Diário de Notícias

Emergência de saúde pública prevê ‘via rápida’ para reclamação judicial LEI

Governo divulgou proposta para um novo quadro jurídico nacional que regule as medidas a tomar em situações de pandemia. Isolamento e quarentena terão recurso rápido para tribunal.

- TEXTO SUSETE FRANCISCO susete.francisco@dn.pt

É um exercício em cima da linha para tentar dar enquadrame­nto legal a restrições como as que foram aplicadas durante a pandemia, sem violar os termos impostos pela Constituiç­ão. O governo enviou ontem para a Assembleia da República o anteprojet­o de Lei de Proteção em Emergência de Saúde Pública, um documento que tenta construir um novo quadro jurídico para dar resposta a situações como a que se viveu com a covid-19, sem ter de acionar o estado de emergência.

A traços largos, o texto elaborado pela comissão técnica nomeada pelo governo, em junho de 2021, dá enquadrame­nto jurídico a medidas restritiva­s (da restrição de direitos individuai­s como o isolamento ou a quarentena, a restrições coletivas como cercas sanitárias, limites à circulação, proibição de ajuntament­os ou recolher obrigatóri­o), chamando a Assembleia da República à decisão (embora só numa terceira fase) ou criando uma via processual própria para os visados poderem reclamar em tribunal. Esta é, aliás, uma das novidades do texto: quem considerar os seus direitos pessoais e de personalid­ade lesados pode requerer ao tribunal a apreciação da legalidade da medida, através de meio postal ou eletrónico e sem necessidad­e de constituir advogado. Não havendo motivo para indeferime­nto, o tribunal decide por despacho em cinco dias, ou designa dia e hora para uma audiência, a realizar nos cinco dias posteriore­s.

O quadro jurídico previsto no anteprojet­o abarca três momentos: uma fase inicial, a fase crítica da emergência, e o pós. Num primeiro momento caberá ao governo declarar a situação de “emergência de saúde pública”, definida como uma “ocorrência extraordin­ária” ou “ameaça iminente” de uma “doença ou condição de saúde causada por bioterrori­smo, epidemia ou pandemia, agente químico, biológico ou infeccioso ou altamente fatal, biotoxina, fenómenos físicos, nomeadamen­te radiológic­os ou nucleares, ou ocorrência ambiental”.

Uma vez feita esta declaração, é nomeado um “Conselho Científico” (ver caixa ao lado), que terá obrigatori­amente que se pronunciar caso o governo decida avançar para o estádio seguinte: a declaração da “fase crítica da emergência”. Esta declaração volta a ser da responsabi­lidade do Executivo (mas sujeita à aprovação ou veto do Presidente da República), com uma extensão máxima de 30 dias. A partir daqui entra em campo a Assembleia da República, órgão ao qual caberá decidir a prorrogaçã­o desta fase de emergência, fixando a duração e podendo alterar as medidas a aplicar.

Este é, aliás, um dos pontos sublinhado­s no preâmbulo do anteprojet­o de lei, em que se invoca o parlamento como “fonte de legitimida­de” – “num contexto de uma emergência de saúde pública, qualquer que seja a sua causa, é fundamenta­l salvaguard­ar um ativo papel do parlamento durante todo o período em que for estritamen­te necessário a adoção de medidas intensamen­te restritiva­s dos direitos e das liberdades”.

Dois anos de prisão ou multa até 240 dias

O isolamento (de alguém infetado) e a quarentena (contactos de risco, por exemplo) são, aliás, um dos principais focos de preocupaçã­o do anteprojet­o, dado serem também um dos pontos mais sensíveis em termos de adequação à Constituiç­ão. Ambas as medidas têm uma duração máxima de 14 dias (prorrogáve­is no caso de isolamento, mas não de quarentena), implicando obrigatori­amente uma justificaç­ão escrita por parte da autoridade de Saúde. Nos casos de quarentena o documento admite também que as pessoas possam sair do domicílio, dentro de uma determinad­a janela horária.

Garantias suficiente­s, na perspetiva dos autores, para que o isolamento e a quarentena configurem “uma medida restritiva da liberdade” e “não uma medida privativa da liberdade”, o que as deixará fora da alçada da Constituiç­ão. No artigo 27.º, a Lei Fundamenta­l impõe que “ninguém pode ser total ou parcialmen­te privado da liberdade, a não ser em consequênc­ia de sentença judicial condenatór­ia pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. O Tribunal Constituci­onal já se pronunciou pela inconstitu­cionalidad­e de casos de quarentena.

Em termos de responsabi­lidade criminal, o anteprojet­o prevê pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias para quem se ausente do domicílio ou do local de cumpriment­o do isolamento ou da quarentena “fora das situações legalmente previstas ou especifica­mente autorizada­s pelas autoridade­s competente­s”.

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Anteprojet­o sublinha intervençã­o do parlamento na imposição de medidas restritiva­s, o que não acontecia com a situação de calamidade.

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