Diário de Notícias

CIGANOS USAM DISCIPLINA DE VOTO E DECIDEM QUEM VAI GANHAR ELEIÇÕES EM MOURA

Líder da coligação PSD/CDS/Aliança acredita que Chega vai “roubar” votos a todos os partidos. CDU admite influência de Ventura nas eleições e acusa-o de estar a usar Moura como trampolim político. PS diz que ignora. Comunidade cigana decide voto em breve.

- TEXTO ARTUR CASSIANO

Líder da coligação PSD/CDS/Aliança acredita que o Chega vai “roubar” votos a todos os partidos. CDU admite influência de Ventura no ato eleitoral e acusa-o de estar a usar o município como trampolim político. PS diz que ignora. Comunidade cigana decide voto em breve e em conjunto.

A “credito que sou capaz de conseguir ser eleito, tenho essa convicção, mas também sei que há outras forças políticas que nos podem roubar votos. O Chega vai tirar, disso não tenho dúvidas, votos à direita. Eles vão baralhar as contas aqui, a todos. Nós não conseguimo­s lista no Sobral da Adiça [freguesia onde André Ventura conseguiu nas eleições presidenci­ais, de 24 de janeiro deste ano, ser o candidato mais votado com 24,05%], mas eles também não. Agora, na Póvoa de São Miguel [Ventura também aqui foi o mais votado com 41,23% dos votos] é que é complicado. Mais uma vez, não conseguimo­s fazer uma lista. As pessoas que habitualme­nte aceitavam foram para a lista do Chega. E o mesmo se passou com o CDS. Olhe, não tenho dúvidas… vai provocar também estragos no PS e na CDU”. A convicção é do candidato da coligação PSD/ CDS/Aliança e líder do PSD em Moura.

Luís Salvador Acabado, que admite que o voto de protesto que aconteceu nas eleições presidenci­ais se possa repetir a 26 de setembro – “as pessoas desiludida­s com os socialista­s” –, pode ganhar ainda mais expressão na Assembleia Municipal. “O Ventura é lá candidato, e sim vai roubar votos a todos. É onde se prevê que todos percam votos para ele”. E na câmara? “As pessoas aqui, muitas vezes, votam noutros partidos quando querem tirar de lá o presidente da câmara.

Acontece com o PSD. Perdemos votos para a CDU ou para o PS porque as pessoas faziam o raciocínio de “como eles não conseguem ganhar vamos votar na CDU”, ou o contrário… votar no PS para tirar de lá os comunistas”.

“E isso, sabe... pode muito bem baralhar isto tudo. Nós, já lhe disse, provavelme­nte iremos perder votos para essa outra força política, mas os outros também não vão escapar a isso”, assegura o candidato social-democrata.

André Linhas Roxas, candidato da CDU, reduz o Chega a “mais um player nas eleições”. Somente isso? “Podemos ter um player que mude, altere as contas. Mas não consigo fazer previsões, não há um histórico que nos permita tirar conclusões. Prefiro olhar as coisas desta forma”. E o PSD? “Não é uma força a desprezar… já tiveram, há uns anos, um vereador”.

O candidato da CDU diz que em Moura “existem grandes oscilações entre eleições, oscilações entre CDU e PS, diferenças que se esbatem rapidament­e. Somos um concelho do interior com uma marca muito urbana, com tiques urbanos. Não somos um concelho tradiciona­l do interior, a população é muito exigente com os autarcas. Não existe uma partidariz­ação, as pessoas mudam de opção muito rapidament­e”.

Para André Linhas Roxas, é “claro que a presença de André Ventura [candidato do Chega à Assembleia Municipal], nestas eleições, vai ter influência. Não vale a negar, é o que é. Mas ele não está aqui por Moura, está a usar Moura como um trampolim para as suas ambições, para a sua agenda, não está preocupado com quem aqui vive. Até lhe digo, duvido que apareça por cá… ele nem sabe onde é que fica Moura”.

Álvaro Azedo, candidato socialista e atual presidente de câmara, não acredita “em votos de protesto, nem faço previsões. Só depois dos votos contados é que fazemos contas. É um partido que vai contar nas eleições? Vai… como todos os outros. Para mim o que é importante é sublinhar que não nos revemos nas ideias, nas atitudes… em nada do que defendem. É um partido de um homem só”. E candidatur­a de André Ventura à Assembleia Municipal? “Não me aquece nem arrefece, estamos cá para fazer a nossa obrigação”.

Cidália Figueira, candidata do Chega, tem um objetivo claro: “ganhar e de preferênci­a com maioria absoluta”. Maioria absoluta?, pergunto. É que há um histórico de PS e CDU, a direita sempre teve pouca expressão, insisto. “Claro, quero gerir a câmara. A história muda-se e eu quero fazer parte dela. As pessoas estão fartas de não verem nada feito, são sempre os mesmos. Moura estagnou, regrediu. Foram os 22 anos a trabalhar na câmara que me fizeram entrar no Chega... com a CDU nada evoluiu, e agora com o PS… estão a fazer obras por causa das eleições. É um marasmo. Moura precisa de mudança, de investimen­to, de criar postos de trabalho, fazer com que os jovens não saiam daqui”.

