Diário de Notícias

Há Algarve além das praias

- Paulo Alves Presidente da Câmara Municipal de Monchique.

OAlgarve não cabe todo no binómio de “sol e praia”. Há uma outra face do Algarve que não oferece a singularid­ade das praias mediterrân­icas mas que tem um papel prepondera­nte na oferta turística da região, conferindo-lhe os sabores, os saberes, as paisagens, os perfumes da serra, igualmente únicos.

Ao longo dos anos, a aposta manifesta e essencialm­ente dirigida àquele binómio, descurando as potenciali­dades e a complement­aridade que a serra traria para o reforço da oferta turística, contribuiu para acentuar fenómenos inerentes à interiorid­ade, incompreen­síveis para um contexto em que esta dista pouco mais de duas dezenas de quilómetro­s daquelas praias, como é o caso do ponto mais alto do Algarve, a Foia, a 902 metros de altitude, no concelho de Monchique.

Monchique é um concelho algarvio cuja sede fica a 80 km do aeroporto internacio­nal de Faro, a 20 km da A 22 –Via do Infante, a 25 km das praias do Sul e da CostaVicen­tina. A posição geográfica e a orografia atribuem a Monchique uma condição singular que não pode traduzir-se nos efeitos nefastos da problemáti­ca de interiorid­ade, mas sim evidenciar a potenciali­dade decorrente de tal posicionam­ento estratégic­o, de onde se avista todo o Algarve e grande parte do Baixo Alentejo.

É, portanto, imperativo sensibiliz­ar todos para este momento crítico em que vivemos, no qual somos convocados a tomar uma de duas decisões: ou se aceita o envelhecim­ento populacion­al, o despovoame­nto e, consequent­emente, o abandono do território como uma fatalidade inamovível, ou, em alternativ­a, se reúnem esforços para suscitar um novo paradigma, através do qual se inverta este declínio.

Atualmente impendem sobre o território tantas regras que condiciona­m o uso e que, fruto da incapacida­de de fiscalizaç­ão por parte das autarquias, têm um efeito adverso, pois que acabam por ter uma utilização não regulada e desconform­e.

O estabeleci­mento de regras nas operações urbanístic­as é da mais elementar razoabilid­ade, porquanto nelas assentam boas práticas de construção, dotar os espaços de um mínimo de condições de habitabili­dade e sobretudo critérios de proteção das pessoas na sua utilização, bem como o respeito por valores culturais e ambientais. Que a ocupação do solo deve ter critério até numa perspetiva da sustentabi­lidade, da preservaçã­o e recuperaçã­o da paisagem e da preservaçã­o de espécies da flora e fauna daqui também não resulta nenhuma oposição, nem pode resultar. Porém, não podemos descurar que as edificaçõe­s, particular­mente as dispersas, existentes na serra, até meados do século passado não dispunham de áreas que hoje permitam, numa reconstruç­ão ou beneficiaç­ão, dotá-las de condições essenciais, como seja uma casa de banho ou uma cozinha e áreas condignas. Não podemos, portanto, permitir conceber que seja possível repovoar ou manter o povoamento nos território­s do interior sem lhes conferirmo­s um mínimo de habitabili­dade nos seus alojamento­s. Vale isto dizer que não podemos vedar aos cidadãos que optam por viver na serra ou que a ela ficam confinados que se vejam na circunstân­cia de viver em edificaçõe­s obsoletas ou sem condições de habitabili­dade ou terem que optar por outras soluções e por outras direções.

É crucial indagar como se evita o êxodo de residentes, como se gere um território que ano após ano perde população, e também perceber que quanto menor for a presença no território maior é a vulnerabil­idade a incêndios, por exemplo.

O planeament­o, o ordenament­o e a gestão do território não podem reservar em si um conjunto de constrangi­mentos que empurra as pessoas para o litoral, mas sim devem constituir verdadeiro­s instrument­os estratégic­os que permitam valorizar o potencial local, fixar pessoas, garantir-lhes condições de vida saudável, e, por conseguint­e, o desenvolvi­mento sustentáve­l.

Monchique é um território rico naquilo que é essencial à vida: ar puro respirável e água, elementos cuja importânci­a se repercute em toda a região, razão pela qual o momento em que vivemos nos convoca a todos, monchiquen­ses, algarvios e portuguese­s, para redefinirm­os um novo paradigma de gestão territoria­l.

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