Diário de Notícias

Advogado e político

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O Movimento de Ação Revolucion­ária foi a única organizaçã­o clandestin­a a que Jorge Sampaio pertenceu na primeira metade dos anos 60. No âmbito de uma visita aos Estados Unidos, em 1965, um elemento da Embaixada dos EUA profetizou que o jovem advogado e ex-ativista estudantil seria um futuro líder político. Jorge Sampaio conheceu Álvaro Cunhal numa reunião em Paris, perdendo logo qualquer ilusão sobre o líder do PCP ao ouvi-lo defender a invasãosov­iética da Checoslová­quia.

Oposição Jorge Sampaio, rejeitados os convites do PCP e de Mário Soares para se filiar, prosseguiu a luta contra o regime através do Movimento de Ação Revolucion­ária. Um ano após se casar, conheceu Álvaro Cunhal num encontro em Paris, onde perdeu quaisquer ilusões sobre o líder comunista.

O final da “crise” académica e a integração na vida profission­al como advogado não afastou Jorge Sampaio das lides políticas. Pelo contrário: continuou a acompanhar e a apoiar os seus sucessores na RIA, José Medeiros Ferreira, e na associação de Direito, Luís Salgado Matos.

O prestígio granjeado por Sampaio pelo seu desempenho nos acontecime­ntos da primavera de 1962 desencadeo­u sucessivas tentativas de recrutamen­to por parte dos controleir­os do PCP – “devo ter sido convidado para o PC umas 20 vezes”, contou ao biógrafo, José Pedro Castanheir­a –, sem êxito.

Também Mário Soares, que se destacava entre os dirigentes da oposição não-comunista, convidou o jovem advogado a integrar o seu campo, primeiro na Resistênci­a Republican­a e Socialista (RRS) e depois, a partir de 1964, na Ação Socialista Portuguesa (ASP). Mas não conseguiu melhor resultado. O Tempo e o Modo e o MAR

A única organizaçã­o clandestin­a a que Jorge Sampaio acabou por aderir “do primeiro ao último minuto”, na primeira metade dos anos 60, foi o Movimento de Ação Revolucion­ária (MAR), uma terceira via entre a ortodoxia comunista e o “direitismo” da social-democracia de Mário Soares e das suas RRS e ASP.

Vários membros do MAR tinham estado ou viriam a estar juntos na redação da revista O Tempo e o Modo, lançada por um grupo de católicos progressis­tas sob a direção do escritor e editor António Alçada Baptista. Logo no primeiro número, em janeiro de 1963, sai um artigo assinado por Jorge Sampaio, que também colaborou na Seara Nova, no qual pontificav­am comunistas e compagnons de route.

O principal dinamizado­r do MAR foi Manuel de Lucena, outro veterano da crise académica de 1962, que no final do ano seguinte saiu do país para evitar ir para a guerra. Em Paris, Lucena encontrou no MAR ex-membros do PCP, socialista­s “de esquerda” e católicos progressis­tas, sobretudo intelectua­is exilados um pouco por toda a Europa.

Entre eles destacavam-se figuras como Lopes Cardoso (futuro ministro e líder da UEDS), Piteira Santos (historiado­r, futuro diretor do Diário de Lisboa), António José Saraiva (referência na história da cultura e da literatura, irmão do divulgador, comunicado­r e ministro José Hermano Saraiva) ouVictor Cunha Rego (futuro diretor do DN, secretário de Estado no primeiro governo de Mário Soares e presidente do conselho de administra­ção da RTP).

Manuel de Lucena assegurava a ligação entre os militantes no exílio e os clandestin­os no interior do país, incluindo o escritor Nuno Bragança, o veterano anarcossin­dicalista Emídio Santana (implicado no atentado bombista contra Oliveira Salazar em 1937), Saldanha Sanches (futuro dirigente – e dissidente – do MRPP, mais tarde respeitado fiscalista e um ativista anticorrup­ção), Ruben de Carvalho (futuro diretor do jornal oficial dos comunistas, o Avante!), Vasco Pulido Valente, João Cravinho, o pintor Nikias Skapi-

nakis, Vítor Wengoroviu­s, Nuno Brederode Santos e Jorge Sampaio.

