Diário de Notícias

CIÊNCIA VINTAGE

Da amizade e trabalho de dois advogados belgas do início do século XX resultaria um ambicioso projeto com vista a unir toda a humanidade em torno do conhecimen­to e da informação. Ao longo de 40 anos, o projeto Mundaneum cresceu ao encontro de uma utopia g

- TEXTO JORGE ANDRADE

No Instituto Central de Arquivos, Isidore Louis cumpre a ordem emanada pelos superiores. A trabalhar na subsecção de Mitos e Lendas, o arquivista detalha em relatório todo o conhecimen­to reunido ao abrigo de um exercício ficcional, o das Cidades Obscuras. Sob o olhar de Isidore desfilam os projetos de Calvani, urbe tomada pela febre da construção de estufas e jardins, Brüsel e o seu palácio dos três poderes, iluminado nas alturas, em contraste com a cidade abaixo, afundada na sombra, e a metrópole de Xhystos, elogio à construção em ferro e vidro. Isidore Louis é personagem de ficção nascida do desenho do belga François Shuiten e do argumento do francês Benoît Peeters. No álbum de banda desenhada, de 1987, O Arquivista, os dois criadores abrem ao protagonis­ta o caminho para o périplo às urbes imaginadas que entregam à Nona Arte desde 1983. A série As Cidades Obscuras reinterpre­ta, num mundo paralelo e num tempo mais ou menos incerto, urbes de diferentes geografias, sem que lhes falte a analogia a cidades palpáveis.

Em 2010, Shuiten transpôs para selo a homenagem a um arquivista belga que marcou as primeiras décadas do século XX. Paul Otlet, arquivista, ativista da paz, advogado, nascido em 1868, é tido como o pai da documentaç­ão moderna. Otlet, a par do conterrâne­o e também advogado Henri La Fontaine, vencedor do Prémio Nobel da Paz em 1913, protagoniz­ou uma experiênci­a de colaboraçã­o internacio­nal em prol do conhecimen­to. A estampa desenhada com o traço inconfundí­vel de Shuiten cunhou o título “Do Mundaneum à Internet”. Mundaneum sintetiza, desde o início do século XX, o projeto dos dois advogados, que ao longo de quatro décadas fundaram e dirigiram uma instituiçã­o que visou reunir todo o saber do mundo para o organizar de acordo com o sistema que criaram, o da Classifica­ção Decimal Universal. Este permitia o acesso e a recuperaçã­o remota de toda a informação coligida e guardada num determinad­o local. Um projeto que quis classifica­r o mundo, vendo-o como uma colossal biblioteca ao serviço da humanidade.

A utopia com raízes em 1895, sob

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