François da Silva O beirão que veio do cinema para Os Amiguinhos
Nome conhecido da produção e programação de cinema em França, François da Silva, emigrante francês, regressou a Portugal e descobriu um filão nas animações no YouTube. História surpreendente de reinvenção ou como o cinema pode ficar em stand-by.
De diretor da Quinzena dos Realizadores a campeão do YouTube em Portugal. Aos 60 anos, François da Silva é um auto-didata do cinema que é um exemplo das fintas do destino. Quem tem filhos em tenra idade já se deve ter deparado com Os Amiguinhos, pequenos vídeos de animação que estão no YouTube, contos famosos dobrados em português brasileiro que parecem ter um segredo mágico para captar a atenção. O número de visualizações, sobretudo contando com o mercado brasileiro, são astronómicos. “Tudo isso é surreal para mim, há uns anos eu era um infoexcluído, não percebia nada do YouTube ou das redes sociais”, começa por dizer. Terá sido um daqueles acidentes felizes que o levou para este negócio, sobretudo em resposta a uma vida de agente e produtor de cinema que o deixou fatigado de tanta viagem. Isso e a forma como a globalização terá tornado obsoleta uma certa maneira de descobrir talentos e filmes no cinema...
Em jeito de flashback, a aventura de François começa quando muito menino sai da Covilhã em 1967 e junta-se com o seu irmão aos pais, emigrantes em Vosges, França “Como todos os portugueses em França, trabalhei dos 16 aos 20 numa fábrica mas depois não quis mais nada com a comunidade portuguesa e fiz-me à vida, fiquei 20 anos sem falar português”. O “à vida” foi vender bilhetes de cinema, algo que o aproximou para sempre com este universo. Daí até gerir uma sala foi um passo, sempre sem cursos ou estudos superiores. François é daqueles casos em que o cinema acabou por ser uma escola de vida. Aos 23 anos já dirigia uma sala numa pequena cidade do leste, junto à fronteira suíça e nesse período começou a ser uma referência na programação. Uma referência tão forte que aos 40 anos foi chamado para dirigir salas em Marselha, cidade onde fez furor e ganhou muitos contactos com cineasta consagrados.
Dessa educação cinéfila saiu-lhe um convite irrecusável, a Sociedade dos Realizadores Franceses, a associação que manda na Quinzena dos Realizadores, em Cannes, nomeou-o diretor e François tornou-se no chefe desta prestigiada secção. E, mal chegou, quis revolucionar a seleção dos filmes, Em oposição aos nomes estabelecidos da seleção oficial, quis fazer uma programação radical, sobretudo com cineastas da margem, entre os quais um contingente forte de portugueses onde se incluíam João Botelho ou o falecido José Álvaro Morais. Obviamente, os lobbies franceses não gostaram do desplante e as pressões foram muitas. Resultado: François da Silva acabou por preferir sair e meteu-se numa outra aventura: trabalhar com o poderoso Luc Besson, na altura milionário com sucessos como O Quinto Elemento e Joana D’Arc. O português tornava-se o agente na Ásia para lhe arranjar talentos e filmes lucrativos, como foi o caso de Ong-BakO Guerreiro, filme de artes marciais da Tailândia que lançou o ídolo Tony Jaa. Uma descoberta que fez gerar milhões para os distribuidores ocidentais.
Foram anos de constantes viagens e uma imersão total em mercados como Brasil, Hong-Kong, China, Tailândia e, mais tarde a Índia, onde já depois da ligação a Luc Besson acabou por se tornar gestor do marketing agente de vendas de Baahubali- The Beginning, apenas o maior fenómeno de bilheteiras do cinema indiano, mesmo sem ser de Bollywood, que se restringe apenas a uma faixa geográfica da Índia... “Foi uma experiência incrível, conheci pessoas de uma outra cultura e percebi todo aquele fenómeno. É uma dimensão que nós europeus nem imaginamos! Creio que fui importante para eles, cada vez mais querem também sair das suas fronteiras”.
A derivação para os conteúdos YouTube começa naquele momento em que divorciado decide parar, respirar fundo e ver os filhos crescer. Foi há coisa de cinco anos, quando Lisboa tornou-se a sua nova casa. Estava cansado das negociatas nos festivais, das viagens e de toda a “caravana” dos agentes de cinema. “Fui até Istambul ouvir uma proposta de um produtor turco meu amigo que tinha os direitos de umas animações. Queria muito que assinasse para ficar com os direitos para a língua francesa e portuguesa e lá me convenceu. Investi 40 mil euros, foi o meu último dinheiro na altura. Confesso, quis mesmo mudar: estava a ver todo o pessoal a envelhecer e não queria ser um dinossauro! Um mês depois estava a montar o primeiro canal na Covilhã, na casa da minha mãe. Estive três semanas a aprender como se fazia. Começou com 100 mil visualizações e cresceu e cresceu... Não pude ainda investir no português sem ser brasileiro porque o mercado português ainda não compensa”.
Os Amiginhos são animações onde heróis como o Capuchinho Vermelho, o Pintinho Amarelinho ou a Borbeletinha, bem como personagens dos contos de La Fontaine, cantam e dançam com música infantil. Além do YouTube, há uma aplicação que está disponível para os pais terem mais segurança com a net. É animação sem grandes efeitos ou conquistas de 3D. Simples mas eficaz para deixar meninos e meninas a partir dos 3 anos presos aos ecrãs em curtas entre 5 e 10 minutos. Em sua casa, François mostra orgulhoso os troféus oferecidos pelo YouTube com os números das visualizações. A saber: 500 milhões de visualizações e sempre a crescer e 1 milhão e 700 mil por dia.
O cinema ficou para trás? François diz que para já não é prioridade, mas confirma a sua ligação com Leonel Vieira, cineasta português com o qual tem colaborado ao longo dos anos. “A verdade é que isto doYouTube está a correr bem, nunca ganhei tanto dinheiro! Mas claro que continuo a pensar no cinema”.
A derivação para os conteúdos Youtube começa naquele momento em que divorciado decide parar, respirar fundo e ver os filhos crescer. Foi há coisa de cinco anos, quando Lisboa tornou-se a sua nova casa.