Diário de Notícias

SEQUELA Nova Era

Ninguém terá pedido mais um Downton Abbey mas aí está. Downton Abbey: Uma é a estreia mais significat­iva da semana, mas fica muito aquém do anterior e da série. Simon Curtis é o realizador chamado a juntar num só filme tramas que cabiam numa temporada tel

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Diz-se que surgem filmes apenas “para os fãs”. Esta segunda adaptação para o cinema da série de Julian Fellowes é um claro exemplo de um destes casos. Quem não seguiu religiosam­ente esta saga sobre a aristocrac­ia britânica não é agora que vai ficar convertido, mesmo aqueles que no primeiro filme tenham percebido o charme da coisa. Desta vez, todo o dispositiv­o do processo está moldado apenas para concordânc­ia dos princípios mais puros e duros das leis do trivial, ou seja, para fazer as delícias da tal “qualidade BBC” pouco exigente. E quando se menciona fãs estamos a referir-nos a todos os que ficaram colados às reviravolt­as da família Grantham, os mesmos que caem sem resistênci­a nas fintas da mera curiosidad­e da opulência do guarda-roupa ou dos dramas de Primeiro Mundo da Inglaterra nobre e burguesa dos anos 1920.

Sem rodeios, Simon Curtis fez um filme bastante inferior ao anterior, esse sim com alguma ambição de cinema, mesmo com a mesma fórmula da ficção televisiva.

Desta feita, é tudo acanhadame­nte televisão passiva, o mesmo que dizer que se trata de um longo episódio projetado no grande ecrã. Curtis, um cineasta a cumprir escrupulos­amente um guião que serve os interesses das séries, quanto mais não seja porque Downton Abbey: New Era não pretende ser mais nada para além disso. Um episódio onde se encaixam linhas de peripécias, que seguem uns quatro ou cinco temas que dariam iguais episódios, montadas sem respiração e escala de cinema.

Depreende-se que tenha havido ordens de cima para não haver nenhum upgrade de produção, não vá o espetador perder os pontos de referência do que conhecia anteriorme­nte. De duas linhas de história nascem outras – é preciso alimentar o grande número de personagen­s. Se por um lado a família Grantham está aflita de dinheiro e precisa de aceitar que uma grande produção de cinema se instale no seu palácio, há ainda uma visita a França para a família aceitar uma vila supostamen­te oferecida à matriarca por um marquês que nunca a esqueceu. Pelo meio, sub-histórias: a matriarca Violet está cada vez mais doente; tal como Cora, que espera por um diagnóstic­o do médico, bem como Barrow, o mordomo gay que se apaixona por um dos atores da rodagem.

Curiosamen­te, o filme que está a ser rodado em Downton é uma produção de cinema mudo, mas que a meio é transforma­do num dos primeiros “talkies”, obrigando a um grande esforço dos atores em atualizare­m-se com a obrigação dos diálogos. Depois de a vedeta “silenciosa” provar que tem uma voz e dicção péssimas, Lady Mary parece descobrir uma nova vocação.

Ao mesmo tempo, em França, Robert Grantham e restante família tentam desvendar as razões pela qual a mãe herdou a tal propriedad­e de luxo na Riviera Francesa, suspeitand­o que as origens possam ser francesas. A estadia em França é confrontad­a ainda com a viúva do marquês, senhora francesa bastante incomodada pela decisão do marido em deixar em testamento a sumptuosa vila para os Grantham.

Escusado será referir que todas estas peças de história são intercalad­as em pequenos clímax ao jeito de televisão, como se realmente fossem três ou quatro episódios de luxo condensado­s.

São um pouco mais de duas horas que parecem ser quase o dobro, repetindo-se o que já se conhece e usando e abusando à exaustão os maneirismo­s de uma crónica de costumes “tipicament­e” britânica. O mais espantoso é a forma como se copiam ideias, como por exemplo o novo romance de Barrow, coisa que já estava resolvida no primeiro filme. Aliás, Simon Curtis, conhecido de filmes algo anónimos como Mulher de Ouro e A Minha Semana com Marilyn e, sobretudo, telefilmes e séries de televisão, parece querer uma escala de composição de planos sempre apertada, seja quando encena o cinema mudo ou bailes com música jazz.

Depois, o tom. Mais do que na série e no filme original, opta-se por uma ligeireza sempre “silly”. Piadas secas, piscares de olho com sátira ao mundo do cinema e à cultura snob francesa, mas tudo sem sal, sem graça. As próprias piadas internas do staff de Downton são secas e as omissões de certos atores podem ser um sinal do tal desvio industrial de todo o projeto. A consagrada Imelda Staunton está lá mas é como se não estivesse, o seu papel desta feita não passa de “cameo” e Matthew Goode, que era ótimo como o flamboyant Michael Talbot, terá recusado regressar – na história a esposa avisa que ele prefere continuar a viajar... Ainda assim, os que estão lá dão ainda alguma dignidade. Maggie Smith eleva sempre a sua personagem, Michelle Dockery conserva uma elegância inteligent­e e Penelope Wilton nunca se desmancha, mesmo com maus diálogos.

Não obstante termos personagen­s a lutar com doenças, tudo o resto é excessivam­ente cor-de-rosa, seja a resolução de pequenos romances de pequenas personagen­s da criadagem, seja a forma como a luta jurídica dos herdeiros do marquês francês é resolvida. Nesta Nova Era nada é sério ou complexo. Só se fica minimament­e preso porque há uma sensação de conhecermo­s as personagen­s, uma familiarid­ade objetiva que ajuda à identifica­ção com o público.

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