Diário de Notícias

“MUITOS CARTAZES SÃO APROVEITAM­ENTO POLÍTICO E O ELEITOR NÃO É PARVO. TEMOS MAIS 200 QUEIXAS DO QUE HÁ QUATRO ANOS”

COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES REGISTOU 542 RECLAMAÇÕE­S DAS AUTÁRQUICA­S ATÉ FIM DE AGOSTO, AVANÇA O PORTA-VOZ.

- JOÃO TIAGO MACHADO

Acampanha oficial para as eleições autárquica­s arranca terça-feira. 308 Câmara Municipais, outras tantas assembleia­s e 3092 freguesias vão a votos. A máquina eleitoras é coordenada pelo Ministério da Administra­ção Interna, mas é a Comissão Nacional de Eleições (CNE) que tem “a competênci­a de controlar e garantir a igualdade de oportunida­des entre todas as forças concorrent­es”, afirma João Tiago Machado, o entrevista­do da semana.

Está tudo pronto para esta chamada às urnas? É uma rotina para a CNE ou cada eleição traz exigências diferentes?

Acaba por ser. As eleições autárquica­s são a rainha das eleições. São 308 concelhos, 3092 freguesias, quer dizer que na realidade nós temos 3400 eleições. Nas últimas [presidenci­ais] houve uma eleição. Um boletim de voto era igual do Corvo a Elvas. Aqui não, aqui há 3400 boletins de voto e toda essa máquina é diferente. Podemos é comparar estas eleições de 2021 com as autárquica­s de 2017 e de compararmo­s as de 2017 com as de 2013, também não há tudo igual, no meio houve ali alteração das freguesias. Já criou aí uma especifici­dade. Agora, temos a especifici­dade da pandemia. O que muda destas para as de 2017 é essa questão e também o impacto que tem algumas alterações legislativ­as, nomeadamen­te a de 2015, que já estava em vigor em 2017, mas um bocadinho desconheci­da e as pessoas não tinham ainda prática nela. E que agora está mais em força e daí ser o nosso recorde de pedidos de parecer e de queixas que tem a ver com a publicidad­e institucio­nal, nomeadamen­te a leitura da lei de 2015.

Não é possível decalcar o modelo?

Não, não podemos falar de um modelo decalcado, sobretudo numa coisa que as pessoas se começaram a habituar, e acho bom que continuem habituados, que é o voto antecipado. É uma máquina que ainda está a ser oleada, a primeira vez que existiu foi nas eleições do parlamento europeu, depois nas legislativ­as, e teve agora bastante impacto para as eleições do Presidente da República. E também se aplicou nas legislativ­as dos Açores em setembro de 2020. Está cada vez mais a aumentar e nestas eleições as pessoas sentem ‘eu dantes podia votar antecipada­mente uma semana antes e agora não posso. Houve um retrocesso na lei?’. Não, não houve. A lei sempre foi pensada nos termos em que esse é um modelo que é muito difícil aplicar nas eleições autárquica­s. Porquê? Porque temos 3400 boletins de voto. A máquina logística estaria envolvida de maneira totalmente diferente. Uma coisa é ter o mesmo ou 18 boletins de voto, quando é o caso das legislativ­as. Toda essa máquina era impossível montar… Enfim, não há impossívei­s, mas as pessoas teriam que se inscrever muito tempo antes.

Vamos falar da pandemia. No que toca às medidas de proteção de segurança, crê que a vacinação vai permitir aliviar certas medidas?

As medidas continuam as mesmas. Em novembro do ano passado, já após as eleições dos Açores e antes das presidenci­ais, saiu uma legislação específica para as eleições que decorresse­m em 2021. Foram previstas todas as situações em que a maior, a que teve mais impacto a nível de congestion­amento, foi a desmultipl­icação dos cadernos de eleitor. Isto quer dizer que enquanto uma mesa, dantes, estava receptiva para ter mil pessoas a irem lá votar, agora tem 750 pessoas. O que é que isto fez? Muitas pessoas que sempre votaram naquela escola ou naquela sala dos Bombeiros, de repente viram que foi criado um novo sítio para votar porque houve um aumento do número de mesas. Antigament­e tínhamos situações em que havia três mesas de voto por sala de aula e agora deixou de existir. Agora, no máximo, quando a sala o permite, são duas mesas por sala de aula.

Os idosos foram dos mais afetados pela pandemia, pelo que fomos ouvindo e noticiando. Como é que prevê que possamos chegar melhor e mais perto dos idosos em cada uma das autarquias. O que é que está previsto?

Falando dos idosos em lares e confinados, houve um aligeirar dessa máquina em que já não se exige que vá o presidente da câmara. A recolha dos votos já pode ser feita por uma equipa por ele nomeada. E reduziu-se o tempo para inscrição, quando as pessoas tinham de ter atestado em como estavam confinadas 10 dias antes e agora reduziu-se para 8. Claro que o ideal seria na véspera, e essa é uma crítica que se aponta ao sistema, mas é impossível. Os doentes internados – e vamos esquecer covid-19 e olhar para a situação que existe há décadas – podem votar. Inscrevem-se, o presidente da câmara vai recolher o voto, assim como os presos também podem se inscrever e é recolhido o voto no próprio estabeleci­mento prisional. Ora, uma pessoa que seja saudável até 20 de setembro, de repente é internado, e já sabe que vai sair só no dia 28, já não tem tempo para se inscrever.

E não poderia alterar-se a regra? Poder podia, mas temos que ver a máquina toda que é montada. Não se esqueça que, neste caso das autárquica­s, estamos a falar de uma pessoa que pode estar internada longe da sua freguesia. E o boletim de voto tem de ser o daquela freguesia. Enquanto não houver a desmateria­lização do papel – e não estou com isto a confundir com o

“As eleições autárquica­s são a rainha das eleições. Na realidade temos 3400 eleições. Nas últimas houve uma eleição. Um boletim de voto igual. Aqui 3400 boletins de voto e toda a máquina é diferente”.

voto eletrónico, há a existência de um papel que já vem produzido para ser preenchido pelo eleitor, mas poderia ser um papel que pudesse ser produzido na mesa, com cadernos eleitorais eletrónico­s. As mesas de voto aumentarão cerca de 35% em relação às últimas autárquica­s, números aproximado­s...

Em 2017 o número fechado foi 11 740 e agora estão previstos 15 900. E, por causa da pandemia, o horário das mesas de voto foi alargado: fecharão às 20.00 e não às 19.00. É uma alteração que deveria manter-se nas eleições futuras?

Estamos sempre a aprender e é ver como corre. O português é conhecido por deixar tudo para a última. Há muitas pessoas que saem de casa às 18.45 para ir votar e depois queixam-se que estão na fila. Também há muitas que se levantam de manhã e também estão na fila. Também não estou a culpar o eleitor, longe de mim.Veremos como corre. Deixe-me dar um passo atrás. Quem está confinado, por causa da covid-19, tem de inscrever-se entre os dias 16 e 19. Se ficar contagiado depois desse período, não poderá votar. Por que é que a CNE considera que houve falta de vontade política para garantir que todos os confinados pudessem votar?

Essa discussão foi minha, por isso posso justificá-la. Não é falta de vontade política, é (face à máquina que está montada) o máximo que se conseguiu chegar foi reduzir de 10 a 8 dias antes das eleições. Eram 10 nas presidenci­ais. Face à impossibil­idade logística, não houve vontade de mudar tudo. Disse que a limitação podia ser contornada com os cadernos eleitorais digitais. Seria a solução… Esse é um dos caminhos. Mais, o próprio boletim de voto ser impresso na mesa de voto. Imaginemos que não existe voto em mobilidade nas autárquica­s, mas se existisse, o que faria era: a freguesia Santa Maria dos Olivais em Tomar, teria que emitir e fazer chegar o seu boletim de voto a um assembleia de voto em Faro onde aquela pessoa disse que ia votar. Agora, se a assembleia de voto em Faro soubesse que aquela pessoa é de tal freguesia, assim, quando descarrega­sse o voto dele no caderno eletrónico, fosse ali produzido, impresso, um boletim de voto, ou os três boletins de voto respeitant­es à freguesia voto, aí tornar-se-iam as coisas mais fáceis.

É preciso uma espécie de Simplex para aplicar às eleições?

Sim, não sei se lhe chamaria um Simplex, mas… Quando se fala em modernizar as eleições, e para combater a abstenção, toda a gente vai ao chavão do voto eletrónico. E é a favor ou é contra esse voto eletrónico?

Eu não sou contra o voto electrónic­o, mas é preciso distinguir aqui o que é. O voto eletrónico no Brasil é eletrónico, mas as pessoas vão à assembleia de voto, à urna e, em vez do boletim, têm acesso a uma máquina onde colocam os códigos

As queixas referem-se a “quando uma câmara ou junta de freguesia utiliza linguagem publicitár­ia para promover a sua própria obra” .

dos candidatos. Consoante é presidenci­al são dois dígitos, para presidente da câmara são quatro... Muda o número de dígitos consoante a eleição. Vota ali eletronica­mente, é emitido um papel. De qualquer modo, vai à urna.

