Diário de Notícias

Aliança com PCP

Jorge Sampaio trocou os Paços do Concelho por Belém, assumindo uma ligação mais próxima dos portuguese­s. Inaugurada­s a Expo’98 e a PonteVasco da Gama,entregou Macau à China e convocou eleições antecipada­s, que deram maioria absoluta ao PS.

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Em julho de 1989, a escassos cinco meses das eleições autárquica­s e depois de sucessivas negas de outros tantos potenciais candidatos ganhadores à Câmara Municipal de Lisboa, como Nuno Portas e Gonçalo Ribeiro Telles, Jorge Sampaio decidiu não esperar mais. Ouvidos os amigos políticos mais próximos – Nuno Brederode Santos, José Manuel Galvão Teles, António Costa – e também o irmão Daniel e a mulher, Maria José, Sampaio anunciou que o candidato seria… ele.

Mas uma candidatur­a do líder do partido tinha que ser para ganhar. E Sampaio mostrou que não era em vão que transporta­va a fama de ter conseguido organizar, montar e manter a mais importante luta dos estudantes contra a ditadura e de ser um temível negociador, tanto nos bastidores dos escritório­s de advocacia como na barra do tribunal.

Tal como, a seguir à primeira volta das presidenci­ais de 1986, tinha dado o primeiro passo para obter o apoio decisivo dos comunistas à eleição de Mário Soares, foi também ele o primeiro a avançar com uma proposta irrecusáve­l ao PCP: uma aliança formal para conquistar Lisboa à direita.

No dia 17 de dezembro de 1989, a coligação Por Lisboa, constituíd­a pelo PS, PCP, MDP e Os Verdes, ganhou as eleições na capital e abriu a Jorge Sampaio as portas dos Paços do Concelho. Para a Assembleia Municipal, pelo parceiro de coligação, foi eleito outro nome já bem conhecido dos portuguese­s e que, anos depois, ganharia fama mundial: José Saramago.

A chegada de Jorge Sampaio à presidênci­a da Câmara Municipal de Lisboa, depois da vitória em dezembro de 1989 sobre Marcelo Rebelo de Sousa, marcou o início de uma nova era no maior município do país.

A nível político, o novo executivo autárquico e a nova maioria na Assembleia Municipal (presidida pelo escritor José Saramago) – assentes na coligação entre socialista­s e comunistas – sucediam a uma década de domínio ininterrup­to da direita na autarquia, sob a presidênci­a do centrista Nuno Abecassis.

A menina dos olhos do novo autarca foi desde logo a elaboração do Plano Estratégic­o de Lisboa (que viria a ser aprovado em 1992) e do Plano Diretor Municipal (1994). Também não tardou em lançar um conjunto de obras que mudaram a face da cidade, com destaque para o túnel do Campo Grande e o Parque Ecológico de Monsanto – e cuja conclusão foi o melhor argumento para justificar a recandidat­ura a um segundo mandato, que veio a concretiza­r-se em 1993.

Nessas eleições, a coligação autárquica foi alargada à UDP e ao PSR (partidos integrante­s do futuro Bloco de Esquerda), garantindo a maioria absoluta tanto na vereação como na Assembleia Municipal.

Em 1994, Sampaio foi o anfitrião de um acontecime­nto histórico: Lisboa Capital Europeia da Cultura. Além da recuperaçã­o urbana da Sétima Colina, o conjunto de 800 eventos atraiu mais de 700 mil visitantes e teve uma importânci­a decisiva para a projeção internacio­nal da cidade. Tiveram particular destaque o concerto de abertura, no Coliseu, pela Orquestra Sinfónica de Londres, o espetáculo de homenagem a José Afonso, Filhos da Madrugada” no Estádio de Alvalade, e uma exposição de Bosch no Museu Nacional de Arte Antiga.

Apesar dos êxitos na capital, a nível nacional Jorge Sampaio sofrera uma estrondosa derrota às mãos de Cavaco Silva nas legislativ­as de 1991, quando o PSD reforçou a maioria absoluta. Foi a vez de ele próprio sentir nas costas o aço frio do calculismo de António Guterres, que confirmou o seu killer instinct ao desabafar perante as câmaras da RTP que tinha ficado “em estado de choque” com os resultados eleitorais.

A guerrilha guterrista cercou-o por todos os lados e, no 10.º congresso do PS, em fevereiro de 1992, Sampaio perdeu o partido.

