Encontros com políticos influentes cá e lá fora
Depois de, em 2006,terminar a carreira política na Presidência da República, Jorge Sampaio canalizou o seu empenho em prol de causas públicas para o plano internacional. Destaque para a luta contra a tuberculose, a aliança de civilizações ou o apoio a est
1. O Presidente Jorge Sampaio recebe o Papa João Paulo II no aeroporto de Lisboa, em maio de 2000.
2. O Presidente Jorge Sampaio recebe, em maio de 2000, o presidente norte-americano Bill Clinton, durante a sua visita oficial a Portugal.
7. Jorge Sampaio, candidato à Câmara Municipal de Lisboa, almoça, em agosto de 1989, com o presidente, Nuno Krus Abecasis, num restaurante com vista sobre a capital.
O final do segundo mandato como Presidente da República, a 9 de março de 2006, foi só a conclusão de mais uma etapa na carreira cívica e de serviço público de Jorge Sampaio. Mal teve tempo para gozar férias e instalar-se no novo local de trabalho, a Casa do Regalo, antigo ateliê de pintura da rainha D. Amélia ao cimo da Tapada das Necessidades. Regalada é que não foi a vida do ex-Presidente. Passados dois meses, Kofi Annan lançou-lhe um desafio irrecusável: ser o enviado especial do secretário-geral da ONU para a luta contra a tuberculose.
O humanista Sampaio vestiu a camisola: nos dois anos seguintes correu mundo a dar entrevistas, escreveu artigos, proferiu conferências, contactou as autoridades políticas e de saúde dos países mais afetados, bateu à porta das nações mais ricas para assumirem o papel de doadoras para a causa. Mais: insistiu em ver com os próprios olhos a realidade da devastação que a doença provocava. Comoveu-se. E lançou-se numa cruzada destinada a passar a mensagem em todos os media que pudessem contribuir para alertar e suscitar reações... e doações.
Contra a tuberculose
Jorge Sampaio explicou pacientemente que, a seguir à sida, a tuberculose é a doença infecciosa que mais mata no mundo. Salientou que matava cinco mil pessoas por dia, cerca de 1,7 milhões por ano. Insistiu na necessidade de haver um investimento maciço em novos medicamentos e vacinas. Alertou para o perigo do desenvolvimento de bactérias multirresistentes, fortalecidas pelo uso errado e abusivo dos antibióticos. “Para travar a tuberculose são precisas políticas de saúde pública adequadas, que, aliás, existem”, disse, mas que “permanecerão ineficazes se a indiferença e a ignorância continuarem a ocultar a doença”.
O ex-chefe de Estado insistiu de modo particular na denúncia do preconceito e do medo que estigmatizam os doentes em todo o mundo – e nunca se esqueceu de incluir Portugal. Sublinhando que a tuberculose não é uma doença do passado, nem dos outros, ou um problema individual, apelou para o combate global à pobreza e às desigualdades e à mobilização da solidariedade entre os povos.
“O drama é que há um círculo infernal da pobreza e das doenças, de que o HIV-sida e a tuberculose constituem exemplos paradigmáticos. Nos países em desenvolvimento, as doenças como a tuberculose têm um efeito socioeconómico devastador, minando a sustentabilidade do desenvolvimento a longo prazo. Ora, não será menos dispendioso quebrar este círculo vicioso do que alimentá-lo com mais mortes, mais pessoas doentes e mais pobreza? Ignorar os problemas não será tornar a sua solução futura ainda mais dispendiosa e improvável?”, perguntou, no Dia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, a 28 de fevereiro de 2007.
Aliança de civilizações
Em 2007, a ONU mudou de secretário-geral, mas não prescindiu do precioso colaborador. Ban Ki-moon, o sul-coreano que sucedeu ao ganês Kofi Annan à frente das Nações Unidas, incumbiu Jorge Sampaio de uma nova missão: nomeou-o Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, cargo equivalente, na hierarquia da organização, a subsecretário-geral. Uma tarefa particularmente delicada e espinhosa, tendo em conta as circunstâncias em que foi exercida, numa conjuntura internacional dominada pela doutrina, diametralmente oposta, do confronto de civilizações.
Sampaio arregaçou as mangas. Com um caderno de encargos que mais parecia uma missão impossível – “o objetivo da Aliança é apoiar, através de uma rede de parcerias, o desenvolvimento de projetos que promovam o entendimento e a reconciliação entre culturas a nível global e, particularmente, entre as sociedades muçulmanas e ocidentais” –, encetou novo périplo planetário.
Arrancou com o I Forum para a Aliança das Civilizações, em Madrid; discursou em Estrasburgo, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa; trabalhou com o Centro de Oslo para a Paz e os Direitos Humanos; interveio no plenário do Parlamento Europeu; avistou-se com o ayatollah Khamenei e participou num debate com estudantes da Universidade Islâmica Azad, em Teerão; dinamizou o II Fórum para a Aliança, em Istambul.