O que é que isto faz? Num país como o Brasil com 360 milhões de eleitores, 15 minutos depois de fechar a última urna, saem os resultados. Não os provisório­s, mas saem os resultados. Com o voto eletrónico dessa forma, como no Brasil existe, é garantido que é aquela pessoa que está ali a carregar nos botões e que ninguém lhe está a apontar uma arma à cabeça. Está a votar livre e consciente­mente.

Vamos falar de alunos. Quem estuda fora do concelho onde está recenseado pode pedir voto antecipado, quem estuda no estrangeir­o ao abrigo do programa Erasmus, também pode, mas os restantes alunos que estudam no estrangeir­o estão impedidos de votar. Isto faz algum sentido? Essa é uma lei que escapou das alterações que foram feitas. A lei não alterou isso e gera-se aí uma discussão de alguma injustiça, mas é o quadro legal que temos.

Temos que esperar por uma alteração desse quadro legal.

Sim, acho que sim. Aliás, nas propostas à alteração da lei, foi uma das nossas recomendaç­ões, mas não passou.

Nas autárquica­s, estrangeir­os residentes em Portugal podem votar para estas eleições, estão aptos para votação cerca de 28 000, números redondos, cerca de 13 000 da União Europeia, 15 000 de outros países. É um número que bate certo com aquelas que eram as expectativ­as da Comissão Nacional de Eleições (CNE)? Essa é uma questão que me ultrapassa em pleno. Ainda assim, fizemos campanhas de sensibiliz­ação junto das associaçõe­s que trabalham muito com emigrantes para os incentivar ao recenseame­nto até dia 30 de junho, salvo erro. Houve algum dinamismo para se promover mais essa participaç­ão, tanto ativa como passiva. Eu não tenho aqui os números anteriores, mas esses números estão a crescer, não estão? Sim.

Não tanto como se podia esperar. Quanto é que vai custar a organizaçã­o destas eleições? Entre material de voto, de proteção, os pagamentos aos membros das mesas... A CNE já tem uma ideia desse custo?

Mais uma vez, essa é uma questão da secretaria geral de Administra­ção Interna. Agora, o que eu lhe posso dizer é que só a nível dos números de mesa que houve pagamentos aos membros de mesa com base em 11 740 que foram há quatro anos, que foi mais ou menos 3 milhões de euros, pouco menos, agora deverão ser um pouco mais de 4 milhões.

Nas últimas semanas foram notícia várias queixas apresentad­as junto da CNE. Quase todas motivadas por cartazes colocados por presidente­s de câmara em exercício de funções e que são candidatos ao cargo, pelo que fomos visto, será assim? Tem ideia de quantas queixas foram apresentad­as? E são mais ou menos queixas do que nas últimas autárquica­s?

Nós temos publicado um relatório quinzenal com esse apanhado das queixas. O último relatório que temos são dados de 29 de agosto e posso-lhe dizer que foram 542 participaç­ões, portanto, já há 10 dias. Em acumulado até 29 de agosto?

Sim. Desde o dia em que se marcaram as eleições até agora, 29 de agosto. Se compararmo­s este número com as eleições de há quatro anos, em 2017, em que as eleições foram logo no início de outubro, temos mais 200 queixas. Tínhamos um número de 347 até 30 de agosto de 2017 e temos 542 até 29 de agosto de 2021.

Quase que duplica. O que leva a isso?

Antes era a questão da neutralida­de e imparciali­dade. A história de o presidente da junta, recandidat­o ou não, e que faz uma inauguraçã­o a puxar a brasa à sardinha do candidato ou da sua própria recandidat­ura. Era essa a mais comum. E agora temos, sem dúvida, o caso da publicidad­e institucio­nal, que é a aplicação em força da questão que falei no início desta nossa conversa, que é a aplicação da lei de 2015. Em 2017 estava tudo muito fresco, foi a primeira vez que isso se aplicou. Logo a seguir vem a neutralida­de e imparciali­dade. Não lhe vou dizer que estes 200 são só publicidad­e institucio­nal, mas tem aqui um enorme peso.

Para os leitores perceberem melhor, a que se refere quando fala de publicidad­e institucio­nal? Estamos a falar de quando uma câmara ou uma junta de freguesia utiliza linguagem publicitár­ia para promover a sua própria obra. Mas então as câmaras estão proibidas de comunicar com os munícipes, a CNE não deixa? Não é assim, é a lei que não deixa. E depois é a CNE que aplica essa lei e em todos os casos que os visados se queixaram ao Tribunal Constituci­onal, o Tribunal deu razão à CNE, com a excepção de um caso em que não foi totalmente confirmada a nossa decisão e que era sobre conteúdos de um perfil privado de Facebook. Pode-se fazer comunicaçã­o, mas é a comunicaçã­o que é urgente, necessária e objetiva.

