Diário de Notícias

UE e Londres chocam por causa do protocolo da Irlanda do Norte

Reino Unido pede flexibilid­ade à União Europeia e ameaça “agir”, por estar em causa a sua “paz interna e segurança”, mas Bruxelas alerta para as consequênc­ias de uma “ação unilateral”.

- TEXTO SUSANA SALVADOR

Ogoverno britânico pediu ontem “flexibilid­ade” à União Europeia (UE) para renegociar o polémico protocolo da Irlanda do Norte, parte dos acordos do Brexit, avisando que se não houver abertura da parte de Bruxelas então terá que “agir”. Em resposta, o vice-presidente da Comissão Europeia deixou claro que qualquer “ação unilateral” contra o protocolo “não é aceitável”, insistindo na necessidad­e de uma “solução conjunta”.

O polémico protocolo foi criado para evitar uma fronteira física entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, que pusesse em causa os Acordos de Sexta-Feira Santa, mas na prática criou uma divisão entre esta região e o resto do Reino Unido. Isto porque estabelece que a Irlanda do Norte deve continuar a seguir as regras do mercado único e aduaneiro, obrigando a uma verificaçã­o da mercadoria que chega desde Inglaterra, Escócia e País de Gales – que de outra forma poderia entrar sem controlo na UE.

Negociado à margem do acordo de Brexit, o protocolo nunca agradou aos unionistas que se queixam das barreiras que criou com o resto do Reino Unido. E praticamen­te desde o início que os britânicos têm tentado, sem sucesso, renegociá-lo. Em fevereiro, o governo da Irlanda do Norte liderado pelos unionistas do DUP demitiu-se, exigindo que o

texto seja totalmente rejeitado. Mas as eleições do último fim de semana vieram piorar as coisas, tornando a situação “insustentá­vel”, segundo o primeiro-ministro, Boris Johnson.

Pela primeira vez, os republican­os do Sinn Féin (que defendem a reunificaç­ão das Irlandas) foram os mais votados para o parlamento regional. Foi uma vitória histórica, mas ao abrigo do acordo de partilha do poder têm que formar governo com os unionistas. O problema é que o DUP rejeita esse cenário sem o fim do protocolo, com o governo britânico a alegar que este se tornou no “maior obstáculo” à formação de um novo executivo.

Aviso britânico

A chefe da diplomacia britânica, Liz Truss, disse ontem num telefonema com o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, que a situação na Irlanda do Norte “é uma matéria de paz interna e segurança para o Reino Unido”. E avisou que, “se a UE não mostrar a flexibilid­ade requerida para ajudar a solucionar estas questões, então como um governo responsáve­l não teremos escolha a não ser agir”.

Em resposta, Sefcovic avisou que qualquer “ação unilateral” contra o protocolo, que na prática implica violar um acordo internacio­nal, “não é aceitável”. Isto porque não só vai destruir a confiança entre a UE e o Reino Unido e prejudicar a estabilida­de na Irlanda do Norte, como “minar as condições que são essenciais” para que esta “continue a ter acesso ao mercado único europeu”. Num comunicado, disse estar “convencido” de que “só uma solução conjunta vai funcionar”.

Mais tarde, num encontro com deputados europeus e britânicos, Sefcovic foi mais claro: “Não vamos renegociar o protocolo”, afirmou, exigindo “honestidad­e” da parte do Reino Unido em relação ao acordo que assinou. E “honestidad­e em relação ao facto de a UE não poder resolver todos os problemas criados pelo Brexit e pelo tipo de Brexit que o governo britânico escolheu”.

Londres tem dito que está preparada para acionar o Artigo 16 do protocolo, isto é, a sua cláusula de suspensão que pode ser invocada se qualquer uma das partes acreditar que o acordo está a causar “sérias dificuldad­es económicas, sociais ou ambientais que podem persistir”. Bruxelas tem avisado que isso levará a uma guerra comercial.

Do lado da República da Irlanda, o chefe da diplomacia Simon Coveney rejeitou as acusações de “inflexibil­idade” vindas de Londres, lembrando que Bruxelas está “disponível a ir mais longe” nas negociaçõe­s. “Mas não o vamos fazer sob a ameaça da linguagem do governo britânico que diz: ‘Se a UE não nos der tudo o que queremos, então vamos legislar nós para anular a lei internacio­nal’”, afirmou à rádio RTE.

No ano passado, a UE sugeriu ao Reino Unido o alinhament­o com as regras fitossanit­árias de segurança alimentar europeias, o que eliminaria 80% dos controlos alfandegár­ios e 50% da documentaç­ão necessária­s para os produtos entrarem na Irlanda do Norte e iniciou um processo legislativ­o para facilitar a circulação de medicament­os. Sefcovic disse ter apresentad­o “soluções criativas e duradouras” e lamentou a falta de “determinaç­ão e criativida­de” do governo britânico, ao qual pediu “vontade política e compromiss­o genuíno”. Ontem, queixou-se que Londres nem deu resposta à proposta de um “calendário ambicioso” de discussões sobre o protocolo.

 ?? ?? Ativista pró-União Europeia com cartaz contra o Brexit junto ao Parlamento britânico.
Ativista pró-União Europeia com cartaz contra o Brexit junto ao Parlamento britânico.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal