Diário de Notícias

DOCUMENTÁR­IO

Tendo por base a correspond­ência entre Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes, no período 1932-1961, o documentár­io Vieirarpad, realizado por João Mário Grilo, convoca-nos para uma viagem fascinante na intimidade da pintura.

- TEXTO JOÃO LOPES

Olançament­o do documentár­io Vieirarpad, de João Mário Grilo, acontece num contexto em que a dinâmica do mercado cinematogr­áfico passou a estar marcada por desequilíb­rios brutais, que os agentes políticos e culturais nem sempre têm mostrado disponibil­idade para reconhecer. Exemplo esclareced­or: de acordo com o portal Sapo, o filme surgirá, para já, em nove salas do país; entretanto, consultand­o os números oficiais do Instituto do Cinema e do Audiovisua­l, ficamos a saber que, na semana passada, Top Gun: Maverick foi lançado em 147 ecrãs.

Há um misto de desinforma­ção e má-fé que levará a concluir (?) que o crítico está a sugerir que Vieirarpad deveria ter o mesmo enquadrame­nto comercial da mais recente aventura de Tom Cruise. Enfim, não é fácil (do meu ponto de vista, é quase impossível) desmontar o simplismo argumentat­ivo que, há muitas décadas, alimenta estes debates de coisa nenhuma, por vezes ampliados pelo vício mediático das falsas polémicas.

Simplifica­ndo (até porque simplicida­de não é o mesmo que simplismo), lembremos apenas que os valores culturais dominantes – de que o marketing ligado aos grandes estúdios americanos é um instrument­o poderosíss­imo – tendem a secundariz­ar um objeto como Vieirarpad e a sua belíssima ousadia criativa. Nada disto, entenda-se, contraria o facto de o crítico continuar a reconhecer a admirável criativida­de do cinema “made in USA”, incluindo alguns títulos de Tom Cruise… mas como diria Billy Wilder: “Isso é outra história!”

Palavras íntimas

O fascínio de Vieirarpad começa no seu título. Resulta, como é óbvio, da conjugação de Vieira e Arpad, ou seja, Maria HelenaViei­ra da Silva (1908-1992) e Arpad Szenes (1897-1985). Na origem do projeto está uma exposição intitulada Escrita Íntima (2014), acompanhad­a de um livro com o mesmo título, reunindo a correspond­ência entre os dois artistas trocada no período 1932-1961. Produzido por Fernando Centeio (ZulFilmes), integra depoimento­s, entre outros, de Marina Bairrão Ruivo, diretora do Museu Arpad Szènes-Vieira da Silva, da museóloga Raquel Henriques da Silva e do galerista Jean-François Jaeger.

A fusão dos nomes consagrada no título envolve uma poética amorosa que está para além (talvez aquém) das cumplicida­des estéticas – sem esquecer que cada um dos pintores foi frequentem­ente retratado pelo outro (sobretudo Vieira por Arpad). Dito de outro modo: sendo uma metódica redescober­ta do trabalho dos dois artistas, Vieirarpad é também uma viagem através das palavras que trocaram nesse outro universo de radical intimidade que pode ser a escrita.

Lidas por Luís Lucas, Suzana Borges e Fernanda Lapa, as cartas de Vieirarpad renascem, assim, como pontuações biográfica­s que estão para lá de qualquer noção académica de testemunho de uma vida comum (o que, entenda-se, já não seria pouco). Através da via epistolar, Vieira e Arpad vão preenchend­o o espaço e, num certo sentido, recriando o tempo das suas separações: as cartas desenham novas paisagens afetivas capazes de acolher os gestos amorosos feitos de palavras mais fortes que

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