(In)segurança interna
Os alarmes soaram, os suspeitos foram postos sob vigilância, as autoridades coordenaram-se numa investigação cuidada e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras negarou residência por desconfiar das intenções e movimentações dos irmãos iraquianos que aqui se instalaram em 2017, disfarçados na chegada numa maré de refugiados.
Ao longo de quatro anos, os dois jovens viveram e trabalharam em pleno bairro de Arroios, em Lisboa, abraçando um emprego normal de dia e aparentemente dando azo a atividades bem mais obscuras quando em casa. No final de 2018, foram declarados “um risco para a segurança interna” e durante meses estiveram debaixo de olho da Polícia Judiciária, até estarem reunidos indícios e sinais mais do que suficientes para, na última semana, serem ambos detidos e ficarem em prisão preventiva por suspeita de crimes de terrorismo e contra a humanidade.
Desde que os movimentos radicais chegaram a este lado do Atlântico, com o ataque assinado pela Al-Qaeda em Madrid, a 11 de março de 2004, o jihadismo fez 624 mortes em Espanha, França, no Reino Unido, na Bélgica, na Alemanha.
Em Portugal, até hoje não há registo de vítimas mortais ou de atentados terroristas. No entanto, o caso dos dois irmãos iraquianos que foram detidos na semana passada não é de todo único por estas bandas. O que nunca tinha acontecido era o chefe do governo em funções, presidentes da República e outras destacadas figuras da sociedade portuguesa conviverem com suspeitos de terrorismo. Foram vários os casos de notáveis que passaram em visita ou para tomar refeições no Mezze, já que o restaurante é um exemplo na integração de migrantes, dando emprego, propósito e sentido de comunidade a quem aqui chega em absoluta solidão.
Estando os dois irmãos sob vigilância há meses, haveria tanta certeza de que nada fariam, de que não havia risco para as figuras de Estado que com eles estiveram na mesma sala? Não poderia um deles, cozinheiro, atacar num repente? Abriu-se ou não uma brecha na segurança interna? As autoridades envolvidas recusam responder. Mas custa pensar que não tivessem antecipado todas as possibilidades.
A verdade é que Portugal tem, até agora, escapado ao pior, e isso é graças a muitas ações promovidas em coordenação entre as nossas polícias e as autoridades europeias e internacionais que raramente chegam a ser de conhecimento público. Mas é também porque o nosso país – que está ainda entre os mais seguros do mundo – se revela, para os terroristas, uma boa porta de entrada na Europa.
De acordo com o relatório de 2021 da Europol, durante a pandemia os terroristas aproveitaram a inatividade de milhões de pessoas confinadas e a sua exposição digital para fazer propaganda e recrutar novos soldados para a sua guerra ao Ocidente. Aquela polícia internacional revela que, mesmo assim, em 2020 houve perto de 60 tentativas de ataques terroristas na União Europeia. Infelizmente, nem sempre se ficam nas estatísticas dos ensaios.