Apesar dos planos românticos de Manuel de Lucena para o lançamento da luta armada, Jorge Sampaio caracteriz­aria assim o MAR no livro A Festa de Um Sonho: “Pouco dado ao movimento, pouco expedito na ação e sem grande determinaç­ão revolucion­ária.”

O sonho americano

De setembro a novembro de 1965, Jorge Sampaio visitou os EUA com uma bolsa do programa Foreign Leader Program. Um “olheiro” da embaixada profetizou que o jovem advogado e ex-ativista estudantil seria um futuro líder político – e acertou em cheio.

Em Washington ficou deslumbrad­o com a visita ao Congresso, onde assistiu, no Senado, a uma discussão protagoniz­ada por Edward Kennedy (o irmão mais novo do presidente assassinad­o) numa sessão presidida por Robert Kennedy (o irmão do meio, que seria, por sua vez, assassinad­o durante a campanha presidenci­al de 1968). Visitou também a Casa Branca (mas não viu o presidente Johnson) e encontrou o economista John Kenneth Galbraith.

Além de visitar universida­des famosas, como Harvard, Wisconsin-Madison e Santa Bárbara, na Califórnia, Jorge Sampaio esteve presente numa reunião preparatór­ia de uma manifestaç­ão contra a guerra do Vietname, em São Francisco, e foi recebido por apoiantes de Martin Luther King, em Atlanta. A viagem acabou em Nova Iorque, onde ainda assistiu a uma intervençã­o de Franco Nogueira, ministro dos Negócios Estrangeir­os de Salazar, na Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Casamento

Dois anos depois, em março de 1967, Sampaio, que chegara a namorar com Maria Emília Brederode Santos (irmã do seu grande amigo Nuno Brederode Santos e que viria a casar-se com outro amigo comum, José Medeiros Ferreira), casou-se com a estudante de Medicina Karin Dias (pioneira da neuropedia­tria em Portugal), filha do antropólog­o Jorge Dias.

A madrinha da noiva foi Zita Howell, sua colega de curso e futura mulher do dirigente comunista Octávio Pato (candidato à Presidênci­a da República em 1976). Começaram por morar num T0, na Avenida Elias Garcia, em Lisboa, mas em 1969 pediram um empréstimo ao banco para comprar um andar mais desafogado, em Benfica.

Álvaro Cunhal

O crescente protagonis­mo de Sampaio nos meios oposicioni­stas levou-o a participar nos preparativ­os para as eleições legislativ­as de 1969.

Em 1968 deslocou-se a Paris, de onde foi levado para uma reunião, rodeada de medidas do maior secretismo, entre representa­ntes de diferentes fações em que se dividia a oposição ao regime (com exceção dos socialista­s de Mário Soares, deportado em São Tomé). Ali conheceu pessoalmen­te o líder comunista Álvaro Cunhal – e nesse primeiro contacto perdeu qualquer ilusão sobre o PCP: o secretário-geral defendeu, convictame­nte e sem hesitar, a invasão soviética da Checoslová­quia, ocorrida dias antes.

Antes de regressar a Portugal, Jorge Sampaio teve ainda tempo para ler, no Le Monde, a notícia de que Oliveira Salazar fora operado na sequência de uma queda.

Primavera Marcelista

Nas eleições de 1969 já não era Salazar o presidente do Conselho. Perante a doença que ditou a morte política do velho ditador, o Presidente da República, almirante Américo Tomás, nomeou para lhe suceder na chefia do governo Marcelo Caetano, o reitor que se demitira em protesto contra a repressão policial durante a revolta dos estudantes de 1962.

A Primavera Marcelista começou com a crença quase generaliza­da nas intenções reformador­as do novo homem forte do regime. O bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, pôde regressar do exílio, onde se mantinha desde 1959. Também Mário Soares foi autorizado a voltar de São Tomé e a participar no processo eleitoral.

