Raul M. Braga Pires
Marrocos: o fim da Primavera Árabe
Não tendo ainda acesso aos resultados finais das eleições marroquinas de quarta-feira, à hora que escrevo, é possível aferir já uma estrondosa derrota islamista do PJD (8.º lugar com menos 113 deputados), no capítulo legislativas, que certamente se reflectirá também nos municípios e diferentes regiões do reino.
O Partido Justiça e Desenvolvimento (PJD), conseguiu o acesso ao poder, fruto dos acontecimentos da Primavera Árabe, que obrigaram o Estabelecimento marroquino a apresentar uma nova constituição e a tornar mais claro o jogo político do reino. Caso essa primavera não tivesse desabrochado em janeiro de 2011, muito provavelmente o Partido Autenticidade e Modernidade (PAM), segundo classificado nestas eleições, teria marcado a agenda dos últimos 10 anos enquanto partido hegemónico, ou perto disso. Neste sentido, é possível dar um certo sentido metafórico relativamente a esta derrota islamista. Chegaram ao poder fruto de uma gestão sábia de uma convulsão social que teve caminhos diferentes em diferentes países e que, em Marrocos teve, como sempre, o monarca enquanto farol e que viu em 2011 o momento perfeito para as reformas políticas prometidas à União Europeia, desde 2007/8, após ter sido concedido ao reino o chamado Estatuto Avançado por Bruxelas. É daqui que resultam as vitórias claras do PJD em 2011 e 2016. Tratando-se de um partido sem experiência governamental e sem noção, à partida, dos também existentes constrangimentos no exercício do poder, foi-se embrulhando e deixando-se embrulhar em casos menores que ao longo destes 10 anos foram desgastando a imagem daqueles que apareceram com a moral toda do “agora é que é”. Ou seja, mostraram o que valiam e valem muito mais na oposição a apontar o dedo aos erros dos outros, que a gerir a coisa pública.
É nesse sentido que digo que o capítulo Primavera Árabe poderá ver neste resultado um fim airoso, até porque esta derrota islamista também se trata de uma vitória do rei, que foi uma vez mais reconhecido pelos seus súbditos pelo, sem dúvida, excelente trabalho desenvolvido pelas autoridades na gestão e controlo da pandemia. Marrocos é o único país africano a apresentar resultados e rácios de nível europeu no referente à percentagem de população duplamente vacinada. E agora, o que se segue? Seguir-se-á certamente uma coligação governamental com o RNI (mais 54 deputados) à cabeça, um inexperiente PAM a querer provar o contrário e um regresso ao governo do histórico ISTIQLAL (3.º classificado com mais 32 deputados), o mais penalizado durante a Primavera Árabe. Quanto ao próximo primeiro-ministro, levanta-se a questão de Aziz Akhannouch, líder do RNI, se tratar de um dos milionários do reino e de o povo não apreciar esta concentração de poder. Por outro lado, a acontecer esta nomeação e aceitação de Akhannouch, aqui estará o primeiro argumento que os islamistas na oposição irão apontar ao novo Executivo, que verão como em prol das elites e não do povo.
O PJD, actualmente um saco de gatos, verá no regresso do ex-secretário-geral Abdelillah Benkirane o seu Messias, o único com saberes e carisma para apaziguar as partes desavindas e impor-se enquanto cola, mas também enquanto dor de cabeça para o rei, pois trata-se de tribuno com maior audiência que este, nas impessoais redes sociais que marcam as modas e as tendências.