UE e Londres chocam por causa do protocolo da Irlanda do Norte
Reino Unido pede flexibilidade à União Europeia e ameaça “agir”, por estar em causa a sua “paz interna e segurança”, mas Bruxelas alerta para as consequências de uma “ação unilateral”.
Ogoverno britânico pediu ontem “flexibilidade” à União Europeia (UE) para renegociar o polémico protocolo da Irlanda do Norte, parte dos acordos do Brexit, avisando que se não houver abertura da parte de Bruxelas então terá que “agir”. Em resposta, o vice-presidente da Comissão Europeia deixou claro que qualquer “ação unilateral” contra o protocolo “não é aceitável”, insistindo na necessidade de uma “solução conjunta”.
O polémico protocolo foi criado para evitar uma fronteira física entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, que pusesse em causa os Acordos de Sexta-Feira Santa, mas na prática criou uma divisão entre esta região e o resto do Reino Unido. Isto porque estabelece que a Irlanda do Norte deve continuar a seguir as regras do mercado único e aduaneiro, obrigando a uma verificação da mercadoria que chega desde Inglaterra, Escócia e País de Gales – que de outra forma poderia entrar sem controlo na UE.
Negociado à margem do acordo de Brexit, o protocolo nunca agradou aos unionistas que se queixam das barreiras que criou com o resto do Reino Unido. E praticamente desde o início que os britânicos têm tentado, sem sucesso, renegociá-lo. Em fevereiro, o governo da Irlanda do Norte liderado pelos unionistas do DUP demitiu-se, exigindo que o
texto seja totalmente rejeitado. Mas as eleições do último fim de semana vieram piorar as coisas, tornando a situação “insustentável”, segundo o primeiro-ministro, Boris Johnson.
Pela primeira vez, os republicanos do Sinn Féin (que defendem a reunificação das Irlandas) foram os mais votados para o parlamento regional. Foi uma vitória histórica, mas ao abrigo do acordo de partilha do poder têm que formar governo com os unionistas. O problema é que o DUP rejeita esse cenário sem o fim do protocolo, com o governo britânico a alegar que este se tornou no “maior obstáculo” à formação de um novo executivo.
Aviso britânico
A chefe da diplomacia britânica, Liz Truss, disse ontem num telefonema com o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, que a situação na Irlanda do Norte “é uma matéria de paz interna e segurança para o Reino Unido”. E avisou que, “se a UE não mostrar a flexibilidade requerida para ajudar a solucionar estas questões, então como um governo responsável não teremos escolha a não ser agir”.
Em resposta, Sefcovic avisou que qualquer “ação unilateral” contra o protocolo, que na prática implica violar um acordo internacional, “não é aceitável”. Isto porque não só vai destruir a confiança entre a UE e o Reino Unido e prejudicar a estabilidade na Irlanda do Norte, como “minar as condições que são essenciais” para que esta “continue a ter acesso ao mercado único europeu”. Num comunicado, disse estar “convencido” de que “só uma solução conjunta vai funcionar”.
Mais tarde, num encontro com deputados europeus e britânicos, Sefcovic foi mais claro: “Não vamos renegociar o protocolo”, afirmou, exigindo “honestidade” da parte do Reino Unido em relação ao acordo que assinou. E “honestidade em relação ao facto de a UE não poder resolver todos os problemas criados pelo Brexit e pelo tipo de Brexit que o governo britânico escolheu”.
Londres tem dito que está preparada para acionar o Artigo 16 do protocolo, isto é, a sua cláusula de suspensão que pode ser invocada se qualquer uma das partes acreditar que o acordo está a causar “sérias dificuldades económicas, sociais ou ambientais que podem persistir”. Bruxelas tem avisado que isso levará a uma guerra comercial.
Do lado da República da Irlanda, o chefe da diplomacia Simon Coveney rejeitou as acusações de “inflexibilidade” vindas de Londres, lembrando que Bruxelas está “disponível a ir mais longe” nas negociações. “Mas não o vamos fazer sob a ameaça da linguagem do governo britânico que diz: ‘Se a UE não nos der tudo o que queremos, então vamos legislar nós para anular a lei internacional’”, afirmou à rádio RTE.
No ano passado, a UE sugeriu ao Reino Unido o alinhamento com as regras fitossanitárias de segurança alimentar europeias, o que eliminaria 80% dos controlos alfandegários e 50% da documentação necessárias para os produtos entrarem na Irlanda do Norte e iniciou um processo legislativo para facilitar a circulação de medicamentos. Sefcovic disse ter apresentado “soluções criativas e duradouras” e lamentou a falta de “determinação e criatividade” do governo britânico, ao qual pediu “vontade política e compromisso genuíno”. Ontem, queixou-se que Londres nem deu resposta à proposta de um “calendário ambicioso” de discussões sobre o protocolo.