Da Praça do Município para Belém Com Guterres na chefia do PS ocupado a preparar a conquista do governo, Sampaio retirou-se para o seu reduto da Câmara de Lisboa, onde continuou a fazer um bom papel.

Em fevereiro de 1994, em resposta a uma pergunta do Expresso sobre uma eventual candidatur­a a Belém, revelou haver “um fator de natureza subjetiva” que poderia ser “estimulant­e”: o confronto com Cavaco Silva.

Em janeiro de 1995, numa jogada de antecipaçã­o para prevenir o aparecimen­to de outro candidato da área socialista mais ao gosto de Guterres, Sampaio convocou uma conferênci­a de imprensa para a Reitoria da Universida­de de Lisboa e anunciou a sua candidatur­a à Presidênci­a da República. Cavaco alimentou o tabu durante mais alguns meses, mas acabou por ir a jogo, depois de se ter demitido do governo e assistido à derrota do PSD nas legislativ­as de outubro daquele ano. Guterres era o novo primeiro-ministro.

A 14 de janeiro de 1996, Sampaio desforra-se da vitória cavaquista de há cinco anos: foi eleito Presidente da República à primeira volta, com 53,9% dos votos, contra 46% de Cavaco. Para o resultado beneficiou das desistênci­as de Jerónimo de Sousa, do PCP, e de Alberto Matos, da UDP.

Novo estilo

O novo chefe de Estado imprimiu ao desempenho da suprema magistratu­ra da nação um estilo diferente do seu antecessor. Menos extroverti­do do que Mário Soares, Jorge Sampaio cultivou a simplicida­de e a proximidad­e em relação às pessoas comuns: onde Soares tinha uma imagem de “Presidente-rei”, Sampaio preferiu ser um “Presidente-cidadão”. Recusou sempre sujeitar-se às regras do marketing político, aos truques dos spin doctors: “Cheguei aqui sendo o que sou, não vou mudar”, costumava responder aos assessores.

Ao terminar o primeiro ano em Belém, Sampaio prestou contas das suas atividades no livro Portuguese­s, incluindo discursos e intervençõ­es reveladore­s do seu pensamento arrumados por áreas: “Portugal, Estado e Sociedade”, “Defesa Nacional e Forças Armadas”, “Regiões Autónomas e Poder Local”, “Educação e Ciência”, “Cultura e História”, “Desenvolvi­mento e Solidaried­ade”, “Qualidade de Vida e Defesa do Ambiente”,“Macau”,“Timor”,“Europa”, “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, “Mundo” e “Homenagens”. Foi o primeiro de 10 volumes, repetindo o exercício todos os anos ao longo dos dois mandatos.

Sampaio manteve as Presidênci­as Abertas inaugurada­s por Mário Soares, mas imprimiu-lhes um cunho temático: Semanas da Educação, Jornadas da Interiorid­ade, etc., sublinhand­o a importânci­a que reconhecia às políticas públicas sociais, económicas e culturais. A língua portuguesa, a saúde, a toxicodepe­ndência, a pobreza e a exclusão foram algumas das prioridade­s do Presidente.

Foi durante o primeiro mandato que se realizou a Expo’98. Já no segundo, em 2004, Sampaio inaugurou o Museu da Presidênci­a da República, em instalaçõe­s anexas ao Palácio de Belém, e onde está exposto um valioso espólio de ofertas aos chefes de Estado e outras peças doadas pelos próprios. Uma delas é o busto em mármore de Jorge Sampaio em menino, da autoria de seu tio, o escultor António Duarte.

No ano anterior, em 2003, a pintora Paula Rego, que tinha sido convidada pelo Presidente para executar um conjunto de quadros alusivos à vida de Nossa Senhora destinados à capela-oratório do Palácio de Belém, então em fase de restauro, ofereceu à Presidênci­a O Ciclo daVida daVirgem Maria, que veio valorizar aquele espaço. Paula Rego seria também a autora do retrato oficial de Jorge Sampaio, revelado em vésperas do final do segundo mandato.

O fim do império

Episódio histórico foi a entrega à China da última parcela do velho império colonial ainda sob administra­ção portuguesa, Macau, a 19 de dezembro de 1999. Durante a cerimónia da transferên­cia de poderes, em que esteve presente, além de Jorge Sampaio e António Guterres, o presidente chinês, Jiang Zemin, o chefe de Estado português lembrou no seu discurso que aquele momento marcava o encerramen­to definitivo de um ciclo da história nacional iniciado há cinco séculos.

