À conquista do PS
Após a vitória do PS nas legislativas de 1976, com o PCP atrás do CDS, Sampaio escreveu: “A social-democracia perdeu as eleições.”
A radicalização da esquerda levou Sampaio a aproximar-se do PS, partido de que se tornou militante na secção de Benfica com o n.º 102.279.
A primeira missão de Sampaio como militante socialista foi a chefia de uma delegação a Moçambique para negociar com o governo de Samora Machel.
Pontes A Intervenção Socialista surgiu como grupo de reflexão para aproximar PS e PCP, mas sem sucesso. Mas a linha dura comunista acabou por o aproximar dos socialistas e torna-se militante no final de 1977. Dois anos depois foi eleito deputado e, em 1981, acabou a fazer parte do ex-Secretariado.
Terminada a breve experiência governativa de 1975, Jorge Sampaio continuou ativo na política. Com outros ex-MES, formou a Intervenção Socialista (IS), um clube de reflexão com o objetivo de lançar pontes entre o PS e o PCP – missão impossível no contexto da época, dado o clima de pré-guerra civil que opusera aqueles dois partidos durante o PREC – e, ao mesmo tempo, fazer eco das posições de Melo Antunes, líder político do Grupo dos Nove, que emergira do 25 de Novembro como a nova força dominante entre os militares do MFA.
Mais conhecida por GIS (Grupo de Intervenção Socialista), designação que nunca foi aceite de bom grado pelos seus membros, a nova formação tinha grande visibilidade na imprensa graças à presença quinzenal de Sampaio no Expresso, com artigos de opinião publicados na coluna “Canto Esquerdo”. Não foi surpresa para ninguém que Sampaio se tornasse o presidente da comissão diretiva da IS.
Nas vésperas das primeiras eleições legislativas, em abril de 1976, a IS apelou ao “voto útil de esquerda”, isto é, no PS ou no PCP. Mário Soares repetiu a vitória das eleições do ano anterior para a Constituinte, mas ficou longe da maioria absoluta e empenhou-se na formação de um governo minoritário do PS sozinho. Sampaio, apostado em fazer funcionar a “maioria de esquerda” (o PCP ficara em 4.º lugar, com 14,4%, atrás do CDS), intitulou o comunicado da IS em que fazia o balanço da votação “A social-democracia perdeu as eleições”.
Foi o pretexto para uma polémica assanhada com Francisco Sousa Tavares, então diretor d’A Capital, que não poupou nas palavras: “Desde a CDE ao MES, e agora ao GIS, houve uma permanência de intelectualismo esquerdista característico de posições de adolescência verbalisticamente revolucionária e essencialmente burguesa.”
A caminho do PS
O verbalismo revolucionário parecia confirmar-se: Sampaio votou em Otelo nas presidenciais de junho de 1976. Em 1977, a IS participou na 2.ª Conferência dos Partidos e das Organizações Socialistas Progressistas do Mediterrâneo, em Malta, onde se defendeu a “eliminação de toda e qualquer presença militar estrangeira” e se apoiou a OLP e a Frente Polisário. A presença numa mesa-redonda sobre “O socialismo e os sistemas políticos”, na Jugoslávia de Tito, foi mais um exemplo das tendências terceiro-mundistas então apontadas a Jorge Sampaio, que na frente interna continuava a pugnar por um entendimento entre o PS e o PCP.
Mas a queda do I Governo Constitucional, derrubado em dezembro de 1977 na sequência da não-aprovação de uma moção de confiança chumbada pelo PCP, provocou um abalo na IS – e em Sampaio, que se foi aproximando paulatinamente do PS, apesar de saber que o governo seguinte resultaria de um acordo com o CDS. Após negociações pessoais com Mário Soares, ansioso por compensar a saída de Lopes Cardoso e de outros membros da ala esquerda socialista, a IS aderiu em bloco ao PS, encabeçada por Sampaio, Cravinho, José Manuel Galvão Teles, Nuno Portas, Nu
no Brederode Santos e Bénard da Costa. Como “bónus”, entraram ainda vários amigos de Sampaio, compagnons de route do “grupo do Florida” mas que não tinham pertencido à IS, entre os quais Vera Jardim e Miguel Galvão Teles.
