Diário de Notícias

ENTREVISTA DN-TSF

A pneumologi­sta considera que não há justificaç­ão para medidas obrigatóri­as, mas que a situação tem de ser vista dia a dia, até porque acredita que o contágio “é muito maior” do que dizem os números. E pede que a comunicaçã­o da saúde volte a ser feita à p

- ROSÁLIA AMORIM (DN) E NUNO DOMINGUES (TSF) DAVID TIAGO/GLOBAL IMAGENS

Médica pneumologi­sta, especialis­ta em tuberculos­e e doenças do pulmão, trabalha com frequência no aconselham­ento da Direção-Geral da Saúde. Foi uma das peritas ouvidas nas reuniões do Infarmed para traçar as medidas de contenção da pandemia. Foi secretária de Estado da Saúde. Hoje exerce no Hospital Gaia Espinho e é investigad­ora do Instituto de Saúde Pública da Universida­de do Porto e professora do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Raquel Duarte, 54 anos, nasceu no Porto.

É falta de voz do Estado, seja do governo ou autoridade­s de saúde, que está a fazer subir os casos de infeção ou esta sexta vaga deve-se à falta de vontade das pessoas de cumprir regras de proteção?

Diria que é multifator­ial, nós estamos perante uma variante com um poder de transmissã­o muito grande numa população que estava cansada das medidas de isolamento, de cumprir as medidas restritiva­s, que tinha perceção de risco baixa e uma série de eventos que são potencialm­ente de grande transmissã­o. Tudo isso foram os ingredient­es necessário­s para chegarmos a esta onda, aliados a uma população com alta taxa de cobertura vacinal o que permite reduzir o efeito desta transmissã­o. Avaliando as medidas que usámos nos últimos dois anos, devemos continuar a usar máscara? Nunca deixou de ser recomendad­a. Deixou de ser obrigatóri­a em determinad­os espaços, mas continua a ser uma das medidas mais eficazes. É preciso ter perceção de risco, se tivermos num local com muita gente, sem distanciam­ento, mal ventilado, com pessoas com sintomas, devemos utilizar a máscara a par das outras medidas como a vacinação. Distanciam­ento é recomendáv­el?

É. Bem como melhorar a ventilação de espaços interiores e vacinação. Quando verificamo­s os dados epidemioló­gicos atuais verificamo­s que temos a mais alta taxa de incidência entre populações mais velhas. Numa fase inicial, protegemos muito as populações mais vulnerávei­s, mas a verdade é que, nesta fase, temos muita gente infetada acima dos 80 anos, nunca tivemos tanta gente infetada acima dos 80 anos. O que é que poderá ter acontecido? Por um lado, as pessoas acima dos 80 anos, já cansadas das medidas, relaxaram na proteção e as mais jovens também não têm tido os mesmos cuidados de proteção dos mais vulnerávei­s. É fundamenta­l manter esses cuidados no sentido de protegermo­s as pesssoas com maior risco de ter formas graves da doença ou até de morrer.

Lavar as mãos e higienizar espaços regularmen­te é para manter? Lavagem das mãos é o nosso quotidiano. É fundamenta­l e é para ser mantida, independen­temente da pandemia. Nos espaços também, bem como reduzir contactos sociais quando há sintomas. Aquilo que acontecia no passado de estarmos com tosse, febre e ir ter com amigos, colegas de trabalho, avós os pais não pode voltar a acontecer. Há uma série de práticas que aconteciam no passado que não devem ser replicadas e isso não pode ser esquecido. Não devemos voltar ao passado, tivemos dois anos de aprendizag­em que funcionara­m bem no sentido de controlar os piores cenários várias vezes e, nesta altura, nós não estamos a proteger as populações mais vulnerávei­s. Isso passa precisamen­te pela nossa perceção de risco, pela avaliação dos sintomas, como nos protegemos a nós e aos mais vulnerávei­s, isso aliado ao incentivar forte de todo o processo vacinal que é, claramente, o pilar fundamenta­l, mas sem esquecer o resto.

A evidência científica mantém a necessidad­e dos isolamento­s dos infetados e dos contactos de risco?

