O Presidente emotivo que detonou a bomba atómica
Jorge Sampaio, aparentemente discreto e francamente emocional, tinha a capacidade de se adaptar às circunstâncias e de ser capaz de as superar. Desta vez, a sua adaptabilidade, coragem e resiliência sucumbiram a problemas respiratórios. Morreu ontem aos 81 anos. O antigo Presidente da República tinha a ousadia de dar resposta inesperadas a perguntas incómodas. As suas palavras eram assertivas, mesmo quando já estava muito debilitado, como numa ocasião recente em que estivemos juntos e em que discursou no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian. Terá sido um dos seus últimos discursos. Todas as suas palestras eram longas e esta foi mais uma. Alguns até o consideravam aborrecido ou cansativo, mas cada alocução tinha grande conteúdo, recados e emoção, ainda que nas entrelinhas. Uma intervenção política compreendia também notas que íam desde a literatura à filosofia, entre outras áreas de conhecimento que apreciava.
Sampaio deixa uma outra marca que fica para a história: alertou, antes de muitos outros e por várias vezes, para os fenómenos do populismo. Antecipou o risco dessa nova tendência e fez-se ouvir cá dentro, quando lá fora, na Europa e nos Estados Unidos (movimento Tea Party), esse rastilho se incendiava.
Jorge Sampaio era um homem preocupado com os grandes problemas da democracia, o sistema político e uma sociedade participativa e inclusiva. Apesar dessa capacidade e esforço para chegar a entendimentos, não se inibiu de usar a chamada bomba atómica. Em 2004 dissolveu o Parlamento e justificou a decisão com a falta de credibilidade do governo de Pedro Santana Lopes. Teve a coragem de acabar com um governo ao fim de quatro meses. “Pelo seu impacto e pelas consequências políticas potencialmente implicadas, é o mais drástico e relevante dos poderes presidenciais”, tinha escrito Sampaio um ano antes, no prefácio ao livro “Portugueses VI”. Veio a suceder a Santana o primeiro-ministro José Sócrates.
Nas suas intervenções mais recentes incitou o país a um “sobressalto cívico” e a acolher os refugiados da Síria, empenhando-se nessa causa ao preparar o lançamento de uma grande plataforma internacional para que os refugiados sírios pudessem prosseguir os seus estudos universitários e concluí-los com sucesso. Uma forma de exercer a sua cidadania, mesmo já estando fora dos holofotes e do grande palco.
Figura importante para o Partido Socialista e para Portugal, foi um dos símbolos da resistência à ditadura e da soberania. Um dos presidentes que lutou pelo Portugal livre que temos hoje, com uma dimensão ética e humana que prevalecerá. Hoje o Diário de Notícias traz à estampa um suplemento especial e destacável para guardar (da pág 13 à 36) com a vida e obra de Jorge Sampaio, para que o país recorde cada etapa da sua orgulhosa história em Liberdade.
Três dias de luto nacional homenageiam o estadista que nos deixou ontem. Sampaio usou a mesma determinação quer para fazer pontes quer para dissolver o Parlamento e fazer cair Santana Lopes