Jorge Sampaio tornou-se militante da secçãodoPSdeBenfica,comon.º102.279.
Mudanças profissionais e familiares Mas não foi só na política que a vida de Sampaio deu uma volta em 1977. Logo no início do ano, deixou o escritório da Duque de Palmela e instalou-se na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro, passando a integrar a sociedade encabeçada porVera Jardim e de que faziam parte os seus velhos amigos Jorge Santos e Miguel Galvão Teles.
A 11 de março do mesmo ano nasceu a primeira filha, Vera. A família ficou completa a 19 de julho de 1980, com o nascimento de André. Outra mudança ocorreu já em 1978, mas na prática desportiva: começou a reduzir os jogos de futebol. Em compensação, tornou-se um entusiasta do golfe, tendo como professor um dos mais conhecidos profissionais portugueses, Tony Barnabé.
A primeira missão de Sampaio como militante socialista foi a chefia de uma delegação a Moçambique para negociar com o governo de Samora Machel o contencioso entre os dois países, com destaque para o complicado processo da Barragem de Cahora Bassa, construída por Portugal nos últimos anos antes da independência e cujo investimento nunca fora amortizado pelo novo país.
Após três viagens a Maputo ao longo de 1978, durante a vigência do segundo governo de Mário Soares e no de Nobre da Costa (morto à nascença pelo chumbo do respetivo programa no Parlamento), Sampaio concluiu que a única forma de desbloquear os problemas era através de uma solução política tomada ao mais alto nível, como viria a acontecer anos depois. Entretanto, viu-se afastado das negociações com Moçambique pelo governo de Mota Pinto, sendo nomeado representante de Portugal na Comissão Europeia dos Direitos do Homem, em Estrasburgo.
Deputado e autarca
No início de março de 1979, Jorge Sampaio participou pela primeira vez num congresso do PS e foi eleito para a comissão nacional. Na primeira reunião desta, foi proposto pelo secretário-geral Mário Soares para integrar o novo secretariado, a cúpula dirigente do PS. A convite de Salgado Zenha, número dois socialista, fez também parte da equipa fundadora do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, uma nova fundação do partido.
O chumbo do Orçamento apresentado por Mota Pinto, em março de 1979, deu origem a uma nova crise governamental. Em vez de experimentar uma solução apoiada pelo PS e pelos dissidentes do PSD, Eanes voltou a apostar num Executivo de iniciativa presidencial e nomeou primeira-ministra a independente Maria de Lourdes Pintasilgo, católica progressista, com a missão de conduzir o país a eleições legislativas intercalares.
A 2 de dezembro de 1979 Sampaio foi eleito deputado pela primeira vez, pelo círculo de Lisboa. Mas o PS sofreu uma derrota sem apelo nem agravo: a coligação AD (PSD/CDS/PPM) ganhou as eleições com maioria absoluta. Sá Carneiro tornou-se primeiro-ministro e, pela primeira vez desde o 25 de Abril, a esquerda estava afastada do poder.
Dias depois foram as eleições autárquicas, com Jorge Sampaio a ser eleito para a Assembleia Municipal da Amadora, onde a Câmara foi ganha pela coligação comunista APU.
Um mau negócio
A maior parte de 1980 foi passada a preparar as duas eleições marcadas para esse ano: legislativas em outubro e presidenciais em dezembro.
Traumatizado pela dupla derrota (nas intercalares e nas autárquicas) às mãos da AD, o PS empenhou-se em formar também uma coligação. Seria a Frente Republicana e Socialista (FRS), com duas pequenas formações: uma para cobrir o flanco direito, a Acção Social-Democrata Independente (ASDI), liderada por Sousa Franco e Magalhães Mota, dissidentes do PSD, e a outra para dar cobertura à esquerda, a União de Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS), constituída em torno do ex-ministro e dissidente socialista Lopes Cardoso.
