FUTURO Ana Gomes “Tem havido uma excessiva dependência do petróleo” “Tenho a ideia de que, quando Portugal tinha 20 anos, o nosso primeiro rei [D. Afonso Henriques] andava a bater na mãe [Teresa de Leão].”
A diplomata que representou Portugal no referendo que conduziu à independência de Timor acredita que é tempo de a “geração heroica” dar lugar aos mais novos.
Que diferenças sente em Timor-Leste, 20 anos depois da independência?
Tenho vindo regularmente a Timor-Leste, a última vez foi em 2019, quando se comemoraram os 20 anos do referendo de autodeterminação [1999]. Tenho visto sempre mudanças e para melhor. Aponto dois indicativos que no meu entender são significativos: hoje o país está totalmente eletrificado e isso nunca tinha acontecido na sua história. Todos os distritos estão ligados e têm eletricidade. Há ainda outra diferença: quando cá vim pela primeira vez, em 1999, havia um médico timorense, hoje existem mais de mil. A maior parte formados fora, evidentemente, porque não existia essa formação em Timor. Muitos em Cuba, na Indonésia, também em Portugal. Há mil médicos timorenses a prestar cuidados por todo o território. Isso são aspetos que têm corrido bem. E menos bem? Timor-Leste tem desafios tremendos pela frente. Penso que o presidente Ramos-Horta [eleito há um mês Presidente da República com 62 por cento dos votos] está bem consciente deles.
Acha que é um país que atingiu a maioridade na sua autossuficiência?
Isso não posso dizer. O que acontecia em Portugal quando o nosso país tinha 20 anos? Tenho a vaga ideia de que nessa altura o primeiro rei de Portugal [D. Afonso Henriques] andava a bater na mãe [Teresa de Leão]. Timor-Leste tem hoje uma população que cresceu exponencialmente desde há 20 anos e que é extraordinariamente jovem e representa um grande ativo. Mas esse grande ativo também coloca imensos problemas bastantes desafiantes, nas questões essenciais da educação, da qualificação e da própria criação de empregos. Penso que o principal desafio que o presidente Ramos-Horta e os dirigentes timorenses têm pela frente é o de fazer com que Timor-Leste se desvincule da dependência do petróleo. Há uma grande discussão política em Timor sobre as estratégias de desenvolvimento: uns acham que deve assentar no petróleo – inclusivamente trazendo para o país as indústrias de refinação; outros dizem que não, que é melhor não ficar tão dependente do petróleo, continuando a receber os seus rendimentos, que hoje sustentam 85 por cento do Orçamento do Estado timorense, mas procurar ao mesmo tempo diversificar a atividade económica, de maneira a não ficar tão dependente da chamada maldição do petróleo, criando outros empregos noutros setores, como a agricultura ou o turismo. Esse é um desafio muito importante. A capacidade de diálogo do presidente Ramos-Horta vai ter de ser posta ao serviço do objetivo de se obter um consenso.
Timor está numa região com forte procura turística. Tem Bali ali perto. Acha que o país tem forma de arranjar um espaço próprio, com tanta concorrência em redor? Mas claro que há! Já existem vários projetos de desenvolvimento turístico e mais podia haver, com mais qualidade e mais seletivos. Timor tem praias maravilhosas para oferecer, montanha, tem oferta extraordinária para quem gosta de mergulho. Há imensa coisa que Timor pode oferecer para o turismo. Mas só desde que obviamente faça uma aposta num turismo de qualidade, não se trata de, por exemplo, competir com Bali num certo tipo de turismo massificado, que atrai muitos problemas. Para um turismo especializado de grande qualidade, por exemplo do ponto de vista ecológico, então Timor-Leste oferece condições únicas. É preciso é que haja uma visão das autoridades para facilitarem e encaminharem os investidores para esse tipo de projetos. E quem diz turismo diz também agricultura, setor com grande potencial E também é preciso olhar para a exploração mineira, que ainda está por identificar. Talvez nos nossos antigos arquivos existam estudos sobre os recursos minerais do território, estudos que possam ser úteis no futuro. Há imensas potencialidades para Timor-Leste se desenvolver desde que, obviamente, exista essa visão. Até agora tem havido uma excessiva dependência do petróleo. Isso compreende-se, porque não existiam quadros que permitissem explorar as outras atividades. Por isso, a aposta tem de ser na educação e na qualificação e, ao mesmo tempo, na diversificação da economia, para que criem depois oportunidades de emprego para os jovens timorenses.
José Ramos-Horta foi agora eleito presidente, pela segunda vez (já tinha sido presidente de 2007 a 2012). Acha que esta é a última oportunidade da geração que, sob a liderança de Xanana Gusmão, combateu a invasão indonésia? Ele teve uma votação esmagadora, 62 por cento. É uma figura que tem reconhecidas capacidades de diálogo e de consenso. Tenho a ideia que ele pensa que o grande desafio agora da geração histórica, que levou Timor à independência, é perceber que este é o tempo de se retirar – ficar na retaguarda, com um papel de aconselhamento – mas de passar as responsabilidades da governação às gerações mais novas.