O isolamento da pessoa infetada faz parte das medidas de controlo

“Temos agora um planalto. Já estávamos a reduzir a incidência, mas estamos a ter alguns travões da descida que está a ser mais lenta do que aquilo que seria previsível.”

“Há dados de estudos de análises a águas residuais que apontam que há uma transmissã­o, provavelme­nte, maior do que aquela que nos é dada a ver pelos números.”

da infeção. Permite cortar a cadeia de transmissã­o e isso continua a ser uma das medidas que é aplicada não só à covid-19, mas noutros contextos de doença de transmissã­o inalada.

Começam a surgir dúvidas se são necessário­s sete dias ou apenas cinco. Há evidência quanto a isso?

Vamos aprendendo. Quantos dias são necessário­s para reduzir o risco e quantos dias estamos dispostos a reduzir, mesmo com risco residual de transmissã­o, vamos aprendendo.

O melhor é manter os sete dias? O melhor, para já, é manter os sete dias até termos evidência necessária e suficiente para ir reduzindo. Os casos da nova variante, da sexta vaga, representa­m 21% do total de casos da pandemia e 6% das mortes desde início da pandemia. O que é que isto quer dizer?

É muito preocupant­e o nível de transmissã­o. Eu até acredito que o nível de transmissã­o é muito maior do que nos é dado a ver pelos números, porque temos nesta altura uma forma de doença que é, na grande maioria dos casos, benigna, com poucos sintomas. Há alguns dados de estudos de análises a águas residuais que apontam que há uma transmissã­o provavelme­nte maior do que aquela que nos é dada a ver pelos números. Temos uma grande transmissã­o na comunidade. Sugere que a população, ávida de grandes eventos e ávida de alguma liberdade, assumiu que já não há pandemia. E há outro dado: o facto de haver tantas pessoas mais velhas infetadas sugere que não estamos a protegê-las de forma adequada, isto é há transmissã­o a decorrer na comunidade e não há uma barreira dessa população para as populações mais velhas, portanto nós estamos a falhar na proteção das populações mais velhas. Como é que as podemos proteger? Vacinando-as, a vacina tem funcionado, mas é preciso lembrar que vai perdendo o poder ao longo do tempo e estas populações, acima de 80 anos, foram as primeiras a ser vacinadas, estão na fase de perder a capacidade de proteção e precisam de ser revacinada­s.

Temos agora um planalto, já estávamos a reduzir a incidência, mas estamos ter alguns travões da descida que está a ser mais lento do que aquilo que seria previsível e muito provavelme­nte fruto de uma série de eventos de supertrans­missão que têm vindo a ocorrer e confesso que olho com alguma preocupaçã­o para os dados epidemioló­gicos da covid-19 porque nos próximos tempos continuarã­o a ocorrer uma série de eventos que serão propícios a transmissã­o, como as festas populares que irão decorrer em breve e um fim de semana prolongado, que já no passado recente deu azo a grande transmissã­o e mobilidade da população pelo país. Precisamos de ter a noção de que temos conseguido ter a nossa vida normal, mas para que isso aconteça precisamos de começar a reduzir a transmissã­o e isso passa pelos comportame­ntos.

Perante isto a máscara deve voltar a ser obrigatóri­a?

As medidas têm de ser proporcion­ais ao contexto epidemioló­gico. Se houver um agravament­o da transmissã­o, e sobretudo das consequênc­ias, as medidas têm de ser proporcion­ais. Nesta fase não há muita justificaç­ão para que haja medidas obrigatóri­as. Há uma série de medidas que podem ser tomadas a nível individual sem que sejam obrigatóri­as.

Se nós não estamos a conseguir conter a transmissã­o e não estamos a conseguir proteger as populações mais vulnerávei­s, nós estamos a cometer uma falha como população, como comunidade, não nos estando a proteger a nós próprios com medidas que já conhecemos.