A nível interno, a direção do PS começava a acusar o desgaste do afastamento do poder. O secretariado, entretanto remodelado, afastava-se progressivamente da figura tutelar do secretário-geral. Quando a cúpula socialista se reuniu em Nafarros para ponderar o nome do candidato a apoiar contra o general Soares Carneiro, que acabara de ser anunciado como o presidenciável lançado pela direita, Mário Soares verificou que a esmagadora maioria do secretariado – incluindo Salgado Zenha, até então considerado um indefetível do líder – preferia apoiar a recandidatura de Eanes em vez da sua própria candidatura.
Mário Soares nunca perdoara a Eanes a demissão do II Governo Constitucional. Os executivos de “iniciativa presidencial” tinham sido outras tantas achas para a fogueira. O líder socialista estava convencido de que o general acalentava um projeto de poder pessoal que passava pelo esvaziamento do PS. Quando a maioria da direção do partido decidiu formalizar o apoio a Eanes, a rutura com o secretário-geral tornou-se inevitável.
A 5 de outubro de 1980, novo balde de água fria: a coligação de direita repetiu a vitória nas legislativas, reforçando a maioria absoluta. A FRS valeu apenas um aumento de 0,4% em relação ao resultado do PS sozinho no anterior, sem alteração do número de deputados. Pior: esse número teria ainda que acolher os eleitos da ASDI e da UEDS nas listas da Frente.
Contas feitas, a FRS foi“um mau negócio” para o PS, desabafou Mário Soares.
PS dividido
Em plena pré-campanha para as presidenciais, Soares aproveitou as declarações de Ramalho Eanes numa conferência de imprensa para fazer rebentar uma autêntica bomba política. O Presidente dissera que não havia contradições entre os seus princípios e os da AD, que os seus modelos de conceção política eram “semelhantes”, até “idênticos”. Todo o PS ficou incomodado e Ramalho Eanes viu-se obrigado a emendar a mão. Mas Soares é que já não o largou. Em tom dramático, anunciou retirar o apoio a Eanes “como cidadão” e, como líder do PS, “autossuspender-se” de secretário-geral se o partido optasse por manter aquele apoio.
O secretariado e a comissão nacional do PS decidiram manter o apoio ao general Eanes; Mário Soares ficou isolado. Foi o início de uma divisão que deixou marcas, a mais visível das quais seria a rutura com o seu íntimo amigo de longa data Salgado Zenha. Jorge Sampaio viu-se e desejou-se para desmentir a acusação de que era um eanista infiltrado no PS.
Eanes ganhou mesmo as eleições, realizadas em ambiente de grande emoção devido à morte do primeiro-ministro, Sá Carneiro, do ministro da Defesa, Amaro da Costa, e de mais cinco pessoas na tragédia de Camarate, três dias antes, a 4 de dezembro.
No início de 1981, Mário Soares partiu à reconquista do PS. Correu o país de lés a lés para tomar o pulso às secções e cativar os militantes. Meses depois, as eleições para os delegados ao 4.º congresso recompensaram o esforço. O regressado secretário-geral ganhou em toda a linha. Quando um repórter lhe perguntou se tinham rolado cabeças, respondeu:“A única cabeça que rolou foi a do meu dedo.” Na verdade, dias antes Soares perdera uma falangeta na sequência de ter entalado um dedo na porta do carro.
Mas não era bem assim. Apesar de o secretariado cessante ter conseguido eleger um terço da nova comissão nacional (de eleição proporcional pelo método de Hondt), os órgãos de direção executiva foram todos preenchidos por apoiantes de Mário Soares.
Jorge Sampaio e companheiros caíram em desgraça. Passaram a ser conhecidos como “o ex-secretariado”.