Uma comunidade que vale 10% dos votos

“Suspeito que seja assim e que possa ver verdade que o voto, por razões da própria comunidade, seja tal como lhe disseram que “onde vota um, votam todos”, mas nós, na CDU, olhamos todos de forma igual, não importa a comunidade. Já o PS usa-os para ganhar votos. Mas, sabe, existem outros tipos de comunidade­s importante­s: a classe média, por exemplo, que oscila entre PS e CDU, e que não estando partidariz­ada é, muitas vezes, decisiva nas eleições. E quando falo em classe média falo em termos económicos e sociais. Que os 10% da comunidade cigana são relevantes? Claro que sim. Agora, não podem ser desculpa para derrotas ou vitórias”, afirma André Linhas Roxas.

“Acho, espero que as pessoas saibam ver a diferença entre uma coisa e outra, que saibam separar os discursos políticos, porque o que nós temos aqui não é um problema com uma comunidade, seja ela qual for, o que nós temos aqui é um problema grave de habitação. Esse é que é o problema”, esclarece o candidato comunista.

Álvaro Azedo ri-se do argumento de que usa a comunidade cigana “para ganhar votos”.

“Olha que coisa! Francament­e. Eu, como todos os outros candidatos, andarei por todos os cantos e recantos a falar com as pessoas. Agora quem já andou, e várias vezes, nas comunidade­s ciganas é a CDU. Digo-lhe assim, de forma clara: não nos servimos de ninguém. E não deixarei de falar com que quer que seja”, completa.

Luís Salvador Acabado (PSD) considera que o voto da comunidade cigana “é um fator que vai ter algum peso” nestas eleições autárquica­s. “O receio do Chega pode levar, acredito que vá levar a uma transferên­cia de votos para outras forças políticas”. Quais? “Os partidos que eles entenderem que os defendem melhor, os com mais possibilid­ades de ganhar [PS e CDU]. E essa questão do voto em bloco, a maioria vota assim, pode, de facto, enfraquece­r ou fortalecer uma força política”.

Fonte local, conhecedor­a desta realidade, que prefere falar sob anonimato, por se estar num período eleitoral, afirma não ter dúvidas sobre este peso eleitoral. “Claro que tem… e basta fazer as contas. Nas últimas autárquica­s, a diferença de votos entre socialista­s e comunistas foi de 600 votos, mas nas anteriores foi de 22 votos. Ora, se dos 10% só 300 ou 400 forem votar já se vê o impacto. E depois não se esqueça do voto em bloco, onde vota um votam todos. Avaliam qual será o melhor candidato e votam nele”.

“E não é à toa que os partidos aqui ou não falam ou desvaloriz­am esta questão. Fazem campanha eleitoral próxima, mas não falam nada. Eles sabem que podem perder de um lado ou do outro; se valorizam muito a questão, perdem votos da população; se esquecem a comunidade cigana, perdem votos importante­s. Já o Chega diz tudo porque não tem nada a perder. Dou-lhe um exemplo: há muitas construçõe­s clandestin­as, mas todos fecham os olhos, empurram o problema com a barriga… quem vier por último que feche a porta”, afirma.

E vai o Chega “roubar” votos aos outros partidos? “Vai retirar a todos: PS, CDU e PSD. Não me surpreende­rá um voto de protesto. Nalgumas zonas a população olha para a forma como a câmara trata uns e outros. E isso conta. Ganhar a câmara não acredito que ganhem, até porque a candidata não tem experiênci­a política, mas já na Assembleia Municipal é outra conversa com a presença do André Ventura. Que as coisas têm evoluído? Sim… com o RSI [Rendimento Social de Inserção] e com os miúdos na escola já se notam diferenças, uma maior integração. É uma questão de gerações… entre os mais novos e os mais velhos”.

Um dos representa­ntes das várias comunidade­s ciganas de Moura, que prefere falar sem dar o nome e rosto, por as “coisas estarem muitas complicada­s por causa do Chega. Vamos aos cafés e ouvemos gente a dizer que assim que o André Ventura chegar isto muda tudo. Isso gera conflitos, percebe? E ninguém é de ferro”. E já decidiram o voto em bloco? “Ainda não… ainda vamos falar, reunir os 15 bairros, um representa­nte de cada e depois logo vemos em quem vamos votar. Escolher um em quem a gente possa confiar”.

Cidália Figueira, candidata do Chega, considera que “é o PS quem mais promete à comunidade cigana para obter votos. Há até quem diga que os vão buscar em carrinhas para irem votar. É preciso igualdade para todos e o PS dá-lhes regalias e subsídios”. Para obter votos? “Sem dúvida, claro. Sinto-me indignada, porque é que têm que ter mais direitos que nós?”.

A candidata defende que “direitos e deveres devem ser iguais para todos” e percebe a razão que leva os restantes partidos a desvaloriz­ar esta questão. “Porque não têm coragem. Não concordam com o que se passa, mas não têm coragem... porque lhes dá votos. Pergunto: será que eles [os ciganos] se querem integrar? Já viu algum nas filas às portas do centro de emprego? Agora frente à Segurança Social vê muitos”.

E a segurança? “Nunca senti problemas, até agora. Nesse aspeto Moura é uma cidade pacata, calma”.

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