Maria Manuel Leitão Marques
Durante cerca de três meses a investigação aos dois suspeitos esteve quase paralisada por causa da decisão do magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal, alvo de recurso e revogada pela Relação de Lisboa.
As Mulheres e a Guerra
Ojuiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), Ivo Rosa, indeferiu o pedido de renovação de escutas telefónicas e de varrimento eletrónico (que permite saber que telemóveis que estão a ser utilizados) aos dois iraquianos que estavam a ser investigados pela Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) por suspeita de pertencerem ao DAESH e de terem cometido crimes contra a humanidade nas fileiras desta organização terrorista – crimes pelos quais foram detidos na semana passada encontrando-se em prisão preventiva.
O Tribunal de Relação de Lisboa (TRL) acabou por revogar o despacho de Ivo Rosa, concordando com o protesto do Ministério Público (MP) que tinha recorrido da decisão. Mas a investigação acabou por ficar paralisada cerca de três meses, numa altura em que já tinham sido detetados contactos entre os suspeitos e outros iraquianos na Alemanha e um dos irmãos tinha sido escutado a ameaçar fazer-se explodir no Centro de Refugiados onde estava acolhido.
Segundo o acórdão do TRL, a que o DN teve acesso, o inquérito da PJ fora iniciado a 26 de setembro de 2017 e as escutas tinha sido autorizadas inicialmente por Ivo Rosa até Fevereiro de 2018. Quando pediram a renovação das interceções, com base nas provas até então recolhidas, os procuradores do Departamento Central de Investigação Criminal (DCIAP), titulares do inquérito, foram surpreendidos pelo indeferimento de Ivo Rosa.
O magistrado entendeu que das interceções efetuadas até essa altura não resultaram “sessões com interesse para a prova ou para a investigação. Para além disso, do acompanhamento judicial verifica-se que, até ao momento e decorridos que estão cerca de 4 meses, não existiu qualquer conversação relacionada com os factos em investigação”. Ivo Rosa sublinhava que “os presentes autos têm como objeto a prática de factos, alegadamente cometidos fora do território nacional”, sendo “manifesto que a manutenção deste meio intrusivo de obtenção de prova por um tempo tão longo, sobretudo sem resultados, constitui uma manifesta violação dos princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade”. Para o juiz do TCIC, tendo em conta “os elementos probatórios (...) carreados para os autos” até essa altura “e a reduzida eficácia deste meio de obtenção de prova” fazia com que deixassem “de estar verificados os pressupostos de facto e de direito necessários à fundamentação de uma decisão de prorrogação”. Assinalava Ivo Rosa que “as escutas telefónicas são um meio de obtenção de prova e não uma forma de manter sob vigilância alguém que eventualmente poderá vir a cometer um crime”.
Evitar perda de vidas
Os argumentos de Ivo foram contestados ponto a ponto pelo DCIAP e subscritas pelos desembargadores do TRL que lembraram na sua decisão – tomada por unanimidade dos juízes a 12 de abril de 2018 – que a investigação deste género de crimes se dirige “fundamentalmente à segurança nacional, pelo que a investigação respetiva não se dirige apenas a carrear provas, mas ainda a evitar a perda de vidas”.
A decisão de Ivo Rosa é tanto mais inusitada quando, nessa data, a investigação DCIAP/UNCT já tinha reportado dados de enorme relevância. “As informações internacionais recebidas e as interceções telefónicas reportadas (...) permitem concluir que o suspeito
A., viajou para a Alemanha, com intenção de requerer asilo às autoridades de emigração ELLWANGEN e, regressou a Portugal, omitindo o facto às autoridades portuguesas; numa conversação com uma funcionária da Câmara Municipal de Oeiras, questionou as condições de apoio aos refugiados em Portugal e expressou a intenção de rebentar/explodir as instalações do Centro Português para os Refugiados; nenhum dos dois suspeitos exerce em Portugal qualquer atividade laboral ou frequenta centro de aprendizagem da língua portuguesa, sendo grandes utilizadores das redes sociais para comunicarem com outros refugiados na Alemanha; circunstancialismo este, a nosso ver, indiciador da intenção preparatória de atos que visem a paz e a segurança nacional ou de outros países estrangeiros, a partir de território nacional”, é descrito no acórdão do TRL.
Os desembargadores assinalaram que “em casos de investigação de atos contra a Segurança Nacional será extremamente difícil que se consiga descobrir por outros meios que não sejam as interceções telefónicas, recolha de imagens e varrimento eletrónico, as combinações e os planos que visem atos ou preparação de atos de terrorismo, no País ou no Estrangeiro”.
Quando Ivo Rosa recebeu o acórdão do TRL ainda se declarou “incompetente” para executar a decisão, fazendo descer o despacho ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, passando mais cerca de um mês até que a investigação voltasse a poder fazer escutas.
Em junho desse mesmo ano, recorde-se, Ivo Rosa quase deitou perder toda uma investigação sobre a designada célula de Aveiro de recrutamento de jihadistas, quando decidiu despronunciar de todos os crimes de terrorismo de que estava acusado o cabecilha, Abdesselam Tazi . Também o TRL revogou a decisão e Tazi foi condenado a 12 anos de cadeia por terrorismo.
“Em casos de investigação de actos contra a Segurança Nacional será extremamente difícil que se consiga descobrir por outros meios que não sejam as intercepções“, frisou TRL.