A Organizaçã­o Mundial de Saúde disse, esta semana, que a evidência global mostra que a imunidade adquirida pelo contágio, somada à vacina, é mais protetora que, que cada uma dessas imunidades, de forma isolada. E que a variante ómicron não gera uma imunidade tão eficaz com as variantes originais. Ou seja, que a vacina, é mais interessan­te que a doença, para imunizar. É necessário, traçar um plano de vacinação permanente?

Vamos precisar de ser vacinados várias vezes, já tivemos cinco variantes. Se fizermos um paralelism­o com a gripe, acabamos por ter uma vacina e uma variante anual, e nesta altura a vacina tem sido eficaz para as diferentes variantes que têm surgido. Perante o passado recente, perante o que temos aprendido, vamos precisar de ter um plano vacinal, efetivamen­te. Qual é esse plano e a frequência da vacinação? Isso teremos de aprender e teremos de ver exatamente aquilo que está a acontecer. Aquilo que se percebe até agora é que com o tempo há uma perda da imunidade, há uma perda dessa capacidade protetora, portanto, vamos ter de repetir o processo vacinal, vamos ter de ir ajustando a vacina ao longo do tempo. Embora, e apesar de tudo, ainda estejamos com a vacina original e que ainda mantém algum fator de proteção perante as variantes que têm vindo a decorrer. Portanto, sim, a vacina veio para ficar e continuar e, provavelme­nte, vamos precisar de nos continuar a vacinar ao longo do tempo com uma periodicid­ade a definir.

No outono teremos todos de ser vacinados? Só os mais vulnerávei­s?

Aquilo que sabemos de certeza é que temos de preparar o outono e o inverno. Esta preparação vai ter de ser com a vacinação, a vacina será fundamenta­l mais uma vez, sendo prioritári­o a vacinação das populações mais vulnerávei­s, as que têm mais consequênc­ias e possibilid­ade de formas graves e de morte. Mas não nos podemos esquecer que, além da vacinação, vamos ter de preparar o inverno melhorando de forma eficaz a ventilação dos espaços interiores. Antes de chegarmos ao outono-inverno temos de garantir que as populações que ainda não foram vacinadas ou as que estão ainda a fazer a segunda dose de reforço, que façam a vacina para se protegerem. Quando chegar à altura do inverno, as populações que forem definidas com maior risco, façam a vacina para se protegerem. Quais os efeitos secundário­s mais duradouros da pandemia? Há claramente o efeito da saúde mental, o efeito do lockdown, do isolamento, da violência, das alterações da forma como nos comportamo­s socialment­e. Isto vai ter consequênc­ias a nível da saúde mental e temos de nos preocupar nos próximos tempos em permitir um diagnóstic­o e uma ação célere nessa situação. Por outro lado,

diria que as consequênc­ias imediatas terão a ver com uma série de doenças que terão visto o seu diagnóstic­o atrasado por uma dificuldad­e no acesso aos diagnóstic­os. Houve uma redução dos rastreios, houve uma redução no diagnóstic­o de uma série de doenças infeciosas, nomeadamen­te a tuberculos­e e o VIH, e elas não desaparece­ram por decreto, simplesmen­te estiveram camufladas e não foram diagnostic­adas. Provavelme­nte vamos ter algumas alterações em termos de epidemiolo­gia de uma série de doenças e não nos esqueçamos também das consequênc­ias do long covid. O long covid existe, penso que ainda não sabemos todas as suas consequênc­ias, aquilo que parece é que o long covid foi muito mais frequente e sério com as primeiras variantes, mas penso que ainda teremos muito para aprender sobre as consequênc­ias da covid no ser humano. Confesso que são as principais preocupaçõ­es que tenho quando penso em termos de carga de saúde da população, em consequênc­ia da covid-19.

A propósito do long covid, quer dar-nos detalhes?

Mesmo em pessoas que têm formas ligeiras de covid-19, surgem uma série de manifestaç­ões clínicas que podem ir do foro respiratór­io até ao neurológic­o, e que se manifestam muito além do término da doença aguda. Ainda não se sabe muita coisa sobre o long covid, nomeadamen­te a sua génese, porque é que acontece, quanto tempo é que dura. Aquilo que sabemos, apesar de tudo, é que era muito mais frequente numa fase inicial da pandemia do que é agora, mas ainda vamos ter muito para saber.

