Luís Neves
Terrorismo e Direitos Humanos
Oterrorismo é hoje um fenómeno criminal global, lesivo da segurança das comunidades, dos Estados e dos Direitos Humanos. Nos Estados de Direito Democrático o combate ao terrorismo decorre no pleno respeito e em harmonia com a regra da lei. Procura-se sujeitar à Justiça os agentes e atores do terrorismo, através da investigação criminal, recolhendo provas que, caso existirem, conduzam a uma acusação, no quadro dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados. E essa, sendo uma abordagem que é a um tempo preventiva, reativa e repressiva, é também ela compatível com os Direitos Humanos.
Quem pense de outra forma, inverter esta sequência, estará a oferecer ao terrorismo o trunfo que mais ambiciona que é subverter as regras basilares do Estado de Direito.
E isso é a pedra de toque na abordagem da controversa relação entre terrorismo, migrações e refugiados. Alimenta intermináveis debates e tem estimulado a polarização dos discursos.
É verdade que em determinado momento da história recente e no auge da afirmação do proto-califado do ISIS-Da’esh na Síria e Iraque, se identificou uma relação instrumental objetiva, amplamente documentada, entre terrorismo, migrações e refugiados.
Agentes do terrorismo oriundos da Síria, ao serviço e em representação do ISIS-Da’esh, dissimuladamente e a coberto de movimentos de refugiados e migrantes em direção à Europa, violaram a segurança das fronteiras e os mecanismos de escrutínio em vigor, para cometer atentados. O exemplo mais significativo é certamente o quadro fatídico dos ataques de 13 de novembro de 2015 em Paris.
Está também documentado e estudado por organizações internacionais independentes que se tratam de casos muito residuais, pois que a maioria dos atentados têm sido cometidos por residentes dos próprios países europeus.
É um risco que vai sempre persistir (não há risco zero em nada do que diz respeito ao terrorismo), mas contra o qual trabalham mais do que nunca todas as forças e serviços de segurança do mundo, juntamente com os serviços de informações, reforçando a especialização dos seus profissionais no acompanhamento dos fluxos migratórios.
As cifras divulgadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em 2020 apontavam para um contingente superior a 65 milhões de pessoas forçadas a abandonar os respetivos domicílios e países de origem na busca incessante da preservação da vida, integridade física e liberdade.
Pesem os marginais países ocidentais que veementemente reafirmam aversão, hostilidade e rejeição perante os migrantes e refugiados, é sempre oportuno relembrar que a civilização europeia se funda em valores estruturados de solidariedade, assistência perante os mais frágeis e carenciados. Valores que são pilares dos Estados de Direito Democrático.
O trabalho de todos os que são responsáveis pela Segurança tem um valor inalienável neste acolhimento, protegendo as suas populações, mas também os próprios migrantes e refugiados, detetando e levando à Justiça aqueles que lhes causaram terror e que os obrigaram a abandonar o seu país, familiares, toda uma vida.
A relação entre terrorismo e proteção dos Direitos do Humanos, também pode ser equacionada na ótica da insanável tensão entre aquele fenómeno criminal e os direitos das vítimas.
O terrorismo contemporâneo tem dimensão transnacional e as suas vítimas constituem um grupo particular. Diretas, ou colaterais e indiretas.
Ao longo das duas décadas mais recentes, um significativo número de países europeus sofreu dolorosos impactos do terrorismo, ainda que em níveis variados de intensidade e perdas.
Há pouco mais de um ano, a 24 de junho de 2020, a Comissão Europeia publicou a primeira Estratégia sobre os Direitos das Vítimas (2020-2025) garantindo que as vítimas de crimes podem contar com o reconhecimento dos seus direitos. Enfatizando também que as vítimas do terrorismo requerem proteção especial, em particular em casos de dimensão transnacional ou transfronteiriça.
A par do combate ao terrorismo, a União Europeu destaca ainda o extremismo violento ou, aprofundando o conceito, o extremismo ideológico criminal, como ameaça à segurança dos estados-membros, matéria que em Portugal tem sido seguida com muita atenção pela Polícia Judiciária, mais uma vez, tendo também os Direitos Humanos com ponto central da nossa ação. Designadamente os das vítimas dos designados crimes de ódio, como as minorias LGBT-Q e todos os grupos sociais que são alvo de grupos extremistas, em particular organizados na órbita da direita violenta, neonazi, neofascista ou identitária.
Sejamos muito claros: não podemos aceitar e muito menos permitir, que alguém seja lesado em bens jurídicos fundamentais como a integridade física e a própria vida, por ser de uma etnia diferente da dos agressores, homossexual e/ou até militante ou simpatizante de qualquer agrupamento político de sinal ideológico contrário ou religião distinta da predominante de determinado território. Também nesse combate – nesta luta – teremos que ser firmes e coesos.
No terrorismo e no extremismo ideológico criminal, as investigações criminais, são hoje claramente orientadas no sentido da antecipação, para evitar os crimes de resultado, dos atentados.
O ciclo inicia-se na prevenção geral da radicalização: passa pela transmissão de valores de moderação, de respeito pelo direito à diferença, pelo diálogo entre civilizações e credos confessionais distintos. Passa pela educação, pacífica coexistência e democracia, combatendo as situações de exclusão social.
Este esforço carece do concurso de toda a sociedade civil – e não só das forças e serviços de segurança, equívoco em que amiúde se tende a cair – e prossegue com a prevenção especial no domínio do ciclo das informações e da investigação criminal – esse sim, da responsabilidade imediata e da competência das forças e serviços de segurança.
A relação entre terrorismo e proteção dos Direitos do Humanos, também pode ser equacionada na ótica da insanável tensão entre aquele fenómeno criminal e os direitos das vítimas.