CIÊNCIA VINTAGE
A segunda metade do século XIX norte-americano povoou-se com os relatos da descoberta de gigantes petrificados. Testemunhas de um tempo mítico que serviu de pretexto para inúmeros embustes. Entre as farsas, uma ganhou estatuto nacional e a atenção do escr
A4 de outubro de 1862, o jovem repórter Samuel Langhorne Clemens relatava nas páginas do Territorial Enterprise, periódico de Virginia City, Nevada, a desconcertante história da descoberta de um exemplar de homem petrificado. Clemens adiantava que a “múmia de pedra encontrada há algum tempo nas montanhas ao sul de Gravelly Ford [Califórnia], era perfeita, sem exceção da perna esquerda que, evidentemente, foi de madeira durante a vida do dono”.
A partir da nota de Samuel Clemens, a notícia circulou por diversos jornais sem alusão ao tom sardónico da peça. Clemens, nascido em 1835, no Estado do Missouri, não escrevia com o seu nome de batismo, antes com aquele que o notabilizou nas letras norte-americanas, Mark Twain, senhor de uma sátira pertinente. O homem petrificado de Twain expunha, com humor, um tempo americano, a segunda metade do século XIX, prolífero em embustes e ilusórias descobertas de gigantes preservados em pedra.
Oito anos após escrever o artigo O Homem Petrificado, Twain inspirou o conto Uma História de Fantasmas numa farsa engendrada em 1869. A 16 de outubro, fora resgatado à terra um colosso pétreo, contava-se, enterrado há milénios. O Gigante de Cardiff, assim apadrinhado por referência ao local da sua descoberta, tornou-se, por vários meses, o centro de discussões acaloradas entre arqueólogos, geólogos e historiadores.
No seu conto de 1870, Mark Twain enreda o protagonista, hóspede num hotel em Manhattan, numa peripécia noturna motivada pela materialização no quarto de um espetro grande e trôpego. O fantasma procura um terreno em Cardiff, no Colorado, onde diz encontrar-se o seu corpo passado. Irritado pela intromissão fora de horas, o hóspede zomba da assombração, indicando-lhe o caminho para Albany, onde encontrará a sua nova casa. Referências geográficas que não são alheias ao périplo
O
Gigante de Cardiff
está agora num museu em Michigan.
que um ano antes envolvera o colosso com três metros de comprimento, mais de uma tonelada de peso que, como fizeram crer aqueles que o descobriram, seria vítima de remotos processos geológicos responsáveis pela petrificação.
A América do Norte, casa ancestral de gigantes imaginado s, não se revelava um produto do século XIX. Cem anos antes, o puritano Cotton Mather, que para a posteridade seria recordado pela sua ligação à caça às bruxas de Salem, afirmava que os fósseis de masto