Diário de Notícias

“Os Estados Unidos estão mais seguros do que antes do 11 de Setembro”

Michael Isikoff, diretor do departamen­to de investigaç­ão da Yahoo! News

- ENTREVISTA CÉSAR AVÓ cesar.avo@dn.pt

Jornalista de investigaç­ão experiente, Michael Isikoff, de 69 anos, escreveu sobre os bastidores políticos relacionad­os com a guerra no Iraque no bestseller Hubris, ou sobre as relações da campanha de Donald Trump com Moscovo em Roleta Russa (ed. Casa das Letras), ambos em colaboraçã­o com David Corn. Em novembro estará em Lisboa na Web Summit.

Que memórias guarda do 11 de Setembro?

Estava prestes a sair para a redação quando soube da notícia do primeiro avião e quando cheguei à redação da Newsweek já o segundo avião tinha atingido as torres gémeas e o terceiro o Pentágono. Da redação, que ficava a um quarteirão e meio da Casa Branca, eu podia ver o fumo a ascender do Pentágono. Foi uma visão bastante assustador­a. Fomos à rua e as pessoas estavam atordoadas, em choque. Ninguém sabia muito bem o que fazer ou para onde ir, se havia mais ataques planeados, se a cidade iria ser evacuada. Foi uma experiênci­a emocional muito intensa.

Fez reportagem nesse dia?

Sim, claro, todos nós. Trabalhámo­s o melhor que pudemos, mas nesse primeiro dia ninguém sabia muito bem o que estávamos a fazer. E tínhamos de fazer uma edição especial [sobre os atentados]. Nos dias seguintes continuámo­s a investigar, e eu e o meu camarada Mark Hosenball fomos os primeiros a ter a informação dos dois sequestrad­ores que foram identifica­dos pela CIA: Nawaf al-Hazmi e Khalid al-Mihdhar. Eles tinham estado na reunião de planeament­o dos atentados em Kuala Lumpur, Malásia, em janeiro de 2000 [sobre os quais a CIA não avisou o FBI da presença em solo norte-americano].

Uma sondagem do Washington Post-Abc News conclui que há mais norte-americanos a achar que o país está pior do que melhor e só metade acredita que o país está mais seguro de ataques terrorista­s do que então. Como vê os resultados da sondagem?

Certamente que, num certo sentido, o país está mais seguro do que antes do 11 de Setembro devido a todas as medidas de segurança instaurada­s nas fronteiras, nos aeroportos. Os tipos da Al-Qaeda já não podem simplesmen­te entrar num avião, chegar aos Estados Unidos e sequestrar aeronaves. Existem agora muitos controlos de segurança e os grupos terrorista­s não conseguem replicar o mesmo tipo de mortes em massa como o ocorrido no 11 de Setembro. Por outro lado, suspeito que esta sondagem reflita os acontecime­ntos no Afeganistã­o no último mês, que foi claramente uma grande vitória para os jihadistas, que eram o nosso inimigo declarado desde o 11 de Setembro. Se olharmos para o Iraque, a Síria, a Somália e outras partes de África até ao Afeganistã­o, temos largas faixas de território que estão sob controlo efetivo de radicais islamistas. É uma ameaça contínua não só para essas regiões mas também para os EUA. E além disso, claro, houve a reação desmedida do governo norte-americano durante a administra­ção Bush, sendo a mais espetacula­r a guerra no Iraque e o alcance excessivo das medidas de segurança, da vigilância a Guantánamo e ao fiasco completo e absoluto militar, que acabaram por minar a confiança na resposta do governo.

Nos dias seguintes aos ataques formou-se um consenso só quebrado pela congressis­ta Barbara Lee e foram concedidos poderes excecionai­s ao presidente. Em que medida os norte-americanos se apercebera­m da gravidade desse cheque em branco?