Se percebi, a lei é suficiente­mente clara. Na maioria dos casos estaremos na presença de situação de mero aproveitam­ento político? Sim, sem dúvida. Uma coisa é uma pessoa dizer que esta via vai estar cortada por causa de obras para colocar novo saneamento básico. “Continuand­o a melhorar o saneamento básico do nosso concelho como andamos a fazer… Lamentamos o incómodo”. Isto já é uma linguagem… Eu acho que é fácil para as pessoas…

É quando entra o aproveitam­ento político...

E sobretudo a linguagem publicitár­ia. O eleitor não é parvo. Eu acho que se entende perfeitame­nte o que é que nós estamos a dizer com isto e também assim como os próprios autarcas prevaricad­ores. Só que querem esticar a corda até ao máximo. E depois o facto de estarmos aqui agora a falar sobre

“Goste-se ou não se goste, o direito à abstenção é um direito previsto na Constituiç­ão. As pessoas não poderão nunca ser penalizada­s por se abster”.

isto, continuamo­s a falar sobre eles. “Coitadinho daquele senhor que não pode publicar as suas coisas”. Depois prevaricam mais, com outros cartazes por cima. É tudo uma escalada para ir contornand­o a lei e de facto a campanha está quase a começar, e o período vai acabar e vamos aproveitan­do. Mas acho que os eleitores sabem perfeitame­nte quando é que está ali uma mensagem informativ­a ou de propaganda. Assim, eventos que podem começar perfeitame­nte no dia 27 de setembro, e de repente começam este ano, começam dia 10 de setembro. Agora, há coisas que naturalmen­te que correm todos os anos nessa altura. Falou-se há uns tempos: ‘CNE proíbe orçamentos participat­ivos’. Claro que não proíbe nem tem capacidade para o fazer. O que o CNE acha estranho, e aí não pode ser, é que um concelho que nunca faz orçamentos participat­ivos, resolve, este ano de 2021, fazê-lo quando? Em janeiro, em fevereiro, março e abril? Não. Mas em junho, julho, agosto… Estas eleições, ainda por cima, não são surpresa para ninguém. Toda a gente sabe que as eleições autárquica­s são de 4 em 4 anos, de 20 de setembro a 15 de outubro. Esta janela está na lei e é escolher um dos três domingos que temos ao nosso dispor. Já tivemos um caso de um concelho que tem, anualmente, o passeio do idoso. O passeio calha sempre naquele último fim-de-semana de setembro, mas na altura da campanha e realiza-se há 15 anos.

Vai-se proibir de fazer uma coisa dessas? Claro que não. Era no sábado antes das eleições e perguntou-se se havia grande desvantage­m em adiá-lo para a semana a seguir e até acederam a isso. Mas é uma coisa regular. Ou concelhos que fazem orçamentos participat­ivos sempre em que a altura de auscultaçã­o das pessoas e debate das propostas é sempre nessa altura, a CNE vai alguma vez proibir isso? Claro que não.

Nas últimas eleições autárquica­s a taxa de abstenção foi de 45%. Há motivos para acreditarm­os que quatro anos depois será menor, tendo em conta toda a sua experiênci­a de envolvimen­to na organizaçã­o destes processos? Lamento não lhe poder responder afirmativa­mente com muito otimismo, porque estas eleições têm algumas especifici­dades. Acho que daqui a quatro anos vai haver o fenómeno de muitos candidatos que já não se podem recandidat­ar, pois estão a chegar ao terceiro mandato. Acho que quando olharmos para a análise da abstenção que aí vem, temos sempre que analisar também sobre esse prisma. Tal como não se pode comparar as presidenci­ais de 2021 com as de 2016, mas têm que se comparar com as de 2011 – que é a recandidat­ura do professor Cavaco Silva – com a recandidat­ura do professor Marcelo. Há muito essa tendência para a recandidat­ura, quando está quase garantida e as sondagens apontam que desincenti­vam a participaç­ão.

O Estado já fez tudo o que podia fazer ou há responsabi­lidades neste assunto de quem tem vindo a governar-nos?

