O futuro do futuro da Europa
Emmanuel Macron avançou a fundo na discussão sobre o futuro da UE. Fresco da sua reeleição em França, aproveitou o encerramento da Conferência que ouviu os cidadãos sobre o que esperam da Europa para acrescentar substância ao convicto europeísmo que nunca escondeu.
Macron elencou vários exemplos de desafios contemporâneos que implicam decisão e resposta conjunta dos países europeus: a luta contra as alterações climáticas, a regulação das plataformas digitais e grandes multinacionais, ou a defesa e segurança dos nossos territórios. Em nenhum destes casos a escala nacional se revela adequada para responder aos desafios do presente.
O problema é que, em muitas matérias, as posições não são convergentes em todas as capitais. Portugal mantém-se no pelotão da frente, daqueles que acreditam nos benefícios da ação conjunta e proximidade entre países. Porém, há quem se contente com o statu quo, quem namorisque a saída do euro ou outros recuos, existindo até governos que vivem da afronta às instituições europeias.
Macron não fugiu desta realidade. Consciente das diferenças entre Estados-membros e consequentes dificuldades que trazem às negociações, lançou uma possibilidade de aprofundamento que segue a lógica da cooperação reforçada. Que, recorde-se, não precisa de nenhuma reforma de tratados para ser prosseguida. Assim, um conjunto de países poderia avançar em determinadas matérias sem necessidade de unanimidade entre os 27 Estados-membros, o que permitiria aos mais ambiciosos avançar em grupo e desbloquear o progresso.
O fim do veto em matérias de fiscalidade para combater a fraude e a evasão não dependeria dos “paraísos fiscais” dentro da própria UE. O reforço do orçamento europeu para a luta contra as alterações climáticas não dependeria dos “frugais”. A reforma da política comum de asilo não dependeria deViktor Orbán. Aproximar os salários mínimos na Europa não dependeria daqueles que acreditam na corrida para o fundo como estratégia de competitividade.
Na prática significa que cada grupo de Estados teria o poder de estabelecer o seu horizonte de integração europeia, com geometria variável conforme as matérias, tal como aconteceu no passado com a livre circulação de pessoas no Espaço Schengen ou com a adoção do Euro.
Esta abordagem reforça o espaço e a oportunidade para a discussão da reconfiguração política da União Europeia, incluindo a criação de um espaço de comunidade com países que não são membros, mas que merecem ver validada a sua ambição de participar no projeto europeu e, até, uma eventual reaproximação com o Reino Unido. Uns e outros podem contribuir para prioridades geoestratégicas comuns. Aqui a reforma institucional parece já ganhar razão de ser.
O debate está relançado. O Parlamento Europeu exigirá ver reforçado o seu papel nesta construção.
A União Europeia é o mais feliz evento da geopolítica global do último século. Nasceu no rescaldo do desastre que foram as Grandes Guerras da primeira metade do século XX.
Esta ideia, virtuosa, que nos deu décadas de paz e de bem-estar, não pode ser derrotada.
Foi ameaçada pelos moralistas da austeridade, revigorou-se de modo improvável no meio de uma pandemia, não vai ser derrotada nem pela guerra, nem pelo conformismo. Porque esta ideia tem futuro.