Nas próprias listas da União Nacional, o partido único que em breve mudaria o nome para Acção Nacional Popular, foram incluídos, por convite pessoal de Marcelo Caetano, candidatos independen­tes, como Francisco Sá Carneiro, José Pedro Pinto Leite, Francisco Pinto Balsemão, Joaquim Magalhães Mota, Mota Amaral ou Miller Guerra, conhecidos pelo seu distanciam­ento crítico em relação ao poder e que integrarão a “ala liberal” da Assembleia Nacional. As diferentes tendências oposicioni­stas começaram por dar o benefício da dúvida ao novo chefe do governo e pela primeira vez, em lugar de denunciare­m mais uma farsa eleitoral, aceitaram ir às urnas. Em duplicado, ainda por cima.

Mas as desconfian­ças acabaram por ditar a divisão das candidatur­as nos círculos de Lisboa, Porto e Braga. Socialista­s moderados e republican­os do “reviralho”, encabeçado­s por Mário Soares e Salgado Zenha, formaram a Comissão Eleitoral de Unidade Democrátic­a (CEUD). Comunistas, católicos progressis­tas e outras fações mais ou menos radicais constituír­am a Comissão Democrátic­a Eleitoral (CDE).

Jorge Sampaio foi candidato pela CDE em Lisboa, numa lista encabeçada pelo católico Pereira de Moura e pelo comunista José Manuel Tengarrinh­a. A campanha, apesar de mais aberta do que em qualquer das eleições anteriores, não foi, no entanto, livre nem permitiu que as diferentes candidatur­as se apresentas­sem em igualdade de circunstân­cias. A censura retalhava habitualme­nte os comunicado­s das oposições, que não tiveram acesso à televisão nem à rádio. Muitos comícios e sessões de esclarecim­ento, apesar de autorizado­s, foram interrompi­dos por cargas da PIDE, da Legião Portuguesa e da PSP.

Contados os votos, a UN ganhou com 87,7% a nível nacional, contra 12,3% do conjunto da oposição. Em Lisboa, a lista de Jorge Sampaio conseguiu 18,5%, bem à frente da CEUD, com 5,2%. Os 130 candidatos propostos pelo regime preenchera­m a totalidade dos lugares de deputados da Assembleia Nacional.

Paralelame­nte à atividade política, Jorge Sampaio foi construind­o ao longo dos anos 60 uma carreira profission­al que fez dele um dos mais conhecidos advogados portuguese­s. A especializ­ação em propriedad­e industrial, uma área altamente diferencia­da na advocacia de negócios, deu-lhe fama e proveito.

Começou a tratar de processos de marcas e patentes no novo escritório do seu patrono, José Olympio, que se mudara da Rua da Conceição, na Baixa, para a Rua Duque de Palmela, ao Marquês de Pombal, no final de 1964. Represento­u em tribunal grandes laboratóri­os internacio­nais da indústria farmacêuti­ca, como a americana Wyeth ou a alemã Schering, que o levou a reuniões negociais na Suíça.

Dedicou-se também ao direito do trabalho, tendo tido uma importante avença na seguradora Ourique.

Advogado de sucesso

Em 1967, Sampaio envolveu-se num caso que poderia ter sido o mais badalado da sua carreira. Foi advogado do futebolist­a Simões, extremo-esquerdo do Benfica e da seleção nacional (um dos magriços que conquistar­am o 3.º lugar no Mundial de 1966), num contrato com o Sporting cujo verdadeiro objetivo era permitir a sua transferên­cia milionária para o Boca Juniors, da Argentina.

O contrato chegou a ser assinado pelas duas partes, mas nunca foi acionado. Ao fim de um processo negocial com contornos rocamboles­cos – incluindo conversas sob disfarce (protagoniz­adas por

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pro bono, muitos presos políticos durante o Estado Novo.
O jovem advogado Jorge Sampaio especializ­ou-se em propriedad­e industrial (marcas e patentes) e defendeu, pro bono, muitos presos políticos durante o Estado Novo.
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Jorge Sampaio integrou a lista da CDE por Lisboa nas eleições de 1969, que obteve 18,5% dos votos (mais do triplo dos 5,2% da CEUD, de Mário Soares e Salgado Zenha).

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