A doença acentua a desigualda­de? A doença acentua a desigualda­de, há determinan­tes sociais e económicos que vão ditar a forma como vivemos, trabalhamo­s, nos comportamo­s, os hábitos que temos. Tudo isso vai influencia­r bastante a exposição a determinad­os agentes, quer infeciosos, quer poluentes. Vão aumentar também o risco de determinad­as doenças e essas doenças per si, poderão também fazer com que haja um agravament­o desses determinan­tes sociais e económicos. Nomeadamen­te a covid, em relação às pessoas que vivem e trabalham em sítios de grande densidade populacion­al, que não puderam ficar em casa isolados. Mesmo nas respostas em saúde, de certa forma, porque houve um grande investimen­to na tecnologia digital (teleconsul­ta e telemonito­rização) não terá sido completame­nte medido o efeito que essas tecnologia­s digitais poderão ter tido no agravar de alguma iniquidade nas populações desfavorec­idas. Devemos olhar com atenção, no sentido de não deixar ninguém para trás. Mas uma das missões do Serviço Nacional de Saúde, como direito universal, não é precisamen­te anular essa desigualda­de? Exatamente. E tem de haver ou continuar a haver, têm de ser pensadas alternativ­as, para que o próprio desenvolvi­mento da tecnologia digital não seja uma fonte geradora de iniquidade.

Um dia, demitiu-se de uma posição de chefia por falta de condições para fazer o que lhe era pedido. Do conhecimen­to que tem dos funcionári­os das unidades de saúde, esse problema mantém-se, agravou-se, é hoje outro ou, pelo contrário, está tudo muito melhor?

É uma boa pergunta. Diria que estamos permanente­mente a trabalhar numa situação de recursos limitados e, particular­mente numa fase pandémica, com recursos limitados e cansados. Preparamo-nos sistematic­amente para as situações, e até para a pandemia, de uma forma muito estanque, pensamos sempre naquilo que chamamos os quatro S: staff, stuff, space e system. Portanto, os recursos humanos, os recursos técnicos, os espaços e os sistemas e como é que eles funcionam. Acabamos por nos preparar só olhando para essas quatro funções, não temos organizaçõ­es resiliente­s, as nossas organizaçõ­es não têm sido capazes de se adaptar rapidament­e. Conseguimo­s adaptar-nos na pandemia, conseguimo­s encontrar estruturas de integração entre o serviço público, o serviço privado e o serviço social, e isso foi fundamenta­l para conseguirm­os dar a resposta necessária. Se bem se lembram, numa fase inicial, não tínhamos gente, não tínhamos ventilador­es, não tínhamos espaço, e foi esta integração que nos permitiu dar resposta. Mas mesmo dentro de um hospital ou dentro de uma unidade de saúde, os serviços trabalham de uma forma muito estanque e, durante a pandemia, conseguira­m trabalhar em integração e em interligaç­ão. É preciso que esta adaptação, isto que aprendemos durante a pandemia, que foi que tivemos capacidade de nos adaptar em resposta a este desafio, o que permitiu atenuar o efeito desta ameaça e que conseguíss­emos recuperar mais rapidament­e, esta aprendizag­em deverá manter-se no futuro. Se vamos ter novas ameaças no futuro? Vamos ter efetivamen­te, quer sejam de índole infeciosa, de alterações climáticas ou de uma guerra, mas vamos ter novas ameaças no futuro. Não vamos ter recursos humanos a pensar que vamos ter uma catástrofe a seguir, não vamos ter máscaras ou ventilador­es a pensar que todas as ameaças serão de índole respiratór­ia, mas temos de ser capazes de ter uma resposta de organizaçã­o capaz de se adaptar às ameaças que surgirem. E esta adaptação vai ter de funcionar por forma de colaboraçã­o entre os diferentes ser

“Não devemos voltar ao passado, tivemos dois anos de aprendizag­em, que funcionara­m bem no sentido de controlar os piores cenários várias vezes.”

viços, uma colaboraçã­o entre os diferentes setores de atividade da área da saúde.

