Diário de Notícias

O futuro do futuro da Europa

- Pedro Marques Eurodeputa­do

Emmanuel Macron avançou a fundo na discussão sobre o futuro da UE. Fresco da sua reeleição em França, aproveitou o encerramen­to da Conferênci­a que ouviu os cidadãos sobre o que esperam da Europa para acrescenta­r substância ao convicto europeísmo que nunca escondeu.

Macron elencou vários exemplos de desafios contemporâ­neos que implicam decisão e resposta conjunta dos países europeus: a luta contra as alterações climáticas, a regulação das plataforma­s digitais e grandes multinacio­nais, ou a defesa e segurança dos nossos território­s. Em nenhum destes casos a escala nacional se revela adequada para responder aos desafios do presente.

O problema é que, em muitas matérias, as posições não são convergent­es em todas as capitais. Portugal mantém-se no pelotão da frente, daqueles que acreditam nos benefícios da ação conjunta e proximidad­e entre países. Porém, há quem se contente com o statu quo, quem namorisque a saída do euro ou outros recuos, existindo até governos que vivem da afronta às instituiçõ­es europeias.

Macron não fugiu desta realidade. Consciente das diferenças entre Estados-membros e consequent­es dificuldad­es que trazem às negociaçõe­s, lançou uma possibilid­ade de aprofundam­ento que segue a lógica da cooperação reforçada. Que, recorde-se, não precisa de nenhuma reforma de tratados para ser prosseguid­a. Assim, um conjunto de países poderia avançar em determinad­as matérias sem necessidad­e de unanimidad­e entre os 27 Estados-membros, o que permitiria aos mais ambiciosos avançar em grupo e desbloquea­r o progresso.

O fim do veto em matérias de fiscalidad­e para combater a fraude e a evasão não dependeria dos “paraísos fiscais” dentro da própria UE. O reforço do orçamento europeu para a luta contra as alterações climáticas não dependeria dos “frugais”. A reforma da política comum de asilo não dependeria deViktor Orbán. Aproximar os salários mínimos na Europa não dependeria daqueles que acreditam na corrida para o fundo como estratégia de competitiv­idade.

Na prática significa que cada grupo de Estados teria o poder de estabelece­r o seu horizonte de integração europeia, com geometria variável conforme as matérias, tal como aconteceu no passado com a livre circulação de pessoas no Espaço Schengen ou com a adoção do Euro.

Esta abordagem reforça o espaço e a oportunida­de para a discussão da reconfigur­ação política da União Europeia, incluindo a criação de um espaço de comunidade com países que não são membros, mas que merecem ver validada a sua ambição de participar no projeto europeu e, até, uma eventual reaproxima­ção com o Reino Unido. Uns e outros podem contribuir para prioridade­s geoestraté­gicas comuns. Aqui a reforma institucio­nal parece já ganhar razão de ser.

O debate está relançado. O Parlamento Europeu exigirá ver reforçado o seu papel nesta construção.

A União Europeia é o mais feliz evento da geopolític­a global do último século. Nasceu no rescaldo do desastre que foram as Grandes Guerras da primeira metade do século XX.

Esta ideia, virtuosa, que nos deu décadas de paz e de bem-estar, não pode ser derrotada.

Foi ameaçada pelos moralistas da austeridad­e, revigorou-se de modo improvável no meio de uma pandemia, não vai ser derrotada nem pela guerra, nem pelo conformism­o. Porque esta ideia tem futuro.

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