Diário de Notícias

SNS não se paga... mas também não cura

- Joana Petiz Subdiretor­a do Diário de Notícias

Amãe do Luís passou a noite de terça-feira no hospital, pronta para a operação a uma hérnia inguinal continuame­nte adiada durante os tempos em que a pandemia dominava todas as atenções clínicas do país – coisa simples, mas merecedora dos cuidados devidos a maiores de 70 anos. Na quarta-feira teve alta, depois de 24 horas de jejum e de uma bateria de exames, sem ser submetida a qualquer intervençã­o cirúrgica. Uma urgência ocupou o slot das marcações – e operações a hérnias, como toda a gente sabe, só acontecem às terças e quartas. Há de voltar a ser chamada quando houver oportunida­de. Tal como Ana, que há mais de dois anos aguarda a remoção de uma catarata em último grau, que a tornou incapaz e totalmente dependente, apesar de até ali viver sozinha e sem requerer qualquer tipo de apoio, quando um problema no outro olho a deixou instantane­amente cega – teve a sorte de poder pagar no privado uma correção a esse olho e retomar a sua vida normal em uma semana, mas continua à espera de ser chamada para a remoção da catarata que já lhe retirou toda a capacidade de visão do olho esquerdo.

Na semana passada, de sorriso orgulhoso e sentimento de missão cumprida na atitude, Marta Temido anunciou que se acabavam as taxas moderadora­s nos cuidados de saúde em Portugal. Ninguém tem de pagar por cuidados de saúde de que necessite. Claro que também não é garantido que os receba... porque, entre os atrasos provocados pelo foco total na covid e a capacidade política aplicada à gestão da saúde, comparável à destreza de um hipopótamo a tocar piano, o mais provável é que quem não se adiante com um seguro de saúde não tenha hipótese de receber cuidados em tempo útil.

Não é o esforço das equipas hospitalar­es ou de quem tenta gerir diariament­e o que não existe que está em causa – esses continuam a ser os heróis de um SNS que cada vez menos faz jus ao orgulho que ainda temos dele. São os absurdos acumulados numa pilha de más opções, varridas para debaixo de um tapete de ideologia barata e sem paralelo na realidade, decisões tomadas à custa de tornar maus os poucos serviços que funcionava­m no país.

António Costa premiou a sua heroína Marta Temido com a continuida­de numa pasta em que ninguém que trabalhe em saúde lhe reconhece créditos. Independen­temente de se contarem pelas mãos as direções hospitalar­es que não se demitiram em consequênc­ia das suas opções políticas – ou da falta delas. Com a maioria absoluta a comandar as tropas, seguimos felizes rumo ao abismo da ausência de saúde, transporta­ndo a bandeira de que ninguém cuida de um SNS cada vez mais despedaçad­o, mas também não se paga pelos serviços de saúde... que não recebemos.

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