogar entre as 20h00 e as 21h00 às sextas-feiras, fins de semana e feriados. Nas férias podem jogar diariamente, mas restritos ao mesmo horário.
Esta manifestação da cultura jovem, que atravessa continentes, foi sempre vista com desconfiança por Pequim. Entre os anos 2000 e 2014 as consolas de vídeo foram um produto proibido, embora o sucesso da medida seja discutível.
“O vício do jogo afetou os estudos e a vida normal e muitos pais tornaram-se infelizes”, declarou a Administração Nacional de Imprensa. Mas será só a questão do vício do jogo, comparado também a “ópio espiritual”, que está em causa? Não parece. Como aponta a Foreign Policy, um autor de um blogue, Li Guangnam, foi alcandorado a voz do regime, com a republicação de um texto seu nos meios oficiais a defender uma “revolução profunda”. E que revolução é essa? “Os mercados de capitais deixarão de ser o paraíso para os capitalistas que querem enriquecer instantaneamente, os mercados culturais deixarão de ser o paraíso para as estrelas maricas e as notícias e a opinião pública deixarão de estar na posição de adoração da cultura ocidental”, propõe Li. O texto tem como alvo os Estados Unidos, tendo sugerido que aquele país está a travar uma guerra em vários setores contra o país, uma “guerra biológica”, numa referência às teorias da conspiração que a China pôs a circular sobre o facto de os militares norte-americanos serem os responsáveis pela origem da pandemia.
Por outro lado, à rivalidade com a potência norte-americana os meios de comunicação social chineses apontam para outra pista: a alegada crise de masculinidade, ligada tanto à cultura dos clubes de fãs como ao vício dos jogos de vídeo. Os rapazes são vistos como vulneráveis a estas influências e a tornarem-se fisicamente não conformes com o idealizado pelo Partido Comunista Chinês e o oposto da imagem do agora caído em desgraça Kris Wu, um cantor pop preso sob suspeita de violação.
Quem apanha por tabela é a indústria do jogo, que só no primeiro semestre do ano apresentou lucros de 16,9 mil milhões de euros.
Dias antes, a China anunciou novas regras para limitar o poder dos programas informáticos utilizados para orientar as escolhas dos consumidores do país. Inclui uma diretriz para que as aplicações não induzam “maus hábitos” em menores, além de não poderem deixá-los “viciados na internet”. Ao invés, devem “difundir ativamente a energia positiva” e “aderir aos valores correntes”.
As medidas fazem parte de uma campanha repressiva por parte de Pequim no setor da tecnologia e das apps. Os algoritmos não devem promover conteúdos “pondo em perigo a segurança nacional, perturbando a ordem económica e social ou infringindo os direitos e interesses legítimos de terceiros”, de acordo com as regras publicadas pela Administração do Ciberespaço da China.
Uma das queixas mais ouvidas dos consumidores chineses é a de que os preços dos mesmos produtos variam com base no perfil de cada internauta, algo que passa a estar proibido a partir de agora.
Tendo como alvo as grandes empresas tecnológicas que extraem dados pessoais, a China aprovou também uma lei sobre a privacidade destinada a impedir que as empresas recolham dados pessoais sensíveis. A legislação, comparada com a que está em vigor na Europa, obriga as entidades estatais e privadas que lidam com informações pessoais a reduzir a recolha de dados e a obter o consentimento do utilizador. “O novo regime de privacidade da China é um dos mais duros do mundo”, disse à AFP Kendra Schaefer, da consultora Trivium China, com sede em Pequim. “A China não está realmente a olhar para o curto prazo com esta lei.” Porém, o aparelho de segurança do Estado chinês manterá, como se esperava, o acesso a uma grande parte dos dados pessoais. Pequim há muito que é acusada de utilizar a tecnologia para acelerar a repressão na província de Xinjiang e noutros locais.
60 Minutos Os menores já estavam limitados a hora e meia diária de jogo. Agora só podem usufruir de uma hora às sextas-feiras, sábados, domingos e feriados e apenas entre as 20 e as 21 horas.