“Doença psiquiátrica implica escutar. A esmagadora maioria dos meus colegas, sobretudo nos cuidados de saúde primários, não tem essa possibilidade. Nessas situações, é mais fácil prescrever.”
“A inteligência artificial abre-nos perspetivas magníficas a nível da imagiologia, a nível da capacidade de articular os serviços (...), mas dentro dos seus limites que têm a ver com a lógica.”
que a tecnologia ajudou em termos das questões do confinamento, as comunicações por e-mail, etc., mas quer queiramos quer não, houve um prejuízo enorme da atividade, ainda por cima, da área fulcral do SNS que são os cuidados de saúde primários, que já viviam em dificuldades, e que ficaram completamente submersos com a situação que atravessámos. Isto é evidente que tem consequências, mas havia problemas que vinham de trás, qualquer um de vocês já ouviu aquela expressão de que “gosto muito do meu médico de família, mas ele só olha para o ecrã do computador”, ou seja, problemas na relação médico-paciente.
Já todos ouvimos falar muito de tecnologia na saúde, fala-se muito do avanço da robótica, da inteligência artificial e por isso pergunto, que papel fica reservado ao tal humanismo essencial à medicina?
Enquanto estava à espera de estabelecer ligação convosco, estava a ler na diagonal um artigo enviado pelo professor Espiga de Macedo, uma amizade de 60 anos, e o artigo era sobre as questões do diagnóstico, a relação médico-doente, etc.. E dizia algo que assino por baixo: a inteligência artificial abre-nos perspetivas magníficas a nível da imagiologia, a nível da capacidade de articular os diversos serviços, da informação circular, etc.. Depois, era a opinião de quem escrevia o artigo, há determinadas funções de integração, tanto do tratamento como do diagnóstico, em que a inteligência artificial tem muito mais dificuldades, e em que o médico continua a ser mais eficaz. Mas antes de tudo isto há outra coisa: o que é que esperamos da medicina? Uma relação entre duas pessoas com todo o auxílio que a inteligência artificial nos pode dar? Aliás, recentemente, um colega meu nos Estados Unidos, depois de sublinhar todos os avanços da inteligência artificial, quando lhe perguntaram o que valorizava mais em tudo isso, sorriu e disse, ‘estou com uma enorme esperança de que a inteligência artificial me permita ter o tempo para ver cada doente, que tinha há 20 ou 30 anos’. Isto conta muito, e até me podem dizer, e aqui também há diferenças nos estudos entre os mais velhos e os mais jovens, os mais jovens estão mais disponíveis para aplicações, contactos à distância, para um diagnóstico que é dado pela própria máquina ou algoritmo, mas isso não significa que depois não haja a nostalgia do contacto humano. Não podemos pedir à inteligência artificial que funcione fora dos seus limites, e os seus limites têm a ver com a lógica. Somos um animal que muitas vezes é profundamente ilógico e isso é algo com que temos de lidar em consulta, ao longo do tratamento. Houve agora uma pequena/média discussão por causa de um critério em relação ao desempenho dos meus colegas das USF tipo B, com a questão das interrupções de gravidez e com as infeções sexualmente transmissíveis e isso já foi retirado. Vejamos, isto tem a ver com uma nostalgia de que me lembro de há 30 ou 40 anos, por exemplo em relação às infeções sexualmente transmissíveis, e depois há aquela hipocrisia que é falarmos disto como se apenas se referisse aos mais jovens, o que é uma redonda e anafada mentira. Mas a nostalgia era a seguinte: se as pessoas estiverem devidamente informadas, não haverá comportamentos de risco. Isto pura e simplesmente não é verdade porque em determinadas situações as pessoas tentam a sorte, portanto, ir buscar a uma situação dessas a prova de uma determinada incompetência do profissional de saúde, não faz sentido rigorosamente nenhum. E reparem que nem sequer abordei isto pelo prisma de liberdade das pessoas, não é preciso ir aí, basta ter a noção de que a informação só por si não garante nada em relação ao comportamento das pessoas.
Permita-me só, por deformação profissional, pôr a coisa de outra maneira? Estive deprimido. Sabe porquê? Quando dizemos “teve uma depressão”, parece que outro diagnóstico psiquiátrico está numa esquina, terrivelmente chateado, por não ter nada que fazer, passamos nós e cai-nos em cima. Não é assim. Não é uma entidade externa. Numa determinada altura nós estamos deprimidos. E, com um bocado de sorte, depois deixamos de estar.
O facto de ter estado deprimido ajuda-o a perceber melhor quem tem diante de si?
Eu acho, e aqui tenho que deixar uma palavra de agradecimento do dr. Jaime Milheiro, que foi o meu psicanalista há 40 anos. Estou profundamente convencido de que se não fui mais longe em autoconhecimento, a culpa foi minha porque ele fez, na minha opinião um ótimo trabalho e hoje faz-me o favor de ser um bom amigo. Se, por um lado, eu tive a opção – e não estou a dizer que foi a melhor –, houve alturas da minha vida em que eu pensei que não era assim que as coisas se deviam passar, mas fiz psicanálise e não fiz terapia medicamentosa. Eu próprio era psiquiatra e tinha a sensação de que é mais do que legítimo que tentemos fazer abrandar os sintomas com medicação, mas eu tinha a sensação de que o fulcro da questão não era esse. Que havia um padrão na minha vida que era preciso deslindar, e que sem isso não iria lá. Portanto, em termos de autoconhecimento foi bom. Um psiquiatra, um psicólogo, um médico de medicina geral e familiar, que se conhece melhor, em geral tem melhor capacidade de empatizar com quem está à sua frente. No meu caso particular, houve um pormenor, hoje em dia engraçado, já não sei em que entrevista, eu assumi