Diário de Notícias

O “factor Kadirov” no curto prazo

- Raúl M. Braga Pires Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt Escreve de acordo com a antiga ortografia

Aquando da vitória russa em Mariupol, lá apareceu o líder checheno a dizer que já não estava a olhar para a Ucrânia, mas sim para a Polónia, e que, se recebesse a ordem de Putin, em seis segundos demonstrar­ia a este e ao mundo do que são capazes.

Todas as ditaduras têm os seus “cães de fila” e “moços de recados”, não sendo também anormal que a determinad­a altura estes criem uma agenda própria e tentem fugir ao controlo do controlado­r. Foi assim que aconteceu com Bin Laden e Saddam Hussein, se considerar­mos os Estados Unidos da América enquanto “ditadura da democracia”, dado ser este o modelo político pelo qual se batem, exportando-o muitas das vezes através da força. Actualment­e vemosVladi­mir Putin a utilizar na Ucrânia o checheno Ramzan Kadyrov, presidente (PR) da República Chechena e também General no Exército russo.

O “muçulmano protegido de Putin”, como é conhecido, obedece mais ao perfil de um Senhor da Guerra do que de um político. Mercenário na Síria, a contrato de Putin em defesa do PR Bashar al-Assad, exerce agora as mesmas funções na Ucrânia com um número não confirmado de milícias “kadirovita­s”, como são apelidados, tal é o culto da personalid­ade que o mesmo alimenta. Aquando da convocatór­ia desta turba, em Fevereiro, Kadirov referiu num vídeo ter 12 mil homens prontos a avançar, mas o número total e actual de kadirovita­s na Ucrânia continua por confirmar.

Há uma semana, aquando da vitória russa em Mariupol, lá apareceu o líder checheno a dizer que já não estava a olhar para a Ucrânia, mas sim para a Polónia, e que, se recebesse a ordem de Putin, em seis segundos demonstrar­ia a este e ao mundo do que são capazes. O que é que isto significa?

Significa, na minha opinião, que Kadirov ao dizer Polónia está a pensar noVaticano! Porquê? Porque a Polónia é o país mais católico da região e porque o Papa João Paulo II, nascido na Polónia, continua a ser a grande referência católica para os muçulmanos do mundo e muito em particular para os do Cáucaso, já que foi um dos grandes responsáve­is pelo desmoronar da União Soviética. Quem é Ramzan Kadyrov? Kadyrov e seu pai, Akhmad Kadyrov, poderiam muito bem ter sido uns boys dos americanos, já que lutaram contra o Kremlin por uma Chechénia independen­te, mas durante a segunda guerra da Chechénia (1999-2009) tornaram-se nos preferidos de Putin, sacudindo os islamistas que lideravam para o vizinho Daguestão. E este é o meu ponto, relativame­nte ao curto prazo, já que estamos perante um “muçulmano útil” que muda de camisa conforme mudam os ventos, que combateu por mandado o Estado Islâmico (EI) na Síria, o qual por isso mesmo o critica, condena e apela aos pan-islamistas que apoiem a Ucrânia e nunca o império, seja ele qual for. Kadirov tem um historial negro no capítulo dos Direitos Humanos elencado por várias instâncias internacio­nais, que o apresentam como torturador e assassino por encomenda, sobretudo aos seus críticos e de Putin. Homossexua­is são considerad­os criminosos na Chechénia e são condenados e abatidos em tribunais extrajudic­iais, a pedido das próprias famílias, baseado no argumento da defesa da honra. Defende a poligamia e encara o jornalismo como uma profissão do Diabo. Que diferenças há aqui face aos defensores do califado? E se Putin morrer, ou for abatido, agora que se fala tanto sobre o seu estado de saúde? Que garantias é que há que este homem não seguirá a sua agenda pessoal e se baterá pela sua própria versão de um EI, cuja força centrípeta partirá de Grozni e não do Sham, do Levante? Tendo dito que já tem o pensamento na Polónia, que garantias há que já não fantasie uma cavalgada, naturalmen­te gloriosa, de Varsóvia até aoVaticano? E, se assim for, quem nos garante que quem o critica agora, a partir da Síria, não se juntará a ele, substituin­do o sonho da reconquist­a do Al-Andalus pelo da capitulaçã­o doVaticano, do Papado, do seu Inimigo Privado Número 1?

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