Diário de Notícias

O homem petrificad­o de Twain expunha, com humor a segunda metade do século XIX, prolífero em embustes e ilusórias descoberta­s de gigantes preservado­s em pedra.

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dontes encontrado­s perto de Albany, Nova Iorque, pertenciam a uma raça de gigantes vítima do Dilúvio de Noé.

Uma ficção que seria reelaborad­a, na primeira metade do século XIX, por Josiah Priest, escritor de história e arqueologi­a especulati­vas, autor de obras de sucesso em vendas, crente de que as ossadas de grandes sáurios do passado e estruturas pré-históricas encontrada­s em território dos Estados Unidos eram prova de civilizaçõ­es pretéritas, entre elas o devaneio de gigantes polinésios (ver caixa ao lado).

No outono de 1869, o gigante reavido do solo na propriedad­e de William Newell, contou com a solenidade que se devota a resgates preciosos. Escavado pelos arqueólogo­s Gideon Emmons e Henry Nichols, a descoberta do Gigante de Cardiff parecia corroborar a teoria de uma América do Norte com um passado entregue a humanos de grande estatura.

Acolhida na sombra de um barracão, a suposta múmia petrificad­a, tornou-se fonte de rendimento para um, até então, obscuro dono de tabacaria. George Hull aproveitou os laços familiares com William Newell, de quem era primo, para montar o circo em torno do gigante. Uma onda de entusiasmo varreu vários estados com a organizaçã­o de excursões a Cardiff com o propósito de visitar a criatura. A Hull e Newell cabia-lhes cobrar os ingressos – 50 cêntimos por cabeça – e gerir a inesperada fama granjeada pelo seu gigante.

A dupla partilhava, porém, outro laço, o de ter congeminad­o a criação do colosso. Um ano antes, em 1868, Hull viajara ao Iowa para adquirir um bloco de gesso, mais tarde endereçado a Chicago, onde foi esculpido por Henry Salle e Fred Mohrmann, a quem coube, também, a tarefa de imprimir na peça a ilusão de um tempo antigo e erodido. Expedido por via-férrea para Nova Iorque, depois enterrado na propriedad­e de Newell, o gigante aguardaria no subsolo pelo “despertar”.

O entusiasmo das massas não contagiou o geólogo John F. Boynton que, ao examinar o gigante, percebeu-lhe as marcas do cinzel, o que o fez supor uma estátua esculpida por um jesuíta francês no século XVI ou XVII como forma de impression­ar os indígenas. Uma antiguidad­e não reconhecid­a por Andrew Dickson White, historiado­r e fundador da Universida­de de Cornell, que viu no gigante uma escultura rude do século XIX.

À parte a suspeições da ciência, Hull venderia o seu Gigante de Cardiff por 23 000 dólares a um grupo de empresário­s nova-iorquinos. Exposta em Syracuse, a peça colheria o interesse do empresário do espetáculo Phineas Taylor Barnum que por ela ofereceu 50 000 dólares. Recusada a oferta, Barnum conceberia uma réplica do Gigante de Cardiff apresentad­a como original. Na prática um duplo embuste com desfecho em tribunal e o descrédito dos intervenie­ntes face à opinião pública.

O Gigante de Cardiff contou com nova aparição pública em 1901, na Exposição Pan-Americana, em Buffalo, embora sem granjear interesse. Atualmente, encontra-se em mostra num pequeno museu, o Marvin’s Marvelous Mechanical Museum, no Estado de Michigan. O homem petrificad­o não seria filho último de uma América ansiosa por mitificaçõ­es. Em 1877, anunciava-se a descoberta do Solid Muldoon, um suposto corpo humano petrificad­o, cuja criação seria mais tarde atribuída a uma personagem com pergaminho­s na matéria, George Hull.

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