Por cá, aproveitou o palco da Misericórdia de Lisboa para passar a mensagem, na conferência “Nós e os Outros – Os desafios do diálogo intercultural”, a 17 de dezembro de 2008: “Sabemos muito bem que são muitas as razões que militam a favor de uma necessária mudança de atitudes, até porque é mesmo disto que se trata, de mudança de mentalidades, de atitudes e de comportamentos. […] porque a heterogeneidade de comportamentos e situações é gritante e sabemos que a violência e a intolerância tendem a ser proporcionais ao isolamento cultural e ao grau de educação; […] porque uma sociedade, para ser coesa, tem de reforçar os laços de solidariedade intra e intercomunitários, tem de saber apreciar e valorizar a diversidade de que é feita, para, a partir daí, traçar uma visão coletiva de um futuro partilhado. Por último, porque os ambientes de crise tendem sempre a potenciar os fatores de racismo, chauvinismo e agressividade.
Por isso quero deixar aqui um apelo. É que cada um, ao seu nível, promova uma nova atitude, que, a meu ver, é indispensável se quisermos construir um futuro sustentável para Portugal. Uma nova atitude em relação aos nossos concidadãos, sejam
eles de que origem forem, à nossa sociedade, à diversidade que ela reveste – nas escolas, nos locais de trabalho, no bairro, no prédio.
Uma nova atitude na partilha do espaço público, em que convivem sempre mais e diversos grupos étnicos, culturais e religiosos. Uma nova atitude em relação à nossa identidade singular e coletiva, aos valores que a talham, às componentes que nela se entrelaçam de forma dinâmica e aberta. Uma nova atitude também em relação ao que a democracia e a igualdade de direitos e liberdades significam em termos de responsabilidades e de respeito mútuo quando aplicadas a este contexto de crescente diversidade cultural. Uma nova atitude, por fim, em relação à forma de estar na nossa aldeia global, em que nada está totalmente isolado e em que o destino da humanidade se joga. […]
O que está em jogo é uma questão de educação. Educação para os direitos do homem, educação para a cidadania e para o respeito pelos outros. Educação para a diversidade e o diálogo. Educação sobre media literacy. Educação sobre religiões e crenças e para o diálogo inter-religioso. Temos de aprender e ensinar competências interculturais aos nossos cidadãos. Temos de criar estratégias urbanas e políticas para o diálogo intercultural. Precisamos de políticas para os jovens baseadas na igualdade de direitos e de oportunidades. Precisamos de mobilizar a sociedade civil em geral, os jovens, os líderes religiosos e os media. Precisamos também de aprofundar a agenda do diálogo intercultural no contexto das relações internacionais e conferir-lhe prioridade máxima.”
Ajuda aos estudantes sírios Concluída aquela missão em fevereiro de 2013, uma nova causa suscitou de imediato a entrega de Sampaio. Com o arrastamento da guerra civil na Síria – e ainda antes da agudização da crise dos refugiados –, muitos estudantes universitários daquele país viram os cursos abrutamente interrompidos pelo encerramento (ou mesmo pela destruição pura e simples) das faculdades que frequentavam, ao passo que os alunos que concluíram o ensino secundário se viram privados de prosseguir estudos superiores.
Foi para dar uma mão a estes jovens que lançou a Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios, que desde o ano letivo de 2013-2014 tem atribuído bolsas de estudo de emergência, permitindo-lhes frequentar cursos superiores em países tão distantes como Portugal ou a Lituânia. A plataforma tem o apoio do secretariado da União para o Mediterrâneo, da Liga Árabe, do Conselho da Europa, do Instituto Internacional de Educação, de um consórcio de universidades e escolas superiores, além de governos, fundações, empresas e personalidades a título individual.
Nos anúncios que a plataforma faz circular entre os potenciais candidatos nos campos de refugiados sírios no Líbano, Turquia e Iraque, há uma frase que faz a diferença e dá, logo ali, uma mensagem de libertação: “Encorajamos vivamente as estudantes do sexo feminino com as qualificações necessárias a apresentarem a sua candidatura.”
Em 2016 envolveu-se na campanha para eleger António Guterres como secretário-geral da ONU. O seu frágil estado de saúde levou-o a ser internado em outubro, o que se repetiria em 2017. Neste ano foi lançado o segundo volume da sua biografia, onde explicava a queda do governo Santana Lopes (2004). Sem responder às críticas do ex-primeiro-ministro, declarou ser pessoa “de boa fé” e não estar arrependido. Em julho, no Conselho de Estado, deixou um alertou sobre o estado do SNS.
Nestes quatro últimos anos de vida, a cruzada de Sampaio foi a do apoio aos refugiados. Ele que foi um dos impulsionadores da Plataforma Global para os Estudantes Sírios, bateu-se ainda em agosto deste ano para que os financiadores da plataforma reforçassem de emergência o envelope das bolsas de estudo para apoiar jovens afegãs. E foi por esta luta que foi homenageado, em 2018, pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que o condecorou com o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique. Um ano depois, em 2019, o PS assinalava os seus 80 anos também com uma festa que o emocionou.
Instalado na Casa do Regalo após deixar Belém, em 2006, Sampaio lançou-se numa cruzada como enviado do secretário-geral da ONU para a luta contra a tuberculose. Ban Ki-moon, sucessor de Kofi Annan à frente da ONU, nomeou Jorge Sampaio, em 2007, Alto Representante para a Aliança das Civilizações. Sampaio entregou-se, em 2013, a nova causa, apoiando estudantes sírios, impedidos pela guerra de frequentarem cursos superiores, com bolsas de estudo de emergência.