Diário de Notícias

ENTREVISTA DN-TSF

Os efeitos da pandemia na saúde mental dos portuguese­s em análise no divã do psiquiatra, que assume que “já esteve deprimido”. Acredita no potencial da tecnologia, mas não teme que substitua o médico. Sobre a eutanásia, é um dos assinantes do manifesto e

- ROSÁLIA AMORIM (DN) E PEDRO CRUZ (TSF)

Psiquiatra, professor universitá­rio e comunicado­r, há mais de 30 anos que nos habituamos a vê-lo, ou a ouvi-lo, a tentar explicar temas complexos em palavras simples. Não gosta que lhe chamem sexólogo, mas foi por aí que se tornou conhecido dos portuguese­s, um rótulo que lhe ficou colado à figura e à voz. Entre a televisão e a rádio, nunca deixou de dar consultas, há uma década abandonou a faculdade, o ambiente estava, diz ele, irrespiráv­el. Depois de anos de pandemia e restrições, a saúde mental entrou na ordem do dia. O nosso convidado é Júlio Machado Vaz, 72 anos.

Depois de dois anos de pandemia estamos todos a precisar de ir ao divã ou só alguns?

Alguns estão, mas não devemos confundir, aliás, o meu querido professor Coimbra de Matos explicava isso como ninguém: não devemos confundir tristeza com depressão, portanto, acrescenta­ria que também não devemos confundir profundo cansaço com depressão. É sempre perigoso quando começamos a psiquiatri­zar sentimento­s que acabam por ser normais, perante os desafios que nos aparecem pela vida, e estes dois anos têm sido um desafio grande, inesperado, e que continua. Isso leva-nos longe, não sei se concordam, mas há um sentimento em muitos de nós que foi decretar o fim da pandemia e ponto final. Por outro lado, começamos a ler que talvez estejamos no início de uma sexta vaga, portanto, há aspetos que transforma­m o momento em que vivemos, tem-se estado muito mais ocupado com a guerra na Ucrânia, mas transforma-se numa situação curiosa. Isto porque tenho sinceras dúvidas de que se for considerad­o necessário fazer travão às quatro rodas e fazer alguma marcha-atrás, tenho muitas dúvidas quanto à reação da maioria da população.

Não foi na verdade decretado, mas temos todos já esse sentimento de libertação.

Tem toda a razão. O verbo decretar tem um peso quase Diário da República, empreguei-o no sentido em que as pessoas, umas consciente­mente e outras inconscien­temente, assumiram que esta primavera marcava o fim da pandemia. Há muita gente que já fala na pandemia no passado e a realidade é mais complexa do que isso. As restrições a que fomos sujeitos, os confinamen­tos, o medo de uma doença totalmente desconheci­da e altamente contagiosa, de alguma forma criaram desequilíb­rios emocionais em cada um de nós, e na própria sociedade, que levarão muito tempo a resolver, ou não?

Estes efeitos da pandemia podem sentir-se ao nível emocional por quanto tempo?

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