De menino a adolescente
Escola Jorge Sampaio começou a vida escolar aos quatro anos, numa instituição inglesa, onde completava a aprendizagem da língua que a mãe lhe falava em casa. Seguiram-se escolas nos Estados Unidos e, de regresso a Lisboa, os Liceus Pedro Nunes e Passos Ma
Ter nota excelente a comportamento não livrou o “Cenoura” de levar uma forte bengalada nas costas dada pela diretora inglesa do colégio particular, onde teve como colega o urologista Joshua Ruah.
Jorge Sampaio candidatou-se ao Colégio Militar e chumbou. O pai explicou-lhe que o resultado foi uma consequência de ser filho de quem já era conotado com a oposição.
Aluno médio, e melhor a letras do que a ciências, Jorge Sampaio teve como professores de História, no Liceu Passos Manuel, Joel Serrão e José Hermano Saraiva, que lhe deu a pior nota do secundário.
Até aos quatro anos, Jorge Sampaio viveu com os pais em Sintra, num dos andares da vivenda dos avós maternos. A mãe dava explicações de Inglês e o pai arrendara um apartamento na mesma rua, onde instalou o consultório, antes de concorrer à Direção-Geral da Saúde.
Quando fez cinco anos, em 1944, entrou para o jardim-escola. Os pais escolheram um colégio particular, o Queen Elizabeth’s Kindergarten & Junior School, propriedade de uma inglesa, Denise Lester. Em plena II Guerra Mundial, a escola serviu de base ao Serviço Voluntário Feminino como centro de apoio aos refugiados. Em 1947, Denise Lester foi condecorada pelo rei JorgeVI. O colégio ainda existe, em Alvalade, com o nome de Queen Elizabeth’s School (QES), gerido pela Fundação Denise Lester.
Na altura, o QES ficava na Rua da Quintinha, em São Bento, e, para poupar o pequeno Jorge a um cansativo vaivém diário entre Lisboa e Sintra, os pais aproveitaram a oferta da avó Sarah, já viúva, e o menino ficou a viver na sua casa da Rua Almeida e Sousa, em Campo de Ourique, onde morava com uma empregada de nome Ascensão, mas a quem toda a família chamava Assunção. Era ela que o acompanhava de manhã ao local onde apanhava a carrinha do colégio e o ia buscar à tarde, na mesma “paragem”, na Rua Ferreira Borges.
A educadora Mariana Rey Monteiro
A educadora de Jorge Sampaio no colégio foi Mariana Rey Monteiro (1922-2010), sua vizinha de Sintra e que pouco depois, em 1946, se estrearia na peça Antígona, de Sófocles, no Teatro Nacional D. Maria II, dando início a uma longa carreira, que a tornaria uma das atrizes mais conhecidas do país. Quem também trabalhava nessa altura no QES era France Oulman, irmã de Alain Oulman e ainda prima afastada de Sampaio.
Um dos colegas foi Joshua Ruah, conhecido médico urologista e dirigente da comunidade judaica de Lisboa, que se lembra bem das brincadeiras do “Cenoura” e de um pormenor: Fernanda Branco só falava com o filho em inglês.
A imersão total em inglês começou cedo a dar resultados: desde a primeira avaliação no jardim-escola até à última, no final da 2.ª classe, em 1947, manteve-se um aluno excelente naquela língua. O facto de ter igualmente excelente a comportamento não o livrou de uma valente bengalada nas costas aplicada por miss Lester, que usava bengalas por motivo de saúde e não se acanhava em aproveitá-las para disciplinar os alunos. Mas foi só uma vez: o Dr. Arnaldo Sampaio falou com a professora e deixou clara a sua discordância em relação aos castigos físicos.
O sonho americano
A 3.ª classe, no ano letivo de 1947-1948, foi uma experiência inesquecível para Jorge Sampaio. No dia em que fez oito anos acompanhou os pais aos EUA, onde Arnaldo Sampaio, então já responsável dos Servi
ços de Bacteriologia Sanitária do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, foi tirar um mestrado em Saúde Pública com uma bolsa do Instituto de Alta Cultura.
A família, à exceção do filho mais novo – Daniel, de um ano, que ficara com a avó Sarah –, instalou-se em Baltimore, perto da capital, Washington. Enquanto o pai frequentava a Universidade Johns Hopkins, Jorge fazia amigos numa escola pública, deliciava-se com hambúrgueres na drugstore vizinha e passava as tardes a ouvir o folhetim radiofónico do Mascarilha e a ler comics.