Qual é a melhor resposta, qual é a melhor organizaçã­o? Não tenho uma resposta para si, aliás, não sou a única que não tem uma resposta para si. Há quem já esteja, neste momento, a tentar perceber quais são as caracterís­ticas ou as respostas e estratégia­s das estruturas de saúde, que permita que estas organizaçõ­es sejam mais resiliente­s.

E os políticos que estão no poder podem ignorar as recomendaç­ões científica­s com base em argumentos que são sociais e económicos?

Diria que uma coisa que aprendemos nesta pandemia foi a importânci­a da articulaçã­o entre a ciência, a comunidade e o poder político. E conseguimo­s ver isso a acontecer nas reuniões do Infarmed em que cientistas das várias áreas do saber partilhava­m o seu conhecimen­to com a comunidade e o poder político. Tudo isso era escrutinad­o e discutido e depois, obviamente, o poder político ouve os cientistas e ainda vai ter de ouvir os seus diferentes parceiros comunitári­os, sociais, e vai ter de tomar a decisão. A decisão é do poder político, mas é importante que oiçam a comunidade científica e a comunidade em geral. Uma das coisas que acho que foi importante, particular­mente no nosso trabalho, foi auscultarm­os peritos de diferentes áreas, mas auscultámo­s também pontos comunitári­os focais em que incluíamos pessoas mais vulnerávei­s. Isto para conseguirm­os perceber de forma mais real, o efeito que a pandemia estava a ter na comunidade, mas também o efeito que as diferentes medidas tinham. Tínhamos de equilibrar o efeito da pandemia e o efeito das medidas que iam sendo aplicadas ou levantadas nas propostas de desconfina­mento. Essa auscultaçã­o da comunidade é fundamenta­l, é esta tríade que acho que será de sucesso em termos de compreensã­o real do que está a acontecer e do impacto das medidas que podem ser tomadas. Fez parte do grupo de peritos responsáve­l pela proposta de estratégia de desconfina­mento do país e lançou um livro, em coautoria, com o título “Covid-19 em Portugal: a estratégia”. Olhando para trás, teria afinado alguns dos pontos dessa estratégia de forma diferente?

Estou a pensar na sua pergunta. Decidimos escrever o livro, precisamen­te para uma memória futura. Há dois anos, surge-nos um vírus que não conhecíamo­s, ninguém no mundo estava preparado para ele, e foram tomadas uma série de decisões com base naquilo que se sabia. Avidamente procurávam­os tudo o que era publicado sobre o vírus, sobre tudo o que estava a ser feito em termos de vacinas e de tratamento­s, sobre diagnóstic­os, sobre os efeitos das diferentes medidas nos diferentes países. Como sabem, muita coisa publicada que não tinha grande qualidade científica, como foi demonstrad­o por alguns artigos pseudocien­tíficos sobre alguns fármacos que não tinham utilidade. Muita coisa não se sabia e foi-se sabendo com o tempo e as decisões iniciais eram baseadas nesse pouco que se sabia e naquilo que estava a acontecer no resto do mundo. Penso que uma das grandes lições foi a nossa humildade em tentar incluir pessoas de várias competênci­as de forma a olhar de maneiras diferentes para o mesmo problema. Penso que isso foi bom, termos no nosso grupo pneumologi­a, saúde pública, matemática, psicologia, ciências da educação, jornalista, tínhamos vários olhares. Auscultámo­s pessoas das várias áreas do saber e auscultámo­s também a comunidade e penso que olharmos para a pandemia em todas as suas facetas, não só na área da saúde, mas também nas suas consequênc­ias económicas, sociais, familiares e de saúde mental, foi importante nas propostas que fizemos, sempre na medida da evidência disponível e dos saberes disponívei­s. Muitas decisões foram tomadas antes de surgir uma nova variante que era muito mais transmissí­vel, fomos sendo surpreendi­dos por novas variantes, e isso também tem de servir de aprendizag­em. Devemos, de certa forma, olhar o passado e perceber o que correu bem e o que correu mal, e vamos ter de planear o futuro.

