Filipe Froes e Patricia Akester
Heróis da Vacinação, Nobre Povo
“Um cêntimo de prevenção vale mais do que todos os euros gastos na cura.”
(adaptado de Benjamin Franklin:“An ounce of prevention is worth a pound of cure”)
Dia 11 de Setembro, data fatídica que marca os atentados em solo norte-americano e o despoletar da subsequente guerra no Afeganistão, lembra, também, a declaração da pandemia emitida que foi a 11 de Março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde, isto é, há 18 meses. A primeira invocação já foi e continuará a ser alvo de páginas de considerações, pelo que vamos centrar-nos na segunda alusão, com particular referência às diligencias de vacinação executadas em território nacional as quais configuram uma admirável história de sucesso a nível internacional e motivo de enorme e legítimo orgulho.
Com efeito, à escala global assistimos à maior cruzada de vacinação efectuada até hoje, que assenta na administração de mais de 5,5 mil milhões e na inoculação diária de mais de 30 milhões de vacinas contra a COVID-19, com uma eficácia e uma segurança que têm permitido a progressiva reabertura da economia mundial. Sucede que Portugal conseguiu não apenas acompanhar o esforço de vacinação a nível mundial, mas fazer mais e melhor. Cerca de 9 meses após o início da administração das vacinas, que monta igualmente à maior campanha de vacinação de sempre no país, foram superados os objectivos de cobertura vacinal nacional contra a COVID-19. Com a chegada do Outono mais de 85% da população residente em território nacional terá o esquema vacinal completo, representando mais de 95% população elegível com idade superior a 12 anos. Uma história de sucesso, na batalha contra o vírus, que merece reflexão e da qual extraímos, a título de exemplo, três ilações.
Liderança, organização e planeamento
O sucesso da vacinação em Portugal está intrinsecamente ligado à capacidade de liderança, organização e planeamento da Task Force da Vacinação, que com o indispensável apoio das estruturas de saúde competentes soube mobilizar e motivar médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde destacados para esta tarefa.
Contudo esta vitória invulgar não teria sido viável sem a adesão e sem o envolvimento da população que compreendeu a importância da vacinação e dos seus benefícios para a recuperação sanitária, social e económica do país. Para tal contribuiu um modelo de planeamento e de organização que soube, sobretudo, criar condições e soluções facilitadoras para o envolvimento da população: investiu-se na acessibilidade, alargaram-se horários, desburocratizaram-se procedimentos, simplificaram-se medidas e estabeleceram-se critérios claros, transparentes e uniformes. E a população percebeu, aderiu, envolveu-se e cumpriu.
Obstáculos à vacinação
A vacinação deve ser voluntária, impondo-se que todas as dúvidas sejam endereçadas e abordadas com respeito, transparência e segundo a melhor evidência disponível, tendo em conta, não esqueçamos, que o conhecimento é dinâmico e a metodologia e a linguagem da ciência têm regras específicas e limitações que muitas vezes ultrapassam o nível de entendimento de quem não lida diariamente com estes assuntos.
Mais de 5,5 mil milhões de vacinas administradas confirmam que a população mundial sabe, em geral, que a resposta está e estará sempre do lado da ciência e do melhor conhecimento disponível. No entanto, a hesitação e o acanhamento subsistem em alguns. A esse propósito, a revista Forbes publicou recentemente um estudo onde analisa os receios e a recusa da vacinação nos Estados Unidos da América. Em Portugal não é habitual a realização deste tipo de avaliações, pelo que embora se trate de países diferentes e de realidades diversas forneceremos os dados extraídos desse estudo, sempre úteis que são para bom entendimento do quadro subjacente. Ora, regista o dito estudo uma taxa de recusa mais elevada na população entre os 18 e os 29 anos, nos homens, nos republicanos e nas pessoas com menor nível de escolaridade. Cerca de 75% dos adultos que recusaram a vacina mostraram-se cépticos em relação à existência da COVID-19 e 22% dos não vacinados não acreditam que a vacina previna a morte por COVID-19. Nas pessoas receptivas à vacinação, 36% mostraram preocupação pelos efeitos secundários. Temos, pois, uma boa base de trabalho para as próximas campanhas de comunicação e de vacinação.
Futuro das vacinas
O êxito da vacinação contra a COVID-19 veio confirmar o impacto que as vacinas tiveram até hoje no desenvolvimento civilizacional. Em paralelo com o saneamento básico e o desenvolvimento dos fármacos antimicrobianos, as vacinas foram responsáveis pelo salto gigantesco na qualidade e na esperança média de vida – recorde-se que a esperança média de vida há 100 anos rondava os 20 a 30 anos. Paradoxalmente, as vacinas têm sido vítimas do seu sucesso. As vacinas foram responsáveis pela irradicação de um dos maiores flagelos da humanidade, a varíola, e pela quase eliminação de muitas outras doenças que persistindo, infelizmente, nalgumas zonas do mundo, deixaram de ser vistas e diagnosticadas nos países mais desenvolvidos. Dada a sua eficácia, questiona-se por vezes a sua necessidade para doenças que parecem já não existir. A verdade, a não olvidar, é que se deixarmos de vacinar voltaremos a ter as doenças prevenidas pelas vacinas e as respectivas consequências.
Quanto às novas vacinas de RNA mensageiro, uma tecnologia já usada antes da pandemia, estas abrem um novo mundo de oportunidades no domínio das doenças infecciosas, no combate ao cancro e, certamente, no âmbito das próximas pandemias. A pandemia veio acelerar este novo mundo de oportunidades e quem sabe se as tão desejadas vacinas contra o vírus da imunodeficiência humana ou a malária não estão mais próximas?
Finalmente, as vacinas alicerçam-se num outro conceito pouco habitual para os restantes fármacos e medicamentos: a equidade. O sucesso da vacinação contra a pandemia depende do acima exposto, bem como da sua distribuição justa e equitativa entre todos. A pandemia será uma ameaça permanente até que se alcance a protecção de todos, uma vez que só a protecção do todo (e não apenas da parte) pode impedir a emergência e a transmissibilidade de novas variantes do vírus.
Conclusão
O sucesso da campanha de vacinação confirmou a importância vital e determinante da ciência sob a forma da solução vacinal criada para a resposta colectiva à pandemia, bem como, o elevadíssimo valor e a imprescindibilidade da liderança, da organização e do planeamento, em face de tantos obstáculos. Sem embargo, só há vacinas eficazes se administradas, pelo que concluímos que, no campo da vacinação contra a COVID-19, Portugal comprovou que ainda há heróis. Nota: Os autores não escrevem de acordo com o novo acordo ortográfico. Filipe Froes é Pneumologista, Consultor da DGS, Coordenador do Gabinete de Crise COVID-19 da Ordem dos Médicos e Membro do Conselho Nacional de Saúde Pública Patricia Akester é Fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual/Intellectual Property Office (GPI/IPO) e Associate, CIPIL, University of Cambridge
Em paralelo com o saneamento básico e o desenvolvimento dos fármacos antimicrobianos, as vacinas foram responsáveis pelo salto gigantesco na qualidade e na esperança média de vida