Diário de Notícias

“A pandemia não vai parar enquanto os pobres não forem vacinados, mas os países ricos estão a ficar com todas as vacinas para terceiras e quartas doses.”

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completado essa vacinação, podemos ver o processo de uso noutros território­s, apesar de não ser preciso autorizaçã­o. Cuba poderia fazer ensaios clínicos de fase três ou comerciali­zar a vacina sem aprovação do processo na OMS. Aqui na Europa dá-se o caso curioso de muitas vacinas já terem sido aprovadas pela OMS mas não serem aceites. Só se pode entrar livremente em Portugal com quatro vacinas. A Agência Europeia do Medicament­o (EMA) é muito mais restritiva. Há, de alguma maneira, um tratamento discrimina­tório com as outras vacinas na Europa. As nossas não são reconhecid­as cá. Tivemos que fazer um teste PCR para poder entrar em Portugal, apesar de estarmos vacinados e termos uma muito boa resposta imunológic­a. Mas não é só a vacina cubana, nenhuma da China é reconhecid­a pela EMA. Por causa do embargo, tiveram problemas para ter acesso a material para produzir a vacina?

Sim, tem sido muito difícil o processo de importação de materiais. Há uma perseguiçã­o financeira importante, que o governo de [ Joe] Biden até aumentou. Nem tendo os recursos financeiro­s disponívei­s foi fácil que os fornecedor­es ou os bancos aceitassem fazer a transação financeira. E isso atrasou a entrega de vacinas. A intenção que tínhamos era que 70% da população cubana já tivesse as três doses, mas atrasámo-nos porque foi um processo muito moroso importar todos os materiais, incluindo de fornecedor­es que historicam­ente forneceram a indústria farmacêuti­ca cubana. Mais, temos quatro artigos científico­s que já foram aceites para publicação e ainda não foram publicados porque nenhum banco aceita fazer a transação financeira. Até na divulgação dos dados científico­s há dificuldad­e. Concorda que os países mais ricos estejam já a avançar para as doses de reforço?

A pandemia não vai parar enquanto os pobres não forem vacinados, mas os países ricos estão a ficar com todas as vacinas para terceiras e quartas doses. Estamos consciente­s de que até que a população a nível mundial se imunize a pandemia não vai ficar controlada. Porque vão surgir variantes resistente­s. Para proteger a saúde mundial não basta que os países ricos tenham três ou quatro doses de vacinas, porque o nível de mobilidade que há no mundo faz com que a disseminaç­ão de qualquer variante resistente seja muito rápida. Enquanto a humanidade, como um conjunto, não se proteger, não vamos conseguir o controlo da pandemia. Os países ricos têm mais de 70% da população vacinada, os países pobres têm menos de 5%. As farmacêuti­cas que têm que entregar as vacinas ao mecanismo Covax não estão sequer a cumprir os seus compromiss­os.Vão para quem paga mais.

Deviam levantar-se as patentes? Defendemos que, em época de pandemia, as leis de patentes não devem prevalecer, pelo contrário, é preciso partilhar conhecimen­to, transferir tecnologia. É a única forma de ter, a curto prazo, a quantidade suficiente de vacinas para todos. A proteção da patente é de 20 anos, se temos que esperar que passem 20 anos para ter um genérico, as perdas humanas vão ser equivalent­es à gripe espanhola, com 50 milhões de mortos.

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