Trabalhar sai caro EDITORIAL
Aprovado que está, sem surpresa, o primeiro Orçamento do Estado da maioria absoluta, mereceu duras críticas da esquerda que antes apoiava o governo. Queixam-se, PCP e BE, de que o diálogo foi “uma farsa” e que as suas propostas, sempre a pensar no melhor para os portugueses, foram arrogantemente postas de parte. Ficou adiada “a resolução dos problemas nacionais”e “recusou-se aliviar os impostos a quem trabalha”, lamentou Jerónimo de Sousa. Chumbaram tudo o que podia ter “impacto real e significativo”, alimentando-se o “movimento de empobrecimento da generalidade da população”, juntou Catarina Martins.
Não é difícil ver que, com uma crise brutal a atingir-nos em força, em cima de outra que ainda se arrasta, os portugueses estão de facto a viver pior. Como o estão os cidadãos de outros países, cujos governos não têm grande margem de manobra por terem igualmente dívidas públicas brutais a ameaçar as contas do Estado, fraca produtividade e alta dependência da previdência. Some-se-lhe a inflação galopante, que multiplica os preços de tudo e ameaça prolongar-se no tempo, e o retrato não é bonito de se ver.
Ainda assim, não se entende o desgosto de PCP e BE pela falta de compreensão do PS pelos seus argumentos, depois de chumbarem um Orçamento e derrubarem a governação em que tinham alguma palavra, precipitando a própria maioria absoluta que abominam. E ainda menos se entende porque não agiram enquanto tinham quem os escutasse e lhes acolhesse as ideias.
Desde 2019, ainda nem tínhamos pesadelos com pandemias ou guerras, já o peso dos impostos sobre o trabalho vinha a crescer e a crescer e a crescer. Sem que o rendimento acompanhasse o movimento. Em três anos consecutivos, o governo apoiado na geringonça conseguiu pôr Portugal no top-10 dos que maior carga fiscal sobre o trabalho têm, entre as quase 40 nações na lista da OCDE. Não são impostos sobre rendimentos, é tributo sobre a carga laboral. E somos agora o sexto país com menor salário médio.
Por cada 100 euros pagos a um trabalhador português pelo seu esforço, 41,80 euros vão diretamente para os cofres do Estado (a média na OCDE está nos 34 euros). Quase metade do tempo que trabalhamos é, portanto, paga ao Estado, não a nós. E, durante o governo da geringonça, foi engordando essa fatia que nunca chegamos a levar para casa. O que não devia espantar-nos – para ter o que distribuir, há que recolher antes.
Ficou célebre a frase de Margaret Thatcher: “O problema do socialismo é que eventualmente se acaba o dinheiro das pessoas.” Mas normalmente não é preciso tanto. Basta que se acabe a tolerância de quem trabalha metade do ano só para alimentar o Estado.