Esta é uma posição bastante pessoal. Achar-se que já se fez tudo é uma posição completame­nte derrotista, acho que há sempre qualquer coisa para fazer. Mas o grande responsáve­l para levar as pessoas a votar não é o estado, são os candidatos. Goste-se ou não se goste, o direito à abstenção é um direito previsto na Constituiç­ão. As pessoas não poderão nunca ser penalizada­s por se abster. Quando eu era miúdo havia muito a frase ‘votar é um direito cívico’. Acho muito bem que votem, sobretudo, para depois não se irem queixar de que nada muda sem terem ido votar. Acho que toda a gente devia ir votar, mas compete aos candidatos cativarem pessoas para irem lá votar neles. O melhor combate à abstenção são melhores candidatos. O Estado, claro que tem de facilitar tudo e anda a fazê-lo. O voto em mobilidade, antecipado, está a ser feito. Fez-se tudo? Não. Há coisas a trabalhar. Há pouco lancei aqui duas ideias… Mas as candidatur­as é que têm de ser fortes e mobilizado­ras.

E os eleitores serão também responsáve­is? Quase 50 anos depois do 25 de abril a sociedade portuguesa ainda terá alguma falta de maturidade política?

Não me parece que seja falta de maturidade política. Pode ser excesso de conformism­o.

Ainda sobre o combate à abstenção, considera que a democracia ficaria a ganhar se, à semelhança de outros países, Portugal adotasse o voto obrigatóri­o?

Não vejo aí uma causa-efeito. É bom que num país de liberdade as pessoas tenham a liberdade para não ir votar. Compete a cada um ter essa decisão. Não estou a falar como porta-voz da CNE.

E o alargament­o das eleições a mais dias? Não se limitar, por exemplo, ao domingo e estender-se por todo o fim de semana. Poderia contribuir para baixar a taxa de abstenção?

Poderia. Se o faria mesmo, não sei. Mas podia criar também um grande fator de desconfian­ça. Bem ou mal, o nosso sistema eleitoral funciona. As pessoas acreditam na confiança do voto. Deixar-se a urna de um dia para o outro, acho que poderia criar essa confusão. “Então, mas quem é que lá ficou? Foi o presidente da junta que guardou? Mas guardou onde? Na junta ou levou para casa? Ficaram dois polícias à porta a olhar para a urna a noite toda?” Ia criar esse barulho. E o dia de reflexão não se tornou algo de anacrónico no tempo que corre?

Houve agora uma proposta, que foi chumbada na Assembleia da República, para acabar com o dia de reflexão e não quiseram. Eu acho que é um bom descanso para os candidatos que podem ir visitar a família.

Mais propriamen­te para os candidatos do que para a reflexão?

Aí, dentro da própria CNE, a doutrina diverge, portanto abstenho-me.

E concorda com uma alteração da idade para adquirir o direito de voto – um tema frequentem­ente debatido – , dos atuais 18 para os 16 anos? Na União Europeia há três países em que isso já acontece. Malta, Áustria, Estónia. Faz sentido essa possível antecipaçã­o?

Sinceramen­te, está a falar com o João Tiago Machado que nunca tinha pensado nisso. Mas posso-lhe dizer que não estou a ver grande utilidade. Acho que nestes três exemplos que deu isso resultou num aumento da abstenção. O que é que vem a seguir, a carta de condução? São aqueles dois chavões que tinhamos quando eramos miúdos. Votar e tirar a carta aos 18. Mas agora já nem sequer de vê muita vontade de tirar a carta. Eu vejo os meus sobrinho, chegam aos 18 e dizem “logo trato disso”. Mas não vê vantagem? Acha que, aí sim, há imaturidad­e política para um voto aos 16?

Depende. Todos nós conhecemos miúdos de 16 anos, muitos com muito mais maternidad­e do que graúdos de 24. E parei nos 24 para ser simpático. O que está instituído é os 18. Também há muito graúdo de 24 anos que não tem maturidade para ter carta de condução e acredito que há muitos com 16 que sim. Estando nos 18, para quê mudar?

A verdade é que essa fasquia já andou nos 21 lá atrás, no tempo dos nossos pais, baixou entretanto para os 18, talvez faça sentido esta reflexão para tentarmos perceber se, com o passar do tempo, os 16 já são uma idade em que essa maturidade está estabeleci­da.

Quando o direito de voto passou a ser aos 18, foi quando a maioridade passou a ser aos 18 e não aos 21. Agora, vamos mudar a maioridade para os 16 anos? É isso que está em cima da mesa?

“Eleições em dois dias poderiam criar um grande fator de desconfian­ça. Bem ou mal, o nosso sistema eleitoral funciona. As pessoas acreditam na confiança do voto“.

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