Maria José Ritta
Descontente com o rumo da CDE, que apoiara de alma e coração em 1969 e agora constatava ser mais uma correia de transmissão controlada pelo PCP, Jorge Sampaio procurou organizar uma esquerda socialista independente, alternativa aos comunistas, à social-democracia de Mário Soares (que, apesar da sua moderação, fora obrigado a exilar-se em Paris, em 1970) e também às tentações perigosas da luta armada e dos atentados bombistas – por ordem de entrada em cena: Frente de Ação Popular (FAP), cisão maoísta do PCP, Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR), responsável pelo espetacular assalto ao Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967, Ação Revolucionária Armada (ARA), inconfessado braço armado do PCP, e as já referidas Brigadas Revolucionárias.
Sampaio conseguiu fazer convergir à sua volta pessoas com ideias e origens muito diferentes, unidas na vontade de criar essa alternativa: desde logo os amigos intelectuais (advogados, e não só) do “grupo do Florida”, nome do hotel vizinho do seu escritório, em cujo bar habitualmente almoçavam e discutiam; católicos progressistas que tinham estado a seu lado na CDE, em 1969; sindicalistas com influência nas novas direções desafetas ao regime que tinham aproveitado a abertura para tomar por dentro os velhos sindicatos corporativos, com destaque para Agostinho Roseta e Manuel Lopes, e ativistas estudantis, oriundos quase todos de Económicas, incluindo os futuros ministros Ferro Rodrigues, Augusto Mateus eVieira da Silva.
O núcleo duro do grupo era formado por Vítor Wengorovius, Agostinho Roseta e José Dias, além do próprio Sampaio. Mais tarde juntar-se-lhes-ia o arquiteto Nuno Teotónio Pereira, líder informal dos católicos progressistas, e César Oliveira.
As eleições legislativas de outubro de 1973 foram muito diferentes das de 1969. No início de abril daquele ano realizou-se o Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, que marcou a reaproximação entre comunistas e socialistas. Sampaio e os seus correligionários, autoproclamados “ala esquerda” ou “setor não-reformista” da CDE, primaram
Jorge Sampaio com Melo Antunes
(em primeiro plano, à direita) e o socialista Jorge Campinos (ao meio, de gabardina) em abril de 1975, nas vésperas da celebração do primeiro aniversário do 25 de Abril. pela ausência. Ainda em abril, socialistas idos de Portugal e de vários núcleos da emigração juntaram-se a Mário Soares em Bad Munstereifel, na então Alemanha Ocidental, para fundarem o PS, sob os auspícios do SPD de Willy Brandt e com o apoio da Internacional Socialista. Antes e depois disso, Mário Soares e Álvaro Cunhal encontraram-se em Paris para acordarem num Programa Comum, à imagem e semelhança do que tinham feito o PS e o PC franceses poucos meses antes.
Cada vez mais radical, o grupo de Jorge Sampaio abandonou formalmente a CDE, denunciando o “reformismo” do movimento, e ficou fora da campanha eleitoral, que, aliás, culminou na desistência da oposição, em protesto contra a falta de liberdade.
Os chamados “socialistas independentes” tomaram como referência o pequeno Partido Socialista Unificado (PSU) francês, de Michel Rocard (futuro primeiro-ministro do presidente François Mitterrand), mas, nos últimos meses de 1973 e no início de 1974, resvalaram cada vez mais para a esquerda.
Jorge Sampaio divorciara-se em 1971, e desde então morava sozinho em Benfica. Em setembro de 1973 conheceu Maria José Ritta, que lhe foi apresentada por um casal de amigos comuns, o historiador César Oliveira e Marta de Freitas.
Filha de José António Ritta, um industrial de conservas dono de uma frota de pesca, Maria José teve uma infância e adolescência “à antiga”: aluna interna em colégios de freiras. Quando terminou o liceu e disse ao pai que queria tirar Direito, foi terminantemente proibida.Tinha era de ficar em casa, à espera que ele lhe escolhesse um marido.
Não ficou: mal fez 21 anos (a maioridade, na altura), saiu de casa e veio para Lisboa, onde arranjou emprego e se tornou independente.Trabalhou como tradutora, fez bailado e chegou a ser modelo, enquanto tirava os cursos de Tradutora-Intérprete e de Gestão e Administração de Empresas no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA). Em 1967 entrou para a TAP, por concurso. Foi a primeira mulher a chegar a um cargo de chefia na transportadora aérea. O namoro foi breve. Casaram-se a 6 de abril de 1974 e passaram a lua-de-mel no Norte.
Enfim, livres
A revolução apanhou Jorge Sampaio de surpresa – e casado de fresco. Divorciado de Karin desde 1971, voltara a casar-se, a 6 de abril de 1974, com Maria José Ritta (ver caixa). Foi César Oliveira quem lhe telefonou de madrugada, no dia 25, com a notícia de que a tropa estava na rua. Ainda foi para o escritório, mas acabou por ir buscar a mulher ao trabalho, na vizinha loja da TAP, na Praça Marquês de Pombal, e foram para casa, conforme “mandavam” os comunicados do MFA lidos aos microfones do Rádio Clube Português. Sampaio foi dos raros lisboetas que não saíram à rua para ver a Revolução dos Cravos...
O advogado passou o dia seguinte em Caxias, a exigir aos novos donos do poder a libertação de todos os presos políticos. As fotos da época mostram-no com ar decidido ao lado de oficiais do MFA, juntamente com Salgado Zenha, Pereira de Moura, o ator Rogério Paulo e Francisco Sousa Tavares, acompanhado do filho, o muito jovem Miguel Sousa Tavares.
Depois de alguma hesitação – Spínola tentou inicialmente excluir da libertação os acusados de crimes de sangue –, os presos políticos acabaram por sair todos de Caxias e de Peniche.
A 27 de abril, Sampaio publicou pela primeira vez um artigo sem censura, no semanário Expresso, e a 30 teve honras de entrevista na RTP, num programa especial sobre o dia seguinte: o primeiro 1.º de Maio.