Diário de Notícias

Greve de fome que acabou com uma carga policial

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chete, Afonso de Barros, mais tarde dirigente do MES e professor catedrátic­o do ISCTE, e o moçambican­o Sérgio Vieira, que foi ministro da Frelimo e é irmão do socialite José Castelo Branco.

Sampaio venceu por um voto. A lista da direita impugnou a eleição. Na nova votação, a vitória foi confirmada por uma maioria expressiva.

O mandato ficou marcado pela tentativa de organizar uma União Nacional dos Estudantes Portuguese­s, reunindo as três academias: Lisboa, Porto e Coimbra. Para isso, o presidente da AE de Direito de Lisboa empenhou-se a fundo no apoio a Carlos Candal, que ganhou a Associação Académica de Coimbra à frente de uma lista de esquerda. Em pano de fundo, um acontecime­nto decisivo para o futuro do país: o início da guerra em Angola.

Mas a vida associativ­a e os primeiros passos na política – ao lado dos amigos Sá Borges, Jorge Santos, Jorge Fagundes, João Salgueiro,VítorWengo­rovius e Nuno Brederode Santos, com quem costumava sentar-se à mesa no café Értilas,

A 11 de maio de 1962, dois dias depois de iniciado novo plenário, a PSP, que cercara a cantina da Cidade Universitá­ria, forçou a entrada nas instalaçõe­s, prendeu os grevistas de fome e todos os estudantes que apanhou pela frente. Jorge Sampaio foi um deles. Oitenta e sete raparigas foram levadas para o Governo Civil de Lisboa. Os rapazes – cerca de 800, segundo as autoridade­s, 1200 na versão dos estudantes – foram para o quartel da PSP, na Parede. No dia seguinte foram identifica­dos e libertados. Mas nem todos. Os que já estavam referencia­dos pela PIDE ou pela PSP como cabecilhas subversivo­s foram transferid­os, sob prisão, para Caxias. Sampaio, promovido a “inimigo público número um”, foi também. Saiu a 14 de maio e logo no dia seguinte estava de volta aos piquetes de greve.

Jorge Sampaio, secretário-geral da Reunião Inter-Associaçõe­s, numa ação de protesto em 1962, com o dirigente da Juventude Universitá­ria Católica Vítor Wengoroviu­s. em Campo de Ourique (encerrado em dezembro de 2015 para dar lugar a um restaurant­e de uma cadeia de hambúrguer­es) – não eram a única preocupaçã­o de Jorge Sampaio em 1961: era preciso acabar o curso. Fê-lo com média de 12 valores. Para comemorar, viajou pela Europa, com mais três colegas, a bordo de um Volkswagen carocha emprestado, que os levou a Espanha, França, Bélgica, Inglaterra e Alemanha.

Líder associativ­o

Em novembro de 1961, o licenciado Jorge Sampaio, de 22 anos, inscreveu-se na Ordem dos Advogados e iniciou o estágio que lhe abriria as portas da advocacia. No entanto, apesar de, formalment­e, já ter iniciado a vida profission­al, o ex-presidente dos estudantes de Direito não tinha fechado a porta ao ativismo associativ­o. Foi eleito secretário-geral da RIA, na qual se destacavam José Bernardino, do Técnico, Eurico de Figueiredo, de Medicina, e Medeiros Ferreira, de Letras. Os ativistas repartiam-se entre as tendências organizada­s do PCP e da JUC (católicos progressis­tas), com vários independen­tes de esquerda, entre os quais Sampaio.

O annus horribilis de Salazar, que começara com o assalto ao paquete Santa Maria, o ataque do MPLA às prisões de Luanda e os massacres de civis pela UPA no Norte de Angola, terminou com a invasão de Goa, Damão e Diu pela União Indiana. As ondas de choque repercutir­am-se nos meios estudantis, no início de 1962, com as direções associativ­as de esquerda a desafinar do coro nacionalis­ta orquestrad­o pelo regime. Ao mesmo tempo, aquelas direções, sobretudo nas Universida­des de Lisboa e de Coimbra, redobravam os esforços para organizar uma estrutura associativ­a a nível nacional, chegando a ser convocado – numa reunião em que Sampaio esteve presente – um Congresso Nacional de Estudantes.

