CINEMA COREANO
Abraços e segredos, cigarros e melancolia feminina. É disto que se faz Apresentação e Perante o Teu Rosto: esta semana há Hong Sang-soo em dose dupla nos cinemas.
Hong Sang-soo tornou-se um nome mais regular no circuito da distribuição portuguesa desde a retrospetiva que a Cinemateca lhe dedicou em 2019. Se no ano passado a Midas Filmes fez o obséquio de estrear, de uma só vez, A Mulher que Fugiu, O Dia em que Ele Chega, O Filme de Oki e Mulher na Praia, agora continua a missão fazendo-nos chegar duas das últimas produções do realizador sul-coreano, que tanto se inscrevem no registo habitual que fez dele um cineasta de culto, como, num dos casos, surpreende ao levar esse registo para uma camada mais profunda.
Seguindo a ordem, Apresentação é o primeiro dos dois títulos (vencedor do Urso de Prata de melhor argumento em Berlim) e consiste numa estrutura tripartida que, basicamente, enquadra situações em que um abraço é suscetível de acontecer ou de se tornar objeto de discurso. Como em qualquer filme de Sang-soo, esta estrutura demarcada organiza as variações e motivos do seu cinema, que aqui coloca as personagens em encontros mais ou menos geradores de epifanias simples, no meio de conversas que nem sempre sustentam o interesse. Apetece dizer que é “mais do mesmo”, expressão tida como um elogio quando falamos de Hong Sang-soo, mas, tirando uma bonita cena onírica na praia perto do final, não há muito que nos faça sentir Apresentação como um filme com vida própria. Ou seja, ele depende de um conforto adquirido pelo que se viu dos anteriores, figurando como um rascunho autoral para picar o ponto.
Já Perante o Teu Rosto é outra conversa. Perguntar-se-á: mas como é que é outra conversa se Hong Sang-soo faz sempre o mesmo filme? Porque toda a idiossincrasia deste cinema recai sobre uma protagonista que transporta em si o mistério do momento presente e do irrepetível (inclusive sob a forma de uma voz-off).
Sangok é uma ex-atriz de meia-idade que vive há vários anos nos Estados Unidos e regressa a Seul numa visita mal explicada. Dorme no sofá da irmã e, aparentemente sem grandes planos, passa a manhã com ela. Vão tomar o pequeno-almoço juntas a um café com vista, passeiam – nesse processo dão-se conta do quão mal se conhecem apesar dos laços de sangue –, param para Sangok fumar um cigarro debaixo de uma ponte, vão à loja de bolinhos de arroz do sobrinho, onde ela deixa cair uma nódoa na blusa e, antes de um almoço marcado com um realizador, ainda tem tempo de visitar a casa onde morou durante a infância.
Cada uma das passagens, com o sabor único dos diálogos casuais de Sang-soo, é elevada pelo segredo que Sangok carrega consigo, e que o espetador pressente – não será uma manobra de suspense que confere fascínio a este maravilhoso Perante o Teu Rosto, mas uma emoção abstrata.
Tudo vai levar ao encontro da protagonista com o realizador que a quer convidar para fazer um filme. Uma refeição embriagante, claro, num bar chamado “Novela” (como o de O Dia em que Ele Chega), que se converte numa daquelas ocasiões exímias do seu autor em que a mulher põe à vista um certo ridículo masculino... E, entretanto, começa a chover lá fora.
Uma nódoa, uma mudança meteorológica, uma gargalhada, cigarros e licor chinês (a fazer as vezes do soju), não há detalhe que não conte no programa de um Hong Sang-soo em grande forma. um dos dois filmes em cartaz do realizador sul-coreano Hong Sang-soo.
Tom Cruise regressa à personagem de Maverick 36 anos depois.
Ooriginal de Tony Scott não será propriamente uma obra-prima, mas tem o valor da estima popular que fez de muitos filmes da década de 1980 objetos estáveis na memória geracional. É por aí que vai Joseph Kosinski, o realizador do novo Top Gun: Maverick: pela matéria de um revivalismo controlado, que tanto se agarra às referências do filme de 1986 (a começar pela banda sonora), como impulsiona a máquina do espetáculo aéreo no sentido de convidar a algo mais corporal. Entenda-se: a adrenalina do voo aqui é um elemento narrativo. Define o protagonista a partir de uma textura real, de um jogo de ação concreta, que nada tem que ver com a falta de pathos do digital. Por isso vislumbra-se ainda um certo romantismo na imagem do piloto, que, como é dito a certa altura, não fará parte do futuro.
Apesar de passar a maior parte do tempo no ar, Tom Cruise, já se sabe, é o centro de gravidade do filme, desde o tal aspeto mais físico da produção à aura nostálgica do herói. A câmara idolatra-o, evita mesmo desviar-se um minuto a mais da sua figura axiomática, e procura na insubordinação natural de Maverick o toque de estilo que confere um raio de sol fotogénico à crónica da velocidade.
Desta feita, ele está incumbido de treinar os melhores pilotos para uma missão arriscada – ponto fraco do argumento, só justificado pela lógica do triunfo – e entre esses jovens encontra-se o filho do falecido amigo Goose, que cria a tensão dramática necessária.
Jennifer Connelly vem acrescentar uma pincelada de charme feminino, mas, aos nossos olhos, é na aparição de Val Kilmer (depois de vencer um cancro na garganta) que está o engenho emocional.
Dito isto, a insistência de Cruise em adiar a estreia, de modo a garantir que a experiência deste Top Gun: Maverick passasse pelo grande ecrã, é mais do que justificada. A intensidade sensorial destes voos não terá o mesmo impacto num visionamento caseiro.
La Féria entre as atrizes Filipa Cardoso, Bruna Andrade ,Rita Ribeiro e Paula Sá, com o cartaz da peça em pano de fundo.