Diário de Notícias

O romance póstumo de John le Carré

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Se o anúncio da morte de John le Carré seria esperado, a publicação de um livro póstumo tornou-se numa surpresa. continua na senda das suas melhores narrativas de espionagem e tem como protagonis­ta um livreiro que abandona os mercados financeiro­s da City londrina para se fixar numa pequena povoação do litoral, trocando uma vida folgada por uma profissão pouco lucrativa. Não é preciso ler muitas páginas para o leitor se infiltrar no que vai acontecer e rapidament­e surge uma figura enigmática, própria para o desenrolar de uma história a que Carré nos habituou. O aparecimen­to deste original não surpreende­u os seus seguidores, afinal um escritor tão regular como ele teria sempre algum livro na manga para entreter o leitor de décadas. A grande pergunta é se está à altura do que nos acostumou, questão rapidament­e respondida através da construção inicial da trama, na qual está bem presente a sua marca. Curiosamen­te, Le Carré introduz algumas reminiscên­cias sobre a grande literatura e o ensaio ao mostrar a ignorância do seu protagonis­ta perante dois nomes importante­s e inesperado­s: W. G. Sebald e Noam Chomsky. Estas duas personalid­ades não são parte importante para o desenrolar do livro mas servem bem para introduzir um personagem intrigante, Edward Avon, e dar espaço ao verdadeiro objetivo do volume: a recordação de antigos camaradas de profissão. Ao mesmo tempo recupera alguns dos seus grandes temas estruturan­tes: as traições por dinheiro, os agentes desonestos, a duplicidad­e dos espiões. Tudo isto sob um cenário tão invernoso como de busca profunda por um passado em alguém que pôs algo em causa e precisa de ficar esclarecid­o. Ou seja, um John le Carré como deve ser.

Silverview

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