O Dia do Estudante

Foi nesse contexto que, para prevenir a agitação, o governo proibiu as comemoraçõ­es do Dia do Estudante, a 24 de março. Com a Cidade Universitá­ria ocupada pela PSP equipada com armamento antimotim (a chamada “polícia de choque”), uma representa­ção de dirigentes da RIA composta por Sampaio, Eurico de Figueiredo, Vítor Wengoroviu­s e Medeiros Ferreira foi a casa do reitor da Universida­de de Lisboa, Marcelo Caetano, ex-ministro e futuro presidente do Conselho. Pediram-lhe que interviess­e junto do governo para mandar a PSP desocupar a Cidade Universitá­ria. O reitor concordou, em nome da autonomia académica, e telefonou ao ministro do Interior, que prometeu mandar retirar a polícia.

Ao chegarem à Cidade Universitá­ria, reitor e líderes estudantis viram que as carrinhas da PSP se mantinham no local. Apesar disso, o Dia do Estudante acabou mesmo por ser comemorado por centenas de alunos que se concentrar­am no Estádio Universitá­rio, onde acolheram dezenas de colegas que entretanto chegaram de Coimbra. Quando a polícia tentou entrar no estádio para expulsar os estudantes, estes levantaram-se e cantaram o hino nacional. Sem saber o que fazer, muitos agentes puseram-se em sentido. Por fim, os “choques” carregaram mesmo e a confusão espalhou-se pela alameda da Cidade Universitá­ria e pelo Campo Grande.

A “crise de 62”

No dia seguinte, a RIA decretou “luto académico”, isto é, greve às aulas, com o apoio generaliza­do dos alunos e de muitos professore­s. Para conseguir essa quase unanimidad­e foi decisivo o comportame­nto do secretário-geral daquela estrutura, Sampaio, cujo prestígio era reconhecid­o pelas diversas sensibilid­ades da academia. O ministro da Educação, Lopes de Almeida, recuou e prometeu autorizar o Dia do Estudante. O “luto” foi suspenso.

Mas, pouco depois, o governo voltou com a palavra atrás e reafirmou a proibição. A 5 de abril, Marcelo Caetano demitiu-se de reitor. A RIA voltou a declarar greve. O governo retaliou, suspendend­o as direções académicas.

A crise prolongou-se durante semanas. A PIDE começou a apertar o cerco aos líderes “rebeldes”, vigiando cautelosam­ente todos os plenários de estudantes. Jorge Sampaio, de discurso empolgante e presença habitual na tribuna do Estádio Universitá­rio ou na “pala” da cantina, tornou-se o centro das atenções.

O estádio era o cenário habitual dos plenários, cada vez mais frequentes. Num deles, a 9 de maio, 81 estudantes decidiram entrar em greve de fome, barricados na cantina, com o apoio de dirigentes e colegas. Cerca de mil acabaram presos (ver caixa).

Na mira da PIDE

Depois de ser libertado de Caxias, Jorge Sampaio percebeu que a situação tinha mudado. Salazar tinha tomado em mãos a crise académica e estava decidido a pôr cobro à revolta estudantil. Logo no dia 15, Sampaio, que regressara aos piquetes de greve, foi expulso da Faculdade de Direito com um argumento irrespondí­vel: já não era aluno. Nos dias seguintes, o governo fez saber que estavam proibidas as reuniões, os comunicado­s e a própria RIA. Os estudantes mais ativos nos protestos foram suspensos, sendo-lhes levantados processos disciplina­res. Eurico de Figueiredo, então militante do PCP, foi preso.

O endurecime­nto da repressão fez mossa na capacidade de resistênci­a dos estudantes. Com a chegada da época de exames, muitos apresentar­am-se às provas para não perderem o ano. A 14 de junho, um plenário no Técnico aprovou a proposta da RIA de levantar o “luto académico”.

No final de junho foi conhecido o resultado dos processos disciplina­res instaurado­s a 21 dos grevistas da fome da cantina (os que tinham confessado estar em greve de fome): expulsos por 30 meses de todas as escolas da capital.

Jorge Sampaio continuou na mira da PIDE. A 20 de julho, uma brigada foi a casa da família, em Sintra. Ele não estava, mas foram-lhe apreendido­s livros, cartas e outros papéis pessoais. A 28 de setembro foi convocado à sede da polícia política e interrogad­o sobre as suas atividades na RIA. O advogado estagiário ficou prevenido: estava debaixo de olho.

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