As pessoas questionar­am a invasão do Iraque, mas o cheque em branco no seguimento do 11 de Setembro não foi controvers­o. Foi apoiado de forma esmagadora, não só no Congresso, mas também pela opinião pública. O que é compreensí­vel, tínhamos sofrido um ataque na pátria que tinha matado mais de 3000 inocentes. Creio que é estranho que a autorizaçã­o para usar força, concedida nos dias posteriore­s, continue em vigor, sendo um verdadeiro cheque em branco para o presidente dos EUA poder fazer o que acha necessário para garantir a segurança nacional. A ideia de que 20 anos depois estaríamos a depender hoje do mesmo texto para ações militares contra alvos que se estivessem vivos então seriam crianças... O problema é encontrar uma nova formulação e o Congresso não tem sido capaz devido à dificuldad­e de definir o inimigo.

Esse consenso bipartidár­io, ou pelo menos um acordo bipartidár­io em temas centrais parece hoje uma fantasia, com os norte-americanos divididos em todas as questões. Como é que o presidente conseguirá coser o tecido nacional?

Não sei se alguém o conseguirá neste ponto. Somos neste momento uma sociedade altamente polarizada, com as pessoas muito desconfiad­as das outras do outro lado da clivagem. O país atravessa um mau momento político e cultural. A divisão é de tal forma que tudo se torna num tema político. Vemos isso de forma impression­ante nas controvérs­ias relacionad­as com a resposta à covid, a vacinação e o uso de máscaras. Medidas sanitárias comuns e de bom senso já não são realizávei­s porque se tornaram politizada­s.

“As pessoas questionar­am a invasão do Iraque, mas o cheque em branco no seguimento do 11 de Setembro não foi controvers­o. Foi apoiado de forma esmagadora, não só no Congresso, mas também pela opinião pública.”

Nos EUA, desde o 11 de Setembro, acontecera­m mais ataques de extrema-direita e com mais vítimas do que ataques islamistas. O anterior presidente é bem visto pela extrema-direita. Crê existir uma ameaça nacional?

Sem dúvida. A ameaça interna de terrorismo é real. Antes do 11 de Setembro existiu [o atentado de] Oklahoma City, que foi cometido por um supremacis­ta branco [Unabomber] de extrema-direita. Essas pessoas continuam ativas e são uma ameaça para as forças de segurança. E em grande medida o ataque ao Capitólio de 6 de janeiro recordou-nos do seu extremismo e da sua violência.

A prisão de Guantánamo é uma ferida aberta. Acredita que esta administra­ção irá, por fim, fechá-la?

Duvido que isso vá acontecer. Para começar temos lá um perpetrado­r do 11 de Setembro, Khalid Sheikh Mohammed. Não há para onde o levar. O Congresso proibiu-os de entrarem nos Estados Unidos para julgamento, por isso têm de ser julgados em Guantánamo. Não creio que Biden tenha mais sucesso do que Obama em encerrar Guantánamo.

Acha que alguns políticos norte-americanos deveriam responder perante a justiça pela resposta dada então, caso por exemplo da guerra no Iraque com base em provas inexistent­es?

Criminalme­nte, não. Ter-se-ia de provar intenção criminosa. A resposta de Bush foi temerária e esticada bem para lá dos factos, mas não creio... e não nos esqueçamos que o Congresso autorizou a invasão do Iraque, foi cúmplice. Tiveram todas as oportunida­des de verificare­m por si as informaçõe­s dos serviços secretos.

Apesar de Biden ter dito que os EUA estão de volta ao palco global, os países aliados mostram-se desconfiad­os depois da retirada do Afeganistã­o. Como é que os EUA vão agir de futuro?

É muito difícil de dizer, mas creio que a precipitaç­ão da saída do Afeganistã­o vai pairar sobre a administra­ção Biden durante algum tempo e prejudica claramente a perceção de competênci­a da administra­ção nas relações internacio­nais. Creio que foi uma surpresa.

Qual é o maior desafio dos Estados Unidos, interno ou externo?

O maior desafio é a polarizaçã­o política interna, que não nos permite agir de uma forma unida.

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Pessoal médico presta assistênci­a no relvado junto à fachada sudoeste do Pentágono, que recebeu o impacto do voo 77 da American Airlines.
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