Como lhe sobrasse tempo livre, inscreveu-se no YMCA (Associação Cristã da Mocidade) para praticar natação e boxe, que se tornaram dois dos seus desportos favoritos, além do futebol e, mais tarde, do golfe. Iniciado pela mãe no gosto pelo piano, foi admitido no Conservatório Peabody. Praticava num piano emprestado por uns vizinhos porto-riquenhos. Chegou a fazer parte da orquestra do Conservatório, onde tocava timbales e cantava no coro. Nunca mais se esqueceu do concerto a que assistiu com a mãe, dirigido pelo mundialmente célebre maestro Leonard Bernstein, autor de West Side Story e da série de televisão que despertou o gosto pela música clássica em toda uma geração: Concertos para Jovens.
De regresso
Com o ano escolar à beira do fim, Jorge voltou sozinho a Lisboa, entregue aos cuidados das hospedeiras da Pan Am, para fazer o exame da 3.ª classe. Dessa vez ficou em casa dos tios – Regina, irmã da mãe, e o marido, o escultor António Duarte (autor de um busto em mármore de Jorge Sampaio em criança, atualmente exposto no Museu da Presidência da República) –, que moravam na mesma rua da avó Sarah, em Campo de Ourique. Tornou-se inseparável do primo Filipe Duarte Santos, três anos mais novo.
Nas semanas que antecederam o exame, Jorge teve aulas com uma explicadora. Passou, mas como o colégio particular inglês não lhe deixara saudades, os pais, entretanto regressados da América, decidiram levá-lo de volta para Sintra, onde o confiaram a uma professora da escola primária local, com quem teve aulas particulares da 4.ª classe, a última da instrução primária.
Para os jovens que queriam prosseguir estudos, o terror não era o exame da 4.ª mas sim o exame de admissão aos liceus. Em 1949, Jorge Sampaio, neto de um brilhante oficial da Marinha, candidatou-se ao Colégio Militar… e chumbou. Foi um desgosto para a mãe, mas o pai explicou-lhe, mais tarde, que o chumbo não se ficara a dever ao resultado do exame: Arnaldo Sampaio já era conotado com a oposição e o filho levou por tabela.
Campo de Ourique, anos 50
Acabou por entrar no Liceu Pedro Nunes, um liceu “normal” – quer dizer, funcionava como centro de estágio de professores – e provavelmente o mais prestigiado de Lisboa. Fronteiro ao Jardim da Estrela, no limite entre os bairros da Estrela e de Campo de Ourique, o Pedro Nunes fica a poucos minutos a pé da Rua Almeida e Sousa. A decisão estava, por isso, facilitada: Jorge voltou a ficar durante a semana em casa da avó, passando os fins de semana em Sintra.
Não terá sido o facto de chegar às segundas-feiras ao liceu a bordo do impressionante Chevrolet que o pai trouxera da América que fez do jovem Sampaio uma figura popular no Pedro Nunes. O feitio bem-disposto levou-o a acamaradar rapidamente com um grupo de colegas, todos miúdos do bairro – Rui Silva Pires, EugénioTavares Cardoso, Luís Sobrinho, Eurico Mendes, Miguel Galvão Teles –, aos quais se juntou mais tarde o primo Filipe.
Inseparáveis, formavam o “grupo de Campo de Ourique”, que durante cinco anos partilhou brincadeiras e solidificou uma amizade que se manteve pela vida fora. Eram todos do Sporting (menos um), jogavam à bola no cotovelo da Rua Luís Derouet, junto à Padaria do Povo, e colecionavam O Mosquito, uma revista de histórias aos quadradinhos, o que por cá havia de mais parecido com os comics que Jorge devorara em Baltimore. Foi por essa altura que começaram a parar n’O Meu Café, em frente ao Jardim da Parada.
Nas aulas, o “Cenoura” era um aluno médio, claramente melhor a letras do que a ciências, com especial destaque para Inglês: chegou a tirar um 19 no 5.º ano (atual 9.º). Continuava a falar em inglês com a mãe, o que causava admiração aos colegas.
O Pedro Nunes foi ainda palco da sua estreia no cinema. Foi num filme da Mocidade Portuguesa, sobre a chegada dos novos alunos ao liceu. que Jorge aparecia, destacado, numa cena, com a farda da organização do regime para a juventude (de adesão obrigatória).
Do Pedro Nunes ao Passos Manuel
Concluído o 5.º ano, Sampaio escolheu a alínea e), conjunto de disciplinas que dava acesso ao curso de Direito. Como essa alínea não era lecionada no Pedro Nunes, teve de mudar para o Liceu Passos Manuel, perto de São Bento.
Ali fez o 6.º e o 7.º anos, tendo como professores de História dois vultos da cultura portuguesa: José Hermano Saraiva e Joel Serrão. Foi, aliás, com Saraiva que teve a pior nota do secundário – 8, a Organização Política e Administrativa da Nação.
Concluiu o liceu em 1956, com média de 12,3 valores.