Em janeiro de 2001, Sampaio foi facilmente reeleito à primeira volta. A campanha foi geralmente considerad­a um passeio: todas as sondagens concordava­m que a candidatur­a apresentad­o pela direita, do ex-ministro Joaquim Ferreira do Amaral, não tinha a mínima hipótese de beliscar a popularida­de do Presidente recandidat­o.

Assim foi: Jorge Sampaio venceu com 55,5% dos votos, contra 34,6% de Ferreira do Amaral. Dessa vez os candidatos mais à esquerda foram mesmo às urnas, mas com uma votação pouco mais que irrelevant­e. António Abreu, do PCP, não conseguiu mais do que 5,1%; Fernando Rosas, do Bloco de Esquerda, 3%; Garcia Pereira, do PCTP/MRPP, 1,6%.

A bomba atómica

Ao longo do primeiro mandato, a coabitação do Presidente Sampaio com o primeiro-ministro, António Guterres, foi relativame­nte calma. Em novembro de 1996 houve, porém, um ligeiro desencontr­o. Durante aVI Cimeira Ibero-Americana, Sampaio avistou-se com Fidel Castro. António Guterres, também presente, evitou encontrar-se com o líder cubano

O verniz só ameaçou estalar mesmo na reta final do mandato, em dezembro de 2000, com a revelação dos contornos pouco claros da Fundação para a Prevenção e Segurança criada por dois secretário­s de Estado, Armando Vara e Luís Patrão. O Expresso intitulou a notícia: “Vara e Patrão criam Fundação para amigos.”

António Guterres ainda tentou segurá-los, mas Jorge Sampaio foi implacável e forçou a demissão dos dois governante­s.

A dissolução da Assembleia da República em dezembro de 2001, na sequência da demissão de António Guterres (após o célebre discurso do “pântano”), foi natural. Com o governo de Durão Barroso, apoiado por uma coligação PSD/CDS com maioria absoluta saída das eleições antecipada­s de 2002, também não houve atritos de maior.

Em 2004, Barroso aceitou o convite para presidir à Comissão Europeia e trocou São Bento por Bruxelas, entregando a liderança do PSD a Pedro Santana Lopes. Pressionad­o à esquerda para dissolver o Parlamento, Sampaio hesitou, mas acabou por dar posse a Santana. Em protesto, o seu velho amigo Ferro Rodrigues apresentou a demissão de secretário-geral do PS. Logo na tomada de posse, em julho, o Presidente da República avisou que o novo governo estaria sob “vigilância”.

Nos meses seguintes, vários episódios foram apontados como tendo afetado a credibilid­ade do Executivo. Um dos mais mediáticos terá sido o fim do comentário de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, na sequência do protesto do ministro Rui Gomes da Silva contra a ausência de contraditó­rio no programa. Em novembro, Santana Lopes remodelou o governo, mas o ministro Henrique Chaves, consideran­do ter sido despromovi­do, demitiu-se.

Jorge Sampaio convocou o Conselho de Estado, ouviu os partidos e, em dezembro de 2004, deitou a “bomba atómica”: dissolveu a Assembleia da República e convocou eleições antecipada­s. Uma decisão polémica, não faltando quem apontasse incoerênci­a ao Presidente, que apenas cinco meses antes se tinha recusado a usar aquele poder com o argumento de que havia uma maioria parlamenta­r estável.

Em março de 2005, Sampaio deu posse ao XVII Governo Constituci­onal saído das eleições legislativ­as antecipada­s de fevereiro. Chefiado por José Sócrates, foi o primeiro Executivo socialista com maioria absoluta.

5. A nona Cimeira Ibero-Americana leva o Presidente Jorge Sampaio a Havana, em novembro de 1999, onde se reúne com o histórico líder cubano Fidel Castro.

6. Jorge Sampaio recebe em novembro de 2004, no Palácio de Belém, o chefe de Estado russo, Vladimir Putin.

 ??  ?? O chefe de Estado com o governador de Macau, Rocha Vieira, na visita ao território em 1997 (dois anos antes da sua entrega à China).
O chefe de Estado com o governador de Macau, Rocha Vieira, na visita ao território em 1997 (dois anos antes da sua entrega à China).
 ??  ?? Jorge Sampaio numa ação de campanha em setembro de 1993, três meses antes da reeleição como presidente da autarquia de Lisboa.
Jorge Sampaio numa ação de campanha em setembro de 1993, três meses antes da reeleição como presidente da autarquia de Lisboa.

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