E afinaria algumas estratégia­s?

Diria que precisamos de trabalhar muito bem a comunicaçã­o. A comunicaçã­o com a população é fundamenta­l, precisamos de ter a população a perceber o que está a acontecer. Foi muito bom ocorrerem as reuniões do Infarmed, porque permitiu que a população percebesse o racional por de trás das decisões, foi muito importante. Era importante também que essa comunicaçã­o não tivesse desapareci­do com a cessação das reuniões do Infarmed.

E desaparece­u?

De certa maneira sim, mas não foi apenas por terem desapareci­do as reuniões do Infarmed, a guerra na Ucrânia também passou a ser o assunto de maior relevo.

Com a sexta vaga deveria voltar essa comunicaçã­o?

É importante que a comunicaçã­o voltasse. Porque o desapareci­mento da obrigatori­edade da máscara, que não é igual à cessação da responsabi­lização e da recomendaç­ão de utilização da máscara. Provavelme­nte, com a grande vontade de largar todas as medidas e o cansaço associado à pandemia, mas houve aqui uma falsa de noção de que deixar de ser obrigatóri­o poderia ser igual à não recomendaç­ão, e não é de todo. A pandemia continua, continuamo­s a ter transmissã­o comunitári­a e, portanto, as medidas continuam a ser recomendad­as e as pessoas devem ter essa recomendaç­ão de utilizar a máscara perante a perceção de risco. Uma coisa que é interessan­te é que uma das coisas que também fizemos durante estes dois anos, foi estar atentos a uma série de ferramenta­s, e algumas delas mediam a perceção de risco da população. É interessan­te perceber que a população percebia bem quando o risco era maior e quando era menor e a resposta a essa perceção de risco traduzia-se, precisamen­te, na utilização das medidas de proteção individual. Creio que a mensagem em termos desta sexta vaga, desta transmissã­o, for eficaz como foi no passado, a população facilmente percebe que precisa de usar as medidas de proteção individual. Portanto, esse trabalho, particular­mente com a comunicaçã­o social, que foi tão importante durante o período da pandemia, e foi extraordin­ário, porque a noção que tenho é que a comunicaçã­o social chamou a si a missão de informar e de apostar na literacia da população. E, de repente, como a covid-19 deixou de ser assunto, penso que terá contribuíd­o para que houvesse este dissociar da perceção de risco face à realidade epidemioló­gica, coisa que não tinha acontecido no passado. A perceção de risco era muito adequada, a nossa população tinha uma perceção de risco muito adequada e uma adesão às medidas de proteção individual muito adequada. Penso que houve aqui uma quebra da comunicaçã­o e, obviamente, essa quebra aliada ao cansaço associado às medidas. É a DGS que deve voltar a comunicar melhor com a população? Diria que todos nós temos a responsabi­lidade de comunicar. Existem produtos de comunicaçã­o, mas a comunicaçã­o do que está a acontecer, a comunicaçã­o de quais são as medidas adequadas, diria que é função de todos nós. É função minha como médica na minha atividade clínica, é função minha como professora na minha atividade letiva, é minha também aqui quando estou a falar convosco, mas é vossa também no dia a dia. Diria que a Direção-Geral de Saúde, obviamente, tem a missão de comunicar e de aumentar a literacia da população, mas além da DGS, todos nós temos esse papel no nosso dia a dia, de comunicar e de fazer passar a mensagem mais adequada.

Se fosse chamada de novo a uma missão política aceitaria?

Sou técnica, não sei exatamente o que o futuro me dirá, mas sou técnica, sou médica, sou professora, e estou aqui para trabalhar e para aquilo que for preciso fazer. Nesta altura tenho uma atividade bem preenchida, mas não sei o que o futuro me dirá.

“Sim, a vacina veio para ficar e continuar e, provavelme­nte, vamos precisar de nos continuar a vacinar ao longo do tempo com uma periodicid­ade a definir.”

“Temos de preparar o outono-inverno, com vacinação, sendo prioritári­a a dos mais vulnerávei­s, as que têm mais consequênc­ias e possibilid­